O Corrales e o Rock

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O Guilherme e o Rock – Antes true tarde do que nunca.
O Cyrino e o Rock – Saiba como o Rock entrou na vida do Cyrino e não saiu mais.
O jornalismo metálico – Tudo que você sempre quis saber, mas ninguém tinha coragem de contar.

Bem-vindo ao especial delfiano para o Dia do Rock 2006. Durante a semana que vem, publicaremos os textos restantes, onde você vai ficar sabendo como alguns membros da equipe começaram a gostar de Rock, terminando com um texto especial falando sobre os bastidores do jornalismo metálico. Neste primeiro texto, como você já deve imaginar, falaremos sobre a minha relação com o Rock. Vamos lá?

Embora não seja tão difícil separar a minha vida do Rock, sem dúvida é quase impossível separá-la da música como um todo. Na verdade, minha relação com essa forma de arte é praticamente a história da minha existência. Acho que podemos dizer que a minha educação musical começou quando eu ainda era um fofo nenê e meus pais colocavam as músicas que gostavam para tocar enquanto brincávamos.

Meu pai, fã dos clássicos, adora Beethoven e sempre colocava coisas nessa linha. Além do gênio alemão, lembro-me de ele tocar Brahms e minhas favoritas: A Cavalgada das Valquírias, de Wagner e O Fortuna, de Carl Orff, que costumávamos chamar de “a música dos Guerreiros de Fogo” (filme dos anos 80 estrelado pelo Schwarzenegger). Como o delfonauta pode perceber, desde pequeno eu já delirava com músicas pomposas e fortes.

Minha mãe, por outro lado, era roqueira. Fanática por Elvis Presley, me educou a gostar dos mestres Chuck Berry, Little Richard e Jerry Lee Lewis. Mesmo assim, minhas principais lembranças dessa época eram de coisas mais pesadas, como Led Zeppelin, Deep Purple e Pink Floyd, principalmente desse último, ao qual eu me referia como “aquele onde as crianças derrubam o muro”. Sim, tratava-se do clássico The Wall, que me interessava principalmente pela historinha.

Minha progenitora também sempre contava uma história de quando eu perguntei o que era bateria. Ela me colocou na cadeira e pôs para tocar Moby Dick, do Led Zeppelin. Eu achei um saco (é claro, era praticamente um nenê), mas ela não me deixava ir brincar até a canção terminar. Eu não me lembro disso, mas devo admitir que até hoje não gosto dessa música. Aliás, embora adore bateria, como o delfonauta já sabe, tenho um grande trauma de solos individuais desse instrumento. Talvez aí esteja a origem disso.

Com essa educação vinda de berço, hoje parece claro que eu iria eventualmente me interessar pelo Metal. Mas na época não era tão óbvio. Depois disso, fui desenvolvendo meus próprios gostos musicais. Como todo mundo que foi criança nos anos 80, eu gostava muito de Trem da Alegria (na verdade, gosto até hoje) e dava um jeito de ganhar todos os discos da Xuxa, do Bozo, do Jaspion, do Topo Gigio e tudo mais que eu gostava de assistir na TV.

Então, lá para 1990, quando eu tinha tenros 10 anos, conheci o Rap, curiosamente em uma aula de música da escola. Achei aquela forma de cantar tão diferente que daí em diante comecei a comprar uns discos do gênero. Lembro de ter comprado/ganhado discos do MC Hammer, Run-DMC, Naughty By Nature e US3 (que era, na verdade, uma banda de Jazz com rappers cantando, muito legal), mas o meu preferido mesmo acabou sendo o brasileiro Gabriel, o Pensador, cujas letras achava fenomenais. Até que veio o terceiro disco e a boba 2345meia78 queimou o filme do cara completamente para mim. Em todo esse tempo, como quase todos meus contemporâneos, também fui bastante fã do Michael Jackson, outro que ainda curto até hoje, pelo menos as músicas antigas.

Aliás, a essa altura já tinha desenvolvido um outro gosto que provavelmente vai surpreender algumas pessoas: Dance Music. Era a primeira metade dos anos 90, a época das 7 melhores da Jovem Pan e esse estilo estava com tudo. Mas ouvindo novamente os discos que eu tinha, vejo que o que eu mais gostava não era a parte Dance, mas a parte “rapeada” que boa parte dos vocalistas usava. Na verdade, ficava extremamente incomodado com a repetição incessante dos refrões e com as letras que dificilmente saíam de coisas como “move your feet to the rhythm of the beat”, enquanto a parte que eu gostava mesmo costumava ser bem curta. Exemplos do que eu curtia? Alguns que me lembro agora eram Ice MC, DJ Bobo e Scatman John (aquele do pi-papara-pô).

Claro que, apesar de ter esses “novos” gostos, algumas coisas nunca mudaram (e permanecem iguais até hoje): eu sempre gostei de Blues, Rock’n’Roll, Música Clássica e alguma coisa de Jazz.

Nessa altura, como a maior parte das pessoas sem contato direto com o Rock, tirando o Classic Rock “pesado” que a minha mãe ouvia (e que eu não gostava), eu estava sujeito a ter a imagem que a mídia faz do estilo. Ou seja, os caras são maus, satanistas, arruaceiros e o escambau. Essa imagem era o que me impedia de começar a gostar do gênero.

Ao mesmo tempo, vários amigos meus começaram nessa época a serem seduzidos pela força de uma guitarra distorcida. Era Malmsteen para cá, Helloween para lá e Iron Maiden para tudo que é lugar, mas eu não queria nem ouvir. Além disso, essa galera começou a formar bandas, o que para mim pareceu deveras estranho. Ser músico era algo muito distante da minha realidade (eu queria ser engenheiro eletrônico, pois alguém tinha me falado que são esses caras que criavam games), achei algo bizarro e até inocente demais da parte deles (o que seria do mundo se não fosse a inocência de algumas pessoas?).

Sempre que a censura permitia, minha mãe me levava com ela aos shows que ia. Lembro-me de ter assistido, não necessariamente nessa ordem à Rita Lee, Luís Melodia, Rolling Stones, Stevie Wonder e Jimmy Page e Robert Plant. Isso antes mesmo de gostar de Rock. Mas apesar disso, já estava desenvolvendo o gosto por shows, até hoje um dos meus programas preferidos. Poucas coisas são tão agradáveis como sentir a pulsação de uma bateria no peito. E acredite, até mesmo em shows como Luís Melodia era possível sentir essa vibração mágica.

Enfim, nos idos de 1995/1996, estava assistindo à MTV e passa um clipe do Van Halen, Can’t Stop Lovin’ You. Minha cabeça deu um tilt. Tratava-se de uma música 100% roqueira (ok, uma balada, mas ainda assim roqueira), com um clima extremamente positivo, um clipe super legal e alto astral e uma banda cujos membros não paravam de rir. “Como assim?”, pensei, “onde estão os pentagramas? E as caras de mau?”. Ora, Can’t Stop Lovin’ You era um clipe que ia contra tudo (que eu pensava) que o Rock representava. E era muito legal. Rock, então, poderia ser legal. E a imagem que fazia do gênero poderia estar distorcida. Até hoje não sei se gostei da música em si ou de constatar com meus próprios olhos que o Rock não era necessariamente mau, mas que também podia ser alegre e positivo. E o Van Halen, como grande responsável por essa mudança na minha mentalidade, se tornou um ponto de mudança na minha vida.

Com isso em mente, decidi abrir um pouco minha cabeça. Ainda não estava convencido a dar o braço a torcer aos meus amigos roqueiros, mas estava a fim de conhecer mais do Van Halen. Já tinha visto antes o clipe de Don’t Tell Me (What Love Can Do), mas este era mais condizente com o que eu esperava de uma banda de Rock, já que se trata de uma música bem pesada (ao menos para meus padrões da época), cujo clipe é sério e mostra vítimas de violência e tal. Depois de um tempo, veio Amsterdam, também uma música alegre, mas que eu definitivamente não curti (e não curto até hoje). Finalmente veio Not Enough, baladaça levada ao piano que achei lindíssima e cujo solo de guitarra está até hoje entre meus preferidos. Foi aí que percebi que essa era uma banda especial. E aquele guitarrista começou a se tornar um dos meus preferidos.

Algumas semanas depois, consegui assistir a um clipe mais antigo da banda, Right Now, música maravilhosa e o vídeo era melhor ainda, completamente inovador. As mensagens positivas ainda estavam presentes e isso me convenceu a criar coragem e ir comprar o Balance. De início, me surpreendi com o peso da genial Seventh Seal, música que abre o álbum, mas isso não significou que eu não gostei. A minha primeira impressão sobre o disco é a que permanece até hoje: ele é maravilhoso, mas gasta muito tempo com faixas que são apenas barulhinhos e que deveriam ser excluídas.

Mas não conseguia parar de pensar na Right Now, então alguns dias depois comprei o Live: Right Here, Right Now, que considero um dos melhores CDs ao vivo da história do Rock. Esse foi meu primeiro ao vivo, meu primeiro CD duplo e um dos discos que mais ouvi na minha vida. Claro, reconheci várias músicas, já que hits não faltam para o Van Halen. Com esse álbum, a banda definitivamente assumiu um lugar importantíssimo no meu coração e não saiu mais.

É até bizarro pensar nisso hoje, mas acho que todos passam por essa fase (e alguns não saem): eu não gostava apenas da banda, mas também queria conhecer os caras, bater um papo com eles, coisas assim. Assim como eu, o Van Halen parecia se recusar a envelhecer, mantendo a alegria e a fantasia da infância. As letras se encaixavam perfeitamente com as minhas idéias e até hoje me emociono quando ouço algumas pérolas, como Dreams ou Best of Both Worlds, por exemplo. Sem dúvida rolou uma identificação. Eu sentia que poderia até ser amigo dos caras, já que as personalidades pareciam tão compatíveis.

Enfim, agora que já tinha meus primeiros CDs de Rock, não podia mais negar que estava me interessando pelo estilo. Então decidi pedir aos meus amigos para me mostrarem mais bandas. A primeira coisa que ouvi foi Iron Maiden, que era a banda preferida de todos eles. Não achei tãããão legal quanto todos falavam. Aí lembro que meu vizinho veio à minha casa trazendo alguns CDs. Dentre eles, estavam o EP Heaven Can Wait do Gamma Ray e o Keeper of the Seven Keys Pt. 2 do Helloween. Aliás, esse dia foi tão importante na minha vida que vou até abrir outro parágrafo especialmente para ele.

Como o delfonauta já sabe, essas são duas das minhas bandas do coração, junto com o Van Halen. Pois então, gostei bastante do Gamma, principalmente da Who do You Think You Are?, que achei deveras engraçada (para quem não sabe, a letra narra uma cantada infame dos dois pontos de vista – primeiro do cara que a passa e depois da mina que a recebe), mas o que me cativou mesmo foi o Helloween. Foi realmente uma sensação nova para mim. Era um som comercial, mas pesado. Divertido e engraçado, sem ser palhaço. E as melodias ainda lembravam bastante as músicas que ouvia quando era criança, como o já citado Trem da Alegria. Eagle Fly Free foi paixão à primeira vista, mas ainda me lembro bastante da primeira audição de Dr. Stein, Rise and Fall e I Want Out. O Helloween dos Keepers era tudo que eu procurava em uma banda de Rock. Divertida, bem humorada e com melodias bonitinhas. Na verdade, ainda procuro isso e, mesmo com tantos clones da abóbora germânica, nenhuma delas chega perto do original. Nem mesmo o próprio Helloween de hoje, infelizmente. Também tive oportunidade de ver na MTV o clipe de Carry On, do Angra e achei muito bom. Pirei o cabeção naquelas referências clássicas que, como você a essa altura deve saber, foi talvez o estilo mais constante na minha vida, já que nunca deixei de gostar.

Bom, a partir desse dia a coisa engrenou de vez e comecei a devorar cultura musical. Ia à Galeria do Rock e voltava com 10 discos de uma vez (às vezes mais). Comecei a fazer a coleção do Van Halen e, pouco depois, comprei meus primeiro CDs de Metal, que foram o Master of the Rings, do Helloween e Holy Land, do Angra, que tinha acabado de sair. O primeiro me decepcionou muito na primeira audição. Achei a voz de Andi Deris horrível (curiosamente, hoje sou um tremendo fã do cara) e as músicas eram diferentes do que eu esperava (provavelmente por ser basicamente um disco de Hard Rock, quando eu estava esperando um disco de Metal Melódico). Já o Angra me agradou mais, principalmente por causa do vocal de Andre Matos (que foi um dos meus vocalistas preferidos por muito tempo), mas mesmo assim dificilmente tinha saco de ouvir algo além de Nothing to Say, Carolina IV e Z.I.T.O.. Hoje, curiosamente, gosto muito desses dois discos e colocaria ambos entre os melhores que as duas bandas lançaram. Mas digamos que foi um gosto “adquirido”, não à primeira audição, como com o Keeper 2.

Finalmente consegui comprar os Keepers e, embora a primeira parte não tenha me agradado tanto logo de cara, a segunda parte se tornou, no mesmo dia, meu disco preferido. Posteriormente, quando ouvi a parte 1 com mais calma, passei a gostar dela também e minha preferência variava entre as duas partes. A admiração por Kai Hansen e Michael Kiske (respectivamente guitarrista e vocalista do Helloween na época desse disco) foi crescendo e passei a considerar os dois uma dupla dinâmica. O primeiro era meu compositor preferido. E o segundo, meu vocalista preferido.

Fui aos poucos comprando todo o resto do Van Halen, do Helloween e do Angra (que na época tinha lançado apenas os ótimos – e melhores da banda até hoje, na minha opinião – Angels Cry e Holy Land) até completar a coleção. Pouco depois, comecei a comprar tudo do Gamma Ray (começando pelo Alive 95, que adorei) e daí fui fazendo coleções de várias bandas. Stratovarius, W.A.S.P., Iron Maiden e muitas outras.

Sim, finalmente adquiri o gosto pela donzela. Embora musicalmente, a alegria contagiante do Helloween e as influências clássicas do Angra me agradassem mais, o Maiden me fisgou pelo marketing bem feito. Toda a história do Eddie contada pelas capas dos discos (que eram seqüenciais e tinham milhares de detalhes), bem como as letras que abordavam assuntos extremamente variados (indo do medo do escuro – Fear of the Dark – a batalhas aéreas – Aces High), sendo que algumas ainda formavam historinhas (como a saga da prostituta Charlotte) e, se você está prestando atenção, deve lembrar que eu viajo em historinhas musicais desde que ouvia The Wall com a minha mãe.

Aliás, essa parte de historinhas também foi vital na formação do meu gosto musical. Desde criança gostava de grandes épicos, histórias de fantasia (medieval e futurista), os mistérios do mundo, assuntos místicos, Grécia, Egito e por aí vai. No Metal, encontrei um estilo que não só falava dessas coisas como ainda poderia aumentar ainda mais o meu conhecimento desses assuntos. Sempre sonhei em voar e, justamente por causa disso, a história de Ícaro sempre me fascinou. Desnecessário dizer que pirei o cabeção quando ouvi pela primeira vez Flight of Icarus, do Iron Maiden.

E assim foi indo. Todo mês, minha coleção aumentava, até que me tornei o cara do meu grupo de amigos que mais tinha CDs (hoje minha coleção já deve ter passado dos 600 discos) e, curiosamente, acabei entendendo mais de Rock e Metal do que aqueles que me iniciaram. Para alegria da minha mãe, que ficava extremamente constrangida de ter um filho que gostava de Dance e agora começava a se orgulhar do pimpolho que manjava de música. Aproveitei esse orgulho para convencê-la a me comprar uma guitarra. Infelizmente, descobri dolorosamente que não tinha o menor talento para tocá-la, pois nunca saí daquelas primeiras musiquinhas básicas, como Smoke on the Water, Stairway to Heaven, Eye of the Tiger e Satisfaction. O pobre instrumento hoje acumula pó em algum lugar da minha casa.

Nessa época também vieram os primeiros shows que fui sem a minha mãe. O primeiro em que conhecia todas as músicas foi o Angra, no lançamento do Holy Land e, embora tenha sentido falta das músicas Stand Away e Angels Cry (que eles voltariam a tocar nas turnês seguintes), foi um show maravilhoso. Ao menos para aquele adolescente que não tinha tantas referências. É óbvio que, quanto mais shows você assiste, mais difícil é ser surpreendido, mas esse início da paixão pelo Rock é legal justamente porque o simples fato de você estar vendo aqueles caras que tanto admira tocando pertinho de você já é uma sensação mágica.

Como quase todo mundo que descobre o Rock e o Metal, também me dediquei a iniciar outras pessoas. Uma delas foi o nosso amigo Bruno Sanchez, que já gostava de Rock (me lembro que era um fanático por Offspring e Soundgarden), mas o mais próximo do Metal que ele ouvia era Metallica. Contrário à minha opinião, ele achava (e acha) que Rock sem cara de mau não era Rock. Aliás, achava que Heavy Melódico eram as baladinhas na linha do Bon Jovi. Injetei um pouco de cultura no cidadão e ele eventualmente começaria a gostar de Metal “de verdade” também. Estranhamente, ele ignorou a minha importância na formação do seu gosto musical quando escreveu um texto com um tema semelhante a esse para o Dia do Rock de dois anos atrás.

Na época que eu estava mais fascinado pelas letras do Iron, o Bruno também estava ouvindo bastante essa banda e então passávamos madrugadas no telefone cantando as músicas (ocasionalmente em hilárias versões em português que pareciam coisa tirada de um álbum dos Racionais) ou simplesmente conversando sobre as letras e as capas dos discos. É o tipo de coisa que você só faz quando é adolescente, já que depois a correria da vida não permite mais. E eu fico feliz de ter tido essa experiência, já que eram conversas deveras divertidas.

Como você deve saber se acompanha o DELFOS, meu gosto nunca se limitou ao Heavy Melódico e muito menos ao Metal. Sempre achei patética a atitude dos meus amigos de terem orgulho em dizer que só gostavam de Metal. O Metal é muito rico, sim, mas não é tudo. Achar que Metal é superior e fechar a cabeça para todo o resto é algo ainda mais imbecil do que quando eu me recusava a ouvir Rock baseado apenas em preconceitos criados pela mídia.

Com essa mentalidade, embora o Metal e o Hard Rock tenham rapidamente se tornado meus estilos preferidos e eu tenha perdido o interesse pelos meus CDs de Dance, continuei ouvindo Blues, Música Clássica, Rap e tudo mais que me agradasse, mesmo que em menor grau em comparação aos anos anteriores. Afinal, o Metal era especial. Meu interesse era musical, era lírico, era mostrar para as pessoas que compartilhavam das opiniões que eu tinha antes quão erradas elas estavam. Sem exagero, poderíamos dizer que o Metal e o Hard Rock eram, antes de tudo, meus amigos.

Por muito tempo, pode-se dizer que eu vivi o Rock. Fiz muitas pessoas gostarem de Metal (simplesmente desconstruindo a fama de mau que todo mundo pensava), fui em muitos shows, comprei muitos CDs e revistas e descobri que as pessoas que gostavam desse estilo costumavam ser inteligentes e ter o mesmo senso de humor que eu. Depois, acabei descobrindo que estava errado, como falei nesse texto, mas acreditei piamente nisso durante cerca de 10 anos da minha vida. Afinal, todos com quem tinha contato eram assim.

Pouco depois dessa minha “iniciação”, comecei a escrever letras de músicas e todo mundo para quem eu mostrava gostava muito delas. Provavelmente foi por aí que acabei descobrindo que escrevia bem, já que minhas redações no colegial também eram muito elogiadas.

Então me tornei vocalista de uma banda, onde passei seis ótimos meses. Nessa banda, musicamos algumas de minhas letras, ensaiávamos toda semana e saíamos bastante juntos. Nessa época, ganhei meu primeiro carro (e único até hoje) e isso possibilitou que saíssemos juntos simplesmente para dirigir por aí sem destino enquanto conversávamos, ríamos muito e ouvíamos os mais variados estilos de Metal e Hard Rock, pois todo mundo levava seus CDs e gostávamos de conhecer tudo. Foi através desse pessoal que acabei conhecendo melhor (pois já as conhecia de nome ou de algum clipe que vi na TV) bandas que hoje estão entre as minhas preferidas, como Savatage, Stratovarius e Hammerfall, por exemplo. Esses são meses que sempre vou lembrar com carinho, mas, infelizmente, tive choques criativos com um dos guitarristas e por isso saí da banda.

Quando fui prestar faculdade, estava a fim de fazer jornalismo. Queria trabalhar com música de qualquer jeito. Mas em uma aula da Cultura Inglesa, uma menina fez uma apresentação sobre publicidade e eu achei realmente muito legal. Por causa disso, prestei vestibular também para publicidade. Queria fazer a melhor faculdade. Por algum motivo, achava isso mais importante que o curso, então prestei apenas três processos seletivos, que foram, por ordem de preferência: jornalismo na USP, publicidade na ESPM e, se todo o resto desse errado, jornalismo na Cásper Líbero. Não passei na USP, mas passei na ESPM. Segundo meu raciocínio bizarro, decidi fazer ESPM ao invés da Cásper. Passada a empolgação inicial, descobri que odiava a área publicitária.

Durante o primeiro ano, comecei a me interessar pela história do gênero. Foi então que comecei a ir atrás das bandas que meus ídolos citavam como influência e assim conheci o maravilhoso Rainbow e fui mais a fundo no material menos conhecido de outro vocalista que gosto muito, o Ronnie James Dio. Também comprei alguns discos do Black Sabbath (da fase Dio, apenas, pois não suporto a voz do Ozzy, embora goste de algumas músicas que ele cantou) e admito que não me agradaram. Aquele estilão soturno e extremamente lento realmente não é a minha cara e esse foi um dos momentos onde eu percebi que, não é porque algo é considerado clássico, ou porque todos falam que é bom, que eu sou obrigado a gostar. E o fato de não curtir o Sabbath (embora ache algumas músicas sensacionais, principalmente as mais rapidinhas, das quais posso citar Neon Knights, Mob Rules e Sabbath Bloody Sabbath, apenas para efeitos de constagem) nunca fez com que eu me sentisse menos roqueiro.

No terceiro ano de faculdade, em 2002, conheci um cara que gostava muito de cinema. Ele e um amigo decidiram criar um site sobre isso. Já estava com essa idéia na cabeça também e o projeto deles acabou me influenciando. Mas eu queria algo diferente. Assim como o Kiss sempre disse que eles eram a banda que gostariam de assistir, eu queria criar o site que eu gostaria de acessar.

Comecei a desenvolver os projetos para o que hoje você conhece como DELFOS. Queria colocar no site tudo que me interessava o que, é claro, incluía música, sobretudo o Metal, mas sem se limitar a isso. Não vou me estender aqui sobre as origens do DELFOS, isso fica para outro dia, pois o assunto aqui é música. Só estou abordando isso pois interfere diretamente na minha relação com o estilo.

Nos meus últimos meses de ESPM, minha mãe morreu. Foi algo extremamente repentino e isso me deixou completamente perdido e destruído por dentro. E, como se não bastasse isso, ainda estava na reta final do trabalho de conclusão de curso e nem o grupo nem a faculdade se importavam com meus sentimentos. Para você ter uma idéia, no dia que isso aconteceu, eu teria uma pré-apresentação do trabalho para a orientadora e ela disse que, se eu não apresentasse junto com os outros, ficaria sem nota. Repetindo: isso foi NO DIA em que minha mãe morreu. Então, embora estivesse com o coração destruído e sem a menor vontade de continuar, tive que engolir isso e seguir em frente nos meses mais difíceis da minha vida.

Enfim, quando me formei na ESPM, estava trabalhando como redator de uma agência, profissão que exerci durante dois longos anos. De saco cheio, decidi sair e, alguns dias depois, coloquei o DELFOS no ar em formato blog. Era janeiro de 2004. Inicialmente, o blog era um projeto que tinha como objetivo encontrar um cara que estivesse interessado em ser meu parceiro, desenvolver o site e cuidar da parte técnica enquanto eu cuidava da editorial. Depois acabei desistindo e optei por contratar alguém para desenvolver o site, pois assim teria mais controle sobre as decisões administrativas. Com o tempo, o DELFOS foi se infiltrando no mundo do jornalismo, pegando sessões de cinema fechadas para imprensa e sendo credenciados para shows. Virou trabalho, embora não remunerado.

Estava finalmente realizando o meu sonho de trabalhar com jornalismo cultural. Mas aliado à alegria que isso naturalmente trazia, também veio a decepção. A repercussão de alguns textos relacionados principalmente à área de música (não apenas meus, mas também do restante da equipe) foi extremamente negativa, não porque estavam ruins, mas porque os leitores pareciam nem querer entendê-los. Uma única crítica em um texto elogioso era o suficiente para os fanáticos amaldiçoarem a família Corrales até a décima geração. Tive a impressão de que o público considerava que tudo que suas bandas preferidas faziam era perfeito e fiquei muito, MUITO, decepcionado com essa aparente burrice e fanatismo do público do Metal. Foi um choque quase tão grande do que quando vi o clipe da Can’t Stop Lovin’ You, mas dessa vez de uma forma negativa.

Uma coisa que essas pessoas não entendiam era que o DELFOS é um site de Jornalismo Parcial, portanto, todos os textos apresentam as opiniões de quem escreveu (como é, aliás, em qualquer “crítica”, daí o nome). O raciocínio do público era o seguinte: se concordavam com a opinião apresentada em um texto ele era bom e se discordavam, era ruim. Ora, vamos. Ninguém era obrigado a concordar com nada, mas precisavam saber que o que iam ler era a opinião de quem escreveu. Se discordam, digam isso e, se quiserem, digam por que discordam, mas deveriam se lembrar que isso também era uma opinião, que não valia nem mais nem menos do que a minha ou de quem escreveu o texto em questão. Acho que foi Voltaire que disse algo como: “Posso não concordar com uma só palavra do que dizes, mas defenderei com todas as minhas forças o teu direito de dizê-las”. Isso resume bem do que trata o DELFOS. Mas essas pessoas não entendiam e, ainda hoje, não entendem.

Desiludido, escrevi esse texto falando sobre isso. A repercussão foi ótima e muitas pessoas concordaram comigo. Mas o dano já estava feito.

Somado à decepção, eu também estava (estou) um pouco de saco cheio das regras do Metal. As mesmas regras que o próprio Helloween quebrou ao fazer as duas primeiras partes dos Keepers. Gostava e gosto de músicas pesadas e de afinações em ré, mas por que as bandas parecem tão presas em ser cada vez mais pesadas, mais épicas, mais místicas?

O Gamma Ray é um bom exemplo disso. Eu adoro todos os discos da banda, mas não acho que Kai e companhia terão coragem de gravar outra música como a já citada Who do You Think You Are?. Seu primeiro disco, Heading for Tomorrow, está cheio de músicas assim, como Freetime e Heaven Can Wait. Por “assim”, entenda músicas cujo único compromisso está na diversão. São letras bem humoradas, que tratam de temas mundanos e comuns, com os quais todos podemos nos identificar. Poxa, Freetime é uma ode ao tempo livre. Quem não se identifica com isso? A expectativa do final de semana chegando, você pegar sua garota e ir ao cinema. Como diz na música, “até segunda nada vai acabar com a minha alegria”.

Mas não, hoje o Gamma Ray não pode mais falar disso, ou serão traidores do movimento do “verdadeiro Metal”. Agora eles só podem falar de vampiros (Blood Religion), invasões alienígenas (Men, Martians and Machines) e coisas assim. E isso acaba completamente com a característica que os tornava tão cativantes nos seus três primeiros álbuns: o senso de humor.

O Helloween é a mesma coisa. Compare os dois primeiros Keepers com o terceiro. Qual é a principal diferença, sinceramente? Na minha opinião é que o Helloween hoje tem que se preocupar em ser pesado. As guitarras precisam ser extremamente distorcidas, não apenas no nível que a composição exige como deveria ser. Ora, alguém pode dizer que uma música como Rise and Fall é pesada? Não, ela é deliciosamente Pop e é justamente por isso que os Keepers são tão bons. A banda conseguiu unir de forma magistral música comercial de qualidade com senso de humor e Heavy Metal. É isso que tem de tão atraente naqueles discos para estarem entre os primeiros que todo mundo ouve ao entrar em contato com o Metal. Peso é legal, mas não é a principal característica de uma música. Ou pelo menos não deveria ser para bandas como o Helloween, ou simplesmente eles deixam de fazer jus ao famoso coro de Happy, happy Helloween que os fãs gostam de cantar antes dos shows.

Outro bom exemplo é o Judas Priest, que não tem coragem nem de tocar músicas tranqüilas como Living After Midnight sem deixá-la com a mesma distorção utilizada na quase Thrash Painkiller.

É justamente isso que sinto falta hoje em dia. Hoje é tudo tão épico e tão grandioso que o cenário não dá mais espaço para uma música fofa como Rise and Fall, cujo único objetivo é divertir. Arrisco até a dizer que se o Helloween lançasse o Keeper 2 hoje, exatamente como ele é, teria o mesmo efeito que teve o Chameleon (esse sim completamente Pop), ou seja, era provável que destruísse de vez a carreira dos caras.

Aí eu pergunto: será que o Gamma Ray não quer mais fazer músicas como Freetime ou é o mercado que não deixa? Eu ficaria com a segunda opção. Ou você acha que não exista absolutamente nenhuma banda no mundo disposta a fazer um Metal mais Pop e divertido, como esses que já estou cansado de citar? E mais, o delfonauta não tem idéia de como o mercado editorial no meio metálico é fechado. Mas isso fica para outro texto, que a gente publica no final desse especial do Dia do Rock.

Com tudo isso, acabei ficando de saco cheio do Metal. Isso não significa que não curta mais, pelo contrário, ainda acho um dos estilos de música mais ricos que existem, mas não estão dando espaço para os músicos enriquecerem o cenário ainda mais. Pois se precisamos de bandas pesadas como o Exodus e de bandas épicas e grandiosas como o Rhapsody, também precisamos de bandas alegres, divertidas, descompromissadas e, por que não, até mais Pops, como o Helloween e o Gamma Ray antigo ou até mesmo o Judas Priest da época do British Steel. Esse espaço hoje é ocupado pero no mucho pelo Edguy, mas que também acaba sofrendo pelo mesmo motivo. Ou será que eles conseguiriam gravar discos inteiros no estilo da fenomenal Lavatory Love Machine, que considero uma das músicas mais legais e inovadoras (mesmo não trazendo nada de novo) do Heavy Metal recente? E eu diria que a razão do imenso sucesso do Edguy e mesmo do projeto Avantasia está na sua imensa capacidade de ser deliciosamente Pop e de encher as composições com refrões sing-along. Poxa, até o visual das bandas parece ser mais “preso” hoje em dia. Compare o visual do Gamma Ray nos vídeos antigos (quando usavam roupas quase comuns) e nos shows recentes, onde se vestem com couro e coisas do tipo. Como exemplo, você pode tentar ver através do experimentalismo da foto que ilustra essa matéria, que foi tirada por mim no último show do Gamma em São Paulo.

Então acabei voltando minha atenção a outros estilos. Hoje estou ouvindo muito Hard Rock, sobretudo Rainbow, que acho ainda mais legal que Deep Purple, e até voltei minha atenção para coisas que não ouvi muito na minha adolescência, como o Punk. E tem gente nesse grupo que obviamente teve muita influência de Metal e que encontrou no Punk e no Hardcore o espaço para manifestar o que o Metal não permitiria.

Pegue o Millencolin e a música Killercrush para citar um exemplo. Não percebe aí uma nítida influência de Iron Maiden nas guitarras melodiosas? Mas por outro lado, a melodia das guitarras é algo que o Maiden nunca faria, por não ser épica e grandiosa o suficiente. É simplesmente uma melodia agradável. E nas letras tratando de assuntos do dia a dia, com senso de humor e mensagens positivas, você não percebe um quê (para não dizer influência) de Gamma Ray antigo? Não é triste que alguém procurando por esses elementos tenha que procurar fora do meio metálico, mesmo isso já tendo sido parte integrante do estilo? Isso não deveria acontecer. Eu deveria, sim, abrir a cabeça para o Hardcore e outros estilos de música, mas não é certo o mercado impedir que bandas com essas características cheguem ao público. Se é que elas existem.

Conversando com um amigo sobre os vários discos de bandas Punk coverizando bandas de Metal e Hard Rock que estão saindo por aí, começamos a pensar como seria legal um disco que fizesse o oposto. Já pensou o Angra tocando Blitzkrieg Bop? Ou o Savatage mandando uma God Save the Queen? Apesar do sonho, chegamos à conclusão de que isso não vai acontecer, pois a galera do Metal parece ter esquecido como se divertir. Afinal, gravar um clássico Punk seria uma traição. Poxa, alguém lembra o barraco que se armou quando o Gamma Ray gravou uma música dos Pet Shop Boys? Isso porque a canção foi completamente transformada em Metal. Imagina se fosse mais fiel à original então? Provavelmente o mais próximo que chegaremos do Metal interpretando Punk foi o Kiss gravando Do You Remember Rock ‘n’ Roll Radio que, diga-se de passagem, ficou muito legal. Ainda bem que sempre teremos o Hard Rock e sua inabalável capacidade de divertir.

É como sempre acontece, o business estragando a arte. Felizmente, sempre estive aberto a novas influências musicais. Só assim vou conseguir encontrar todas as características que procuro. Quando quero ouvir algo épico/medieval, ouço Rhapsody, quando estou a fim de ficção científica, fico com Judas Priest e Gamma Ray novo, e quando quero algo mais descompromissado, procuro pelo Gamma Ray antigo, pelo Millencollin ou até por Ramones. O que eu posso fazer se um estilo tão rico quanto o Metal não é rico o suficiente para suprir todas as minhas necessidades musicais?

Ou de repente tudo que eu disse aqui é besteira. Sei lá. O objetivo desse site não é fazer você concordar comigo, mas pensar por conta própria. E acredito que já dei aqui material suficiente para isso.

De uma forma ou de outra, não dá para negar a importância que o Rock e o Metal tiveram na minha vida. Provavelmente hoje sou uma pessoa diferente por causa disso. Não sei se isso me torna melhor ou pior, provavelmente nenhum dos dois, apenas diferente. E mais pobre, já que gastei muita grana na minha coleção de CDs e nas centenas de shows que freqüentei.

Termino esse texto dedicando-o à minha mãe, responsável pelo meu primeiro contato com esse estilo de música tão apaixonante. Ela pode não ter vivido o suficiente para ver o DELFOS, minha maior realização até o momento, mas vai viver para sempre no meu coração. Bom dia do Rock!

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