Eu não sou exatamente um gamer paciente. Se você é um delfonauta veterano, deve se lembrar que, anos atrás, eu vivia reclamando de games que traziam puzzles ou tinham um andamento mais lento. Hoje sou bem mais aberto a novas experiências, mas claro que há um limite. Eu ainda gosto de ter pelo menos um helicóptero explodindo nos primeiros minutos de jogo. Dois é melhor ainda. Ni No Kuni II: Revenant Kingdom não tem nenhum helicóptero. Nem explosões. Mas, meu amigo, como é bonito!

Ni No Kuni II, Delfos

O primeiro Ni No Kuni, que saiu em 2010 para Nintendo DS e em 2011 em uma versão melhorada para PS3, ficou famoso como “aquele RPG com envolvimento do Studio Ghibli“. Naquela época, eu fugia de RPGs como ex-presidentes do Brasil fogem da cadeia, mas este fato sempre me deixou curioso. Ni No Kuni II: Revenant Kingdom não tem mais envolvimento da Pixar japonesa, mas mantém a identidade visual, a história deliciosamente inocente e o climão fofo e otimista do primeiro.

DOMINANDO O MUNDO, MAS DE FORMA FOFA

Ni No Kuni II conta a história de Evan e Roland. Evan é o rei mirim do reino de Ding Dong Dell, e Roland é o presidente de um país do mundo real. Roland é transportado para a terra mágica do jogo por causa de motivos, e aparece no castelo de Evan, bem no dia que está rolando um golpe. O conflito está correndo solto e ambos se aliam para escapar dali. E agora Evan é um rei sem um reino para chamar de seu.

Ni No Kuni II, Delfos
Por pouco tempo.

Isso é a introdução. A partir daí, a história tem dois pedaços. Na primeira parte, acompanhamos Evan em sua busca por formar um novo reino. Uma vez que este objetivo é alcançado, o moleque resolve dominar o mundo. “Se todo mundo fizer parte do mesmo povo, não vai mais ter com quem lutar”, diz um dos personagens. Então na segunda metade, você viaja pelo planeta, visitando outros reinos para convencer seus líderes a assinar um tratado de paz. Claro, cada um deles só vai assinar depois de um pequeno favorzinho. E este é Ni No Kuni II.

Você deve perceber que não há uma história muito elaborada. Em cada capítulo, você tem um objetivo, tipo “fazer o líder X assinar o tratado”, e o capítulo acaba quando isso é cumprido. Ou seja, o foco da história é mesmo apresentar o mundo, seus diversos povos e uma infinidade de personagens, cada um com design mais simpático que o outro.

Ni No Kuni II, Delfos
Tem até um que parece ser transexual..

O curioso, considerando quão simples é a história, é quanto dela há no jogo. E quão mal ela é contada. Eu realmente me incomodo quando um jogo, especialmente um com orçamento considerável, como é o caso deste, não se aproveita das forças da mídia. Ni No Kuni II comete todos os erros pelos quais eu critiquei Okami, com o agravante de este ser um lançamento de 2018.

POTENCIAL NÃO APROVEITADO

Você deve saber quais são, já que é um problema comum em JRPGs, mas refiro-me especificamente à falta de vozes e de animações. Boa parte da história é contada em texto e com os personagens em círculos, quase sem se mexer. Ocasionalmente, quando é um diálogo mais importante, vozes acompanham os textos. Ainda mais raramente, temos cutscenes totalmente realizadas, com animações e vozes. E estas cutscenes são lindas demais, dá realmente a sensação de se estar assistindo a um filme do Studio Ghibli. Só que elas são não apenas raras, mas muito curtas. Você pode estar no meio de uma conversa em texto de 10 minutos, daí no meio dela rola uma cutscene de 15 segundos e depois voltamos ao texto.

Isso pode ser apropriado para um jogo quase sem história, como um do Mario, mas não funciona em algo como Ni No Kuni, no qual você passa mais tempo lendo do que de fato jogando. Para completar, o texto tenta criar sotaques diferentes para cada povo mudando a forma como seus diálogos são escritos. E isso deixa realmente difícil entender o que está sendo falado.

Ni No Kuni II, Delfos
Você pode ser fluente em inglês, mas duvido entender esta frase lendo-a apenas uma vez.

E olha que eu falo inglês perfeitamente. Se você não fala inglês ou japonês, se torna impossível jogar, uma vez que ele não vem com opção para português. Curiosamente, quando esses personagens falam com voz, eu consigo entender o que eles dizem tranquilamente, mas no texto complica. Escrever errado nunca é uma boa decisão.

FALEMOS DO GAMEPLAY

Verdade que metade do seu tempo em Ni No Kuni II vai ser assistindo à história, mas ele também tem bastante gameplay. Literalmente. Este é daqueles jogos que, quando você acha que já viu tudo, apresenta uma nova mecânica ou pelo menos um novo personagem jogável.

Seu primeiro capítulo, por exemplo, é uma fase de ação linear. Ao contrário do anterior, o combate agora é em tempo real, com botões para ataques fracos, fortes, magias e afins, além de poder alternar entre seus personagens selecionados a qualquer momento da ação.

Ni No Kuni II, Delfos
Esta briga não vai acabar bem.

Depois ele vira um metroidvania, ou seja, é um jogo linear, mas que envolve avançar, adquirir novas habilidades e voltar. É neste momento que ele apresenta o jogador ao mapa, com visão isométrica e onde seus personagens ficam mais fofos e cabeçudinhos. Caso você chegue perto de um inimigo, a tela volta ao visual 3D para a porradaria.

No capítulo 3, o mapa fica consideravelmente mais aberto, e a partir daí se torna inviável explorar todo o cenário. Mas o jogo ainda é relativamente linear, com um objetivo por vez. Mais ou menos por aí, ele te apresenta a uma mecânica semelhante a um RTS, com batalhas de exércitos que acontecem no mapa isométrico, envolvendo fraquezas e forças identificados por cores.

Ni No Kuni II, Delfos
Montar o seu exército com estratégia é vital.

Daí, quando parece que você já viu tudo, popa o sistema de…

ADMINISTRAÇÃO DO REINO

É aqui, quando eu estava já com 11 horas de jogo, que Ni No Kuni realmente se torna um jogo de mundo aberto. Centenas (literalmente) de sidemissions começam a aparecer, e várias delas rendem novos súditos para o seu reino. Lá, você deve administrar seus recursos, construindo edifícios que vão ajudar na sua exploração (tipo lugares que pesquisam novos feitiços). Daí você deve empregar súditos que têm talento para aquela atividade em cada um dos prédios. E depois disso, ainda deve mandar eles pesquisarem o upgrade que deseja. As pesquisas demoram bastante para serem concluídas, não raro mais de 60 minutos em tempo real.

Ni No Kuni II, Delfos
A tela de administração do reino.

É algo bem elaborado mesmo. Tem jogos, como Sim City, que se limitam a fazer apenas isso, mas Ni No Kuni é mais ambicioso, pois não é apenas um jogo de administração, mas também um JRPG de mundo aberto e um RTS. O lado bom é que ele se dá relativamente bem em tudo que tenta fazer. O lado ruim é que são poucos os jogadores que vão se divertir igualmente com todas suas mecânicas.

Eu, por exemplo, não tenho a menor paciência para jogos de administração, e isso não é opcional em Ni No Kuni II. Para você terminar o jogo, precisa ter uma oficina de armas de nível quatro, mas para conseguir este upgrade, precisa subir o nível do reino. Para subir o nível do reino, você precisa de muito dinheiro e de uma quantidade fixa de prédios e súditos. Para conseguir dinheiro, é necessário construir vários prédios. E para conseguir súditos, você precisa fazer as sidemissions. Quando você percebe, a história principal está de lado há três ou quatros horas porque você estava fazendo sidemissions e construindo coisinhas.

Ni No Kuni II, Delfos
E isso diminui consideravelmente a quantidade de momentos como este.

Isso é bom se você é um entusiasta de jogos como Sim City, mas não é como eu pretendia passar boa parte do meu tempo com Ni No Kuni II.

Ele também sofre de um problema comum em RPGs: o nível das missões e inimigos sobe bem mais rápido do que o seu. Para dar um exemplo, quando cheguei no último chefe estava no nível 49. O inimigo era do nível 72. Setenta-fuckin‘-dois. E olha que eu fiz boa parte das sidemissions e cheguei a este ponto com mais de 50 horas de jogo. Isso fazia com que meus ataques não tirassem quase nada da energia dele enquanto, por outro lado, ele me matava com dois golpes. Assim, a batalha final ficou arrastada e pentelha como poucas que já encontrei em games. Para completar, o jogo limita o uso de itens nas batalhas. Ou seja, eu podia ter – e tinha – centenas de itens de cura, mas podia usar apenas 10. A batalha final se estendeu por mais de 30 minutos, simplesmente longa demais, mas o final é bem legal e bem satisfatório.

MAS TEM MAIS COISA

Pensa que as novidades acabam por aí? Não, Ni No Kuni II continua apresentando novidades durante toda a sua duração. Eu já tinha passado das 20 horas de jogo quando o sistema de navegação de barcos apareceu, e depois disso ainda tinha novos personagens entrando no meu grupo. Depois, ainda, eu ganhei um aviãozinho que me permitia voar para qualquer lugar do mapa.

Ni No Kuni II, Delfos
Como todo o resto em Ni No Kuni, o barquinho é muito bonitinho.

É realmente impressionante a quantidade de variação que o gameplay de Ni No Kuni II apresenta. E igualmente impressionante é como, em todas suas formas estilísticas, ele se mantém lindão o tempo todo. E se você é um feliz proprietário do PS4 Pro, há opções de visual em 4K e HDR.

Ni No Kuni II, Delfos

A música é bem típica de trilha sonora de cinema. Há alguns temas, com mais melodia, mas a imensa maioria delas visa apenas criar um clima, e faz isso muito bem.

SABE OKAMI? ENTÃO…

Jogar Ni No Kuni II me causou a mesma sensação que tive com Okami, e não digo isso apenas por sua opção narrativa via textos ser basicamente a mesma.

Ambos os jogos são lindos, trazem muito da cultura japonesa e merecem ser jogados. Eu nunca diria que um dos dois é ruim. Longe disso, eles são muito bons no que tentam fazer. Mas o que eles tentam fazer definitivamente não é para um cara como eu.

Ni No Kuni II, Delfos
Esta imagem faz Ni No Kuni II parecer bem mais intenso do que de fato é.

Ni No Kuni II é um jogo que exige muito tempo. Ele é praticamente infinito e o progresso é feito de forma bastante lenta. Para você ter uma ideia, eu joguei durante um final de semana, quase todo o tempo que passei acordado, e neste tempo terminei apenas dois capítulos da história – e deixei várias sidemissions sem fazer.

No final, por exemplo, tem uma sequência absurda de chefes, com seus personagens falando a toda hora que a próxima é sua batalha final. Porém, a cada chefe que você mata, aparece mais um. E mais um. E mais um. Culminando naquela batalha de 30 minutos que eu falei há pouco.

Definitivamente o que temos aqui não é um jogo para quem pode jogar apenas uma ou duas horas por vez. Se este é seu caso, prepare-se para jogar Ni No Kuni II por meses até terminar sua história principal. Embora ele se dê bem em todas as mecânicas que apresenta, ganharia bastante eliminando as gordurinhas localizadas.

Ni No Kuni II, Delfos

Level 5 quer que você veja tudo que ela se esforçou para colocar no seu jogo, pois tudo foi claramente feito com muito carinho e capricho. Mas isso exige uma dedicação e paciência que nem todos tem.

Fãs de JRPGs, no entanto, têm aqui um dos jogos mais bonitos e caprichados já feitos, mas espere por algo com muita sustância, bem longe de uma diversão rápida.