Somerville é o jogo de estreia do estúdio Jumpship, fundado por Dino Patti, um dos fundadores da Playdead e produtor executivo dos excelentes LimboInside. Estamos, então, falando de um indie com muito pedigree. Será que ele rebate isso com qualidade excepcional?

SOMERVILLE

Somerville é um game de quebra-cabeças, cinemático, altamente narrativo e ao mesmo tempo totalmente não verbal. Tudo que ele quer comunicar ao jogador, seja história ou mecânicas, é feita através do visual. Por exemplo, um cachorrinho começa a fugir na hora que você deve fugir também. Este approach sem dúvida tem seu valor. Mas se não for claro, vai apenas empacar e frustrar o jogador. E isso é o que acontece aqui. Mas comecemos pelo bem bom antes do ruim malvado.

Somerville, Jumpship, Limbo, Delfos
Somerville é lindão.

Somerville tem uma estética simplificada, em low poly, mas é extremamente belo. Sua temática também é legal, retratando uma invasão alienígena, mas não do ponto de vista de um soldado, político ou herói, mas de um sujeito que simplesmente tenta continuar vivo e entender o que aconteceu.

Ao contrário de Limbo e PlaydeadSomerville é 3D. A câmera é cinematográfica, alternando ângulos de acordo com a situação, mas você pode se mover em todas as direções, não apenas para a esquerda e direita. E aí começam os problemas.

DÁ PARA INTERAGIR COM ISSO?

Somerville, Jumpship, Limbo, Delfos
Consegue ver para onde ir para sair daí?

O caminho nunca é claro. Há bloqueios em todas as direções. Às vezes o protagonista abaixa para passar num lugar apertado, às vezes não. De vez em quando, dá para apertar A para passar por cima de um obstáculo da altura da cintura. Às vezes não. Nunca dá para saber o que é uma parede intransponível e o que é o caminho da história. A única forma que eu consegui progredir em algumas telas era ficar andando na direção de todos os bloqueios enquanto martelava o A, na expectativa de interagir com algo cuja interação não era clara.

E daí vêm as mecânicas próprias. Em especial, dá para usar energia elétrica de duas formas, tornando uma gosma alienígena em sólido ou líquido. Esta é a pegada para a solução da maioria dos quebra-cabeças. Você deve encontrar uma lâmpada, descobrir como ligá-la, então carregá-la até o local onde deseja usar e, finalmente, usá-la.

SOMERVILLE É OBTUSO PRIDE

Obtuso é a melhor definição para Somerville. Por exemplo, na cena abaixo, do disco voador, eu consegui soltar o disco voador, ligar a energia elétrica, até mexer em uma câmera. Mas fiquei um bom tempo travado até descobrir, na total aleatoriedade, que era possível encaixar o cabo elétrico no disco voador, o que permitia prosseguir.

Somerville, Jumpship, Limbo, Delfos

Esse tipo de coisa é como o jogo quer ser. E é irritante. Não é como Portal, em que há regras bem definidas e você deve pensar para solucionar. Aqui você acaba solucionando um puzzle apenas para exclamar algo do tipo “ah, dava para fazer isso, é? Como eu ia saber?”. Em alguns casos, você por acaso descobre que o que parecia ser uma lâmpada era também uma alavanca. A coisa é nesse nível.

Na cena que finalmente me venceu, eu coloquei a gosma alienígena em um carrinho de mina e conseguia endurecê-la ou amolecê-la. A solução parece ser colocar uma cordinha dentro dela, e então endurecer a gosma para manter a porta de saída aberta. Porém, quando largo a alavanca que desce a cordinha, ela volta para cima muito antes de eu conseguir endurecer a gosma. Tenho certeza que deve haver alguma interação que não estou vendo para endurecer a gosma antes da cordinha “fugir”. Mas passei boa parte de uma tarde procurando por alguma luz, em vão.

Somerville, Jumpship, Limbo, Delfos
Maldito puzzle do carrinho!

Os melhores momentos da campanha eram os de stealth, que pelo menos tinham regras claras. Passe de uma zona escura para outra, sem encostar na luz. É padrão, vários jogos já fizeram isso, e é curioso que Somerville se atenha tão claramente a regras de gameplay de furtividade enquanto ignora coisas básicas de gamedesign, como destacar o que dá para interagir de forma clara.

DORES DO PRIVILÉGIO

Claro, eu estava jogando enquanto o game estava embargado, então não havia guias para me ajudar. Somerville provavelmente seria um game que eu iria até o fim se tivesse como ver as soluções, mas ele é simplesmente muito obtuso para descobrir as coisas sozinho. Além disso, está num estado absurdamente quebrado neste período de review, com o personagem entrando onde não deveria (e ficando preso como consequência) acontecendo com muita frequência. Acho que nunca usei tanto o botão de reiniciar checkpoint como aqui.

Ele me lembrou muito Out of This WorldAnother World, que eu gostava muito na infância. Trata-se de um jogo absurdamente cinematográfico, e se você sabe o que tem que fazer, assistir a ele parece um filmão, com tudo roteirizado. Porém, se você não sabe, jogar é como um ator tentando atuar sem ter lido o roteiro. Simplesmente não rola. Somerville é assim. Ele não te dá as ferramentas e regras para resolver seus puzzles, como um bom jogo de quebra-cabeça faria. Ele espera que você saiba o que fazer de antemão, para onde ir e com o que é possível interagir.

Somerville, Jumpship, Limbo, Delfos

Isso funcionou em Out of This World porque em 1991, nenhum outro game tinha dado tanto a sensação de jogar um filme. Mas todo mundo precisava comprar as revistas com as soluções para conseguir chegar até o final. Hoje em dia, temos a internet, e é fácil encontrar soluções. Mas se você vai ficar assistindo a vídeos para ver coisas que o jogo deveria te contar, talvez seja melhor mesmo ver um walkthrough ao invés de comprar Somerville.