Delfos Debate: O Velho e o Moço

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Antes de tudo, deixe-me contar como especificamente surgiu este texto. Um belo dia, abro minha caixa de mensagens e vejo um e-mail do Corrales intitulado apenas “Coluna”. Ele contava que recebeu um artigo de um delfonauta para a seção Pensamentos Delfonautas que falava de muitas bandas que ele sabia que eu gostava e, por isso, pensou carinhosamente em mim (uia!). Como o Corrales considerava que o tema da coluna representava a visão que a maioria dos headbangers teria sobre o assunto, achou que não renderia uma boa discussão se publicado sozinho. A idéia então era ver se eu discordava do que estava escrito lá e, se fosse o caso e estivesse interessado, escrever um contraponto, para expor as opiniões do lado oposto.

Comecei a ler o texto (o que você pode fazer clicando aqui) e concordei com muita coisa que estava ali naqueles primeiros parágrafos. Já achava que não teria nada para escrever quando, ao me aprofundar mais na leitura, encontrei vários pontos divergentes, que me animaram a ir em frente com o projeto e apresentar a minha visão alternativa sobre o assunto.

Para começar, creio que o Guilherme tem toda razão em seu começo de análise sobre o povo indie, alternativo, moderninho, ou seja lá qual for a gíria do momento. A esmagadora maioria desse grupo vive de fato pelo presente. É a eterna busca do que é sucesso agora e na semana que vem já estará esquecido. Em suma, o velho papo das salvações do Rock. Já falei bastante sobre isso aqui, portanto estes podem até ser considerados textos complementares.

Também não gosto disso. A meu ver, a descoberta meramente pela descoberta (qual será a próxima banda a estourar) transforma tudo em uma corrida por informação inútil e não pelo que de fato importa, a apreciação da música. Este é o lado ruim da internet, todo mundo quer tanto garimpar a próxima jóia musical que ninguém mais se dá ao trabalho de parar e escutar a música direito, como tem de ser feito. São os tempos modernos, e a tendência parece ser apenas piorar, vide a batalha MP3 X CD, que está sendo vencida amplamente pelo primeiro.

Nesse modismo, as coisas antigas são solenemente ignoradas, ou mesmo desprezadas. Digo por experiência própria que isso é verdade. A galerinha indie está tão sobrecarregada de novidades que eles não conseguem ver que a maioria das coisas que gostam hoje está diretamente ligada a coisas de 20 ou 30 anos atrás. E parecem não aceitar o fato. Só o fazem quando a mesma mídia que cria novos ídolos eventualmente resgata alguém do passado. Eles simplesmente desprezam coisas antigas só porque são antigas, o que, convenhamos, é uma grande babaquice. Aliás, essas mesmas pessoas considerariam o Oasis, se contarmos a partir do lançamento do primeiro disco, uma banda anciã, pois já tem 15 longos anos de existência.

Tive exemplos reais disso, inclusive com uma das bandas citadas no texto do Guilherme, o Queen. Eu adoro a banda, estou até numa fase de ouvir um disco deles por dia. Para mim, eles tem uma enorme influência em muitas bandas modernas. No entanto, em ocasiões diferentes com pessoas diferentes, mas de gostos musicais similares, por algum motivo citei o grupo de Freddie Mercury e a resposta foi a mesma. “Não gosto de Queen”. O papo continuou e acabei descobrindo que na realidade nenhuma delas conhecia direito a banda. Como alguém pode não gostar do que não conhece? Será tão mais fácil assim dizer que algo é ruim ao invés de admitir ignorância (não num sentido pejorativo, mas de simples desconhecimento)?

Agora me vem à cabeça que talvez essa falta de vontade de conhecer as coisas antigas, de mergulhar na história do gênero e formar um repertório, como Vasconcelos diz, seja uma reação àquele grupo oposto, que considera que tudo que é antigo é invariavelmente bom, e tudo que é novo é uma grande porcaria. Seja como for, ambas são visões extremamente errôneas e me irritam igualmente.

E é aí que começo a divergir do nosso amigo delfonauta. O que a meu ver era para ser um texto de alerta, um lembrete de que há muita coisa boa no passado que está caindo no esquecimento e não merece esse tratamento, pois é diretamente responsável pelo cenário atual do Rock (pois se o público indie não escuta, os músicos indies escutam, filtram e reaproveitam), virou apenas mais um ataque sem motivo a um estilo que claramente não está nas graças do autor (o chamado Novo Rock). E aí, qual o sentido disso? Não seria melhor focar as atenções para uma crítica inteligente e fundamentada da mídia e de como ela trata a música atualmente? Eu creio que sim, mas infelizmente esse tópico ficou para escanteio, servindo apenas como fio condutor.

Sim, esse papo chato de salvações do Rock é uma onda midiática criada pela imprensa inglesa e imitada pela nossa imprensa, inclusive. Se você não tiver um bom repertório de informações, você pode sim ser cooptado por ela e cair na ladainha de que a banda “X” ou “Y” é a última bolacha do pacote (até que se compre um novo pacote), mas até aí a reduzir todas as bandas a porcarias já é igualmente um exagero.

Eu diria até que agora o páreo está mais duro do que antigamente. Justamente por causa dessa cultura imediatista, quem quiser permanecer sob os holofotes, ou seja, sobreviver ao hype e não ser atropelado pela banda da semana que vem, tem sim de ser muito bom, ou cai nos anais do esquecimento, como algumas muitas já o fizeram. Outras estão aí, ainda relevantes, como os Strokes, que ganharam o papel de marco zero de toda a onda.

O autor pode não gostar das bandas que citou, normal. Mas usar argumentos batidos e relativistas para tentar explicar porque em sua opinião essa juventude “muderna” não sabe o que é bom é muita ingenuidade. Taxar todos como “em geral, pouco carismáticos, tecnicamente indigentes, liricamente paupérrimos e com um indisfarçável apreço pelo comercialismo”, é sempre algo complicado. Claro, é a opinião do autor, ainda que seja ofensiva e ainda que eu considere uma dura verdade em alguns casos, mas é sempre mais fácil criticar aquilo pelo que não se tem apego. E é nesses casos que é preciso muito cuidado para não cometer nenhuma injustiça ou ofender alguém gratuitamente.

Para cada um que acha tudo isso, há outro que acha o contrário. Quem está certo? Todos e ninguém, esta é a beleza da música. Despertar sentimentos, ser abrangente, para todos os gostos. Afinal, convenhamos, a mídia é poderosa, mas não milagreira. Se todos esses grupos citados fossem de fato tudo isso que foi dito no texto, nem com muito jabá receberiam tanta atenção e tantos elogios. Seriam descartados mais rápido que o de costume. E quando se entra em papos de comercialismo como se fosse algo negativo, só prova que a pessoa está presa àquela visão romântica e adolescente da música, de que a banda faz música por paixão e para você, sem pensar em mais nada.

Eis uma simples verdade: a paixão até existe, mas qualquer músico que grave canções e as comercialize, quer que elas vendam e muito. Não é só para você. É para milhões. Porque música é diversão para nós, mas para eles é sustento, é ganha-pão. Quem entra no mercado fonográfico tem que ter sim apreço pelo comercialismo. Se a banda diz que não está nessa pela grana, aí é pura hipocrisia. É querer pagar de altruísta. Mas será que ainda tem gente que cai nesse papo?

Aí o autor cai na velha armadilha que tanto separa os alternativos dos headbangers, a qualidade técnica. Outra discussão que não leva a lugar nenhum. Porque é de cada um. Se o cara se realiza ouvindo um guitarrista que toca dois bilhões de notas por segundo, bom para ele. Se outro prefere um que só saiba os três acordes do Punk, o que é que tem? A música possibilita isso. Você pode querer excelência técnica. Você pode querer feeling. Ou você pode querer os dois aliados. Cito novamente o Punk, que tem o The Clash como exemplo disso.

Prova de que isso não leva a nada está no próprio texto do Guilherme, onde ele cita o Nirvana como uma boa banda recente. Dez entre dez professores de guitarra consideram Kurt Cobain um péssimo guitarrista, fato. Pronto, tanto faz se há excelência técnica ou não. Claro que é um aspecto desejável. Claro que há extremos. Eu, por exemplo, realmente não suporto esses guitarristas masturbatórios, mas também não aguento que chamem Meg White de baterista. Mas são outros estilos, outro objetivo. No geral, o Rock é simples por natureza. Não há a necessidade de todos serem Hendrix, porque não há demanda para que todos sejam. Particularmente, não ouço música interessado se o cara passou toda sua adolescência trancado no quarto estudando seu instrumento oito horas por dia, ou se ele pegou num baixo ontem pela primeira vez. Se ele conseguiu fazer algo que mexe comigo, faz diferença o grau de técnica e estudo? Não.

A mídia fala, e muito. Se eles taxam de salvação, de queridinhos, de geniais, disso ou daquilo, e os indies caem, ok, problema deles. É triste, mas uma hora eles abrem os olhos. Mas só porque a mídia elogia algo que não é de seu gosto não é motivo para desancar com tudo. De fato, muitas dessas bandas são apenas ok, são derivativas, não apresentam nenhuma novidade, podem mesmo estar esquecidas em dez ou quinze anos. Mas até aí a dizer que todas são assim e nenhuma vingará? É cair no clichê do “no meu tempo é que era bom”, “não se fazem mais bandas como antigamente” e por aí vai.

Tem coisa boa sim, é só procurar. Posso citar o Arcade Fire, que considero a mais criativa da atualidade, com identidade própria e potencial para ir longe. O Muse, que vem ganhando muitos fãs e a fama de dar ótimos shows (mostrando que há gente carismática, bons performers e frontmen dentro dessa seara). Além disso, considero os três integrantes ótimos instrumentistas (na questão vocal, Matthew Bellamy poderia ganhar a vida cantando Ópera se quisesse). E o The Killers, exemplo de banda derivativa, que apenas recicla o passado (Pós-Punk, New Wave), mas de forma muito boa, e que por algum motivo caiu em desgraça com a mesma mídia que os elevou a fenômeno e que agora os considera um exemplo perfeito da tese do Guilherme.

O autor acredita que superestimar esses grupos é um erro, mas a meu ver subestimá-los também é. Ora, é muito cedo para uma avaliação justa sobre a maioria dessas bandas. Justamente porque são muito recentes e tem apenas dois ou três discos lançados. Quem garante que daqui a 20 anos o Franz Ferdinand não vai ser tão celebrado quanto um New Order?

Isso me faz pensar, hoje bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, Rolling Stones e outros dinossauros são quase unanimidades, e ai de quem falar mal deles. Será que foi assim no começo deles ou era exatamente a mesma discussão que estamos tendo agora? “Eles não tem qualidade, não vão passar do terceiro disco, é hype dos jornais musicais”. Eu não sei. Mas não seria engraçado uma natureza cíclica? Por isso é sempre bom ter um pouco de cautela antes de temer pelo gosto musical das novas gerações. Hoje, Killers é lixo e Led é clássico. Ontem, Led era lixo, Elvis Presley e Chuck Berry eram clássicos. Não podem ser todos potenciais clássicos algum dia?

O autor escreve que as bandas tinham que ralar muito para gravarem o primeiro disco. Verdade, já tinham muita bagagem e por isso mandavam uma obra-prima atrás da outra. Mas quem garante que as primeiras composições deles já eram geniais? A diferença é que agora, com qualquer um podendo gravar uma canção decentemente usando apenas um PC, os artistas crescem e se aprimoram aos ouvidos do público (e isso agora vale para qualquer gênero), talvez daí venha a sensação de que as bandas não são tão tremendonas quanto antigamente, mas é visível o crescimento técnico e criativo de um disco para o seguinte na maioria dos casos. E citar Mallu Magalhães? Eu não acho nada de mais no som dela, não é minha praia, mas lembre-se que estamos falando de uma menina de 16 anos! Não dá para cobrar uma Knocking on Heaven’s Door, é insensatez. Se ela não for engolida pelo sistema, acho que é seguro dizer que terá muito tempo para crescer musicalmente.

Criticar a juventude por não conhecer as velhas e boas bandas que construíram toda a estrutura do Rock, ok. Criticá-la pela ingenuidade de cair em contos da carochinha midiáticos, vá lá (ainda que seja natural dos jovens cometer esses erros), mas aí chega-se a um terreno pantanoso. Considerar que esses jovens não tem capacidade de discernimento e aceitam qualquer coisa que seja empurrado goela abaixo já é muito extremismo.

Criticá-los apenas por gostar dessas bandas “salvações do Rock” me passa um pouco de arrogância, de subir no pedestal, aquela coisa de “o meu gosto musical é melhor que o dos outros”. E isso nunca leva a lugar nenhum. Torço para que eu esteja errado e a intenção do autor não tenha sido essa, mas foi o que passou para mim. Talvez até por isso, essa velha discussão que nunca terá vencedores e muitas vezes acaba por alienar os dois lados, é que as pessoas entram nessa atitude extremada de não dar uma chance ao velho, ou ao novo. Seja lá como for, só quem perde com isso é o próprio ouvinte, que deixa de conhecer páginas importantes da história do Rock. Ou mesmo possíveis páginas futuras.

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