Ao lado de Udo Dirkschneider, o Luc Besson é a pessoa mais antipática que eu já entrevistei. Em ambos os casos, é claro, eu gostava antes e continuei gostando do trabalho deles depois. Em relação ao cineasta francês, o curioso é que eu costumo gostar mais dos filmes que ele roteirizou e/ou produziu, como Busca Implacável, Carga Explosiva e 13° Distrito. Suponho que você também gosta destes filmes, e concorda comigo que eles são bem mais legais do que Arthur e os Minimoys e Valerian. Pois Anna – O Perigo Tem Nome prometia trazer Besson de volta à temática de seus filmes clássicos, como Nikita. Será?
CRÍTICA ANNA – O PERIGO TEM NOME
Anna (Sasha Luss) é uma espiã da KGB. Ela é inteligente, perigosa e confiante. Basicamente uma versão feminina do James Bond. A diferença é que ela não quer estar lá. Os russos, malvados que só, dizem que só há uma forma de sair da KGB: morrendo.
Este é, no entanto, um filme de espionagem diferente. Ele não foca na ação e em uma única missão, como uma aventura do 007. A história se passa ao longo de anos e múltiplas missões, centralizado no drama da moçoila que quer sair dessa vida. É uma ideia legal. E Anna tem seus momentos.
A primeira cena de ação, no restaurante, é muito legal. Você sabe que eu gosto de porradaria filmada em planos longos, estilo filme de kung fu. Este não é o caso aqui. No entanto, apesar de haver muitos cortes, a coisa nunca chega a ficar confusa, como nos filmes mais recentes da Marvel. Ajuda que elas são muito bem filmadas, sem câmera tremendo e artifícios do tipo. A coreografia também empolga, sendo portanto uma excelente cena de luta.
Porém, não se engane, este não é um filme de ação. E na parte dramática, ele tem um problema que me incomodou bastante.
NARRATIVA NÃO LINEAR
“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heroico o brado retumbante”. Você conhece estas frases. Afinal, é a abertura do Hino Nacional Brasileiro. Mas elas fazem sentido para você? Claro, se você prestar atenção, vai sacar que em português, a ordem correta das palavras seria “Ouviram das margens plácidas do Ipiranga / O brado retumbante de um povo heroico”. Então por que está tudo bagunçado na letra original?
Esta analogia não saía da minha mente durante a projeção de Anna. Acontece que, assim como o nosso hino, as cenas deste filme vêm todas misturadas. Especialmente no início, parece que a cada oito minutos, aparece um “três anos antes” ou algo assim. A fórmula é clara. Ele mostra o que aconteceu, e depois o que levou àquilo.
É necessário? Não. Assim como na letra de Joaquim Osório Duque-Estrada, parece que bagunçaram tudo para dar a impressão de que algo absurdamente simples era mais inteligente do que realmente era. No final das contas, tanto Anna quanto nosso hino não parecem inteligentes, mas apenas esquizofrênicos. Afinal, eles são perfeitamente compreensíveis, mas desnecessariamente complicados.
Não à toa, o melhor pedaço de Anna é seu segundo ato, quando ele simplesmente se preocupa em desenvolver uma história, e não em enganar ou confundir o espectador.
AMNÉSIA
Veja bem, não é que eu sou contra narrativas não-lineares. Elas apenas têm que ter um motivo para existir. O tremendão Amnésia, do Christopher Nolan, é contado em ordem inversa, por exemplo. Mas há uma razão narrativa para isto: desta forma você assiste a cada situação do filme com as mesmas informações que o protagonista (alguém limitado a memórias recentes) tem.
Aqui parece apenas uma longa sequência de pegadinhas do Mallandro. E reviravoltas também têm seu lugar no cinema, mas no máximo uma por filme. Este deve ter umas sete ou oito, e todas são reveladas em flashbacks.
Não significa que Anna é ruim. Não, eu gostei dele, mas é um tanto pedante. E lá pelo quinto flashback/reviravolta você já não está mais se surpreendendo, está rindo da repetição frequente de uma formulinha pra lá de batida.
Mas vale assistir? Até vale, mas tenha duas coisas em mentes: não vai mudar sua vida e não é um filme de ação. Não é melhor do que os clássicos de Luc Besson ou do que os filmes que ele escreveu, mas não dirigiu. No entanto, é certamente melhor do que seus mais recentes lançamentos.