Como Fazer Um Filme de Amor – José Roberto Torero

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Numa entrevista bastante tranqüila num hotel em São Paulo, o diretor José Roberto Torero falou de sua estréia em longas-metragens e da emoção de trabalhar com sua atriz preferida, Denise Fraga, além de alguns projetos futuros e, é claro, cinema.

Você, como diretor, recebeu alguma influência de algum cineasta que você admira?
José: Ah sim, de vários. Woody Allen gosto muito. Do Etole Scola eu gosto bastante. Ingmar Bergman também.

Tem muito do Mel Brooks aí também, né?
José: Ele fez bastante paródia, né. É, eu tenho um pouco. Mas o jeito de filmar, é mais (pensativo)… lá tem bastante plano seqüência narrativo, que não é um plano seqüência virtuoso. Sabe, o primeiro plano de A Marca da Maldade (de Orson Welles), tem a câmera no alto, sabe, não sei se vocês viram, mas a cena começa em Paris e termina em Londres, com explosão, é um negócio sensacional. É esse tipo de plano seqüência narrativo, tipo (os filmes de) Woody Allen. Tudo bem que é um plano seqüência, mas fica bem na tela. O (Ingmar) Bergman também faz muito isso.

E humor também né? Monthy Python, por exemplo…
José: Sim, tem humor nesses filmes (risos). Não lembro o jeito exatamente o jeito de filmar, mas é mais ou menos isso. Mas o humor acho excelente, muito bom.

Falando em como foi o processo (de fazer o filme), você viu muitas comédias românticas pra verificar se realmente a fórmula iria se repetir. Antes disso, você era um “consumidor” de comédias românticas? Como espectador mesmo…
José: Olha…de comédia romântica nem tanto, na verdade ele (o filme) é mais uma comédia que uma comédia romântica. É uma comédia sobre comédia romântica (risos). Não deixa de ser uma comédia romântica, de certa forma… Eu acho que quem for desavisado pro cinema ou mais desligado vai achar que é uma comédia romântica. Isso é bacana. Tem uma cena aqui, outra ali, tem uma vilã, tem sempre os maus que acabam punidos no final, o espectador “normal” vai achar que é uma comédia romântica, o outro mais “esperto” vai ver que é uma crítica que revela a estrutura de uma comédia romântica e tal, vai se divertir mais.

As pessoas quando vão assistir a uma comédia romântica procuram se identificar com alguém no filme, com algum personagem. Ao mesmo tempo, você procurou tirar proveito desses clichês e jargões típicos desses filmes como uma forma de crítica. Como você fez pra equilibrar essas duas coisas?
José: Bom, tem a Denise, uma atriz que já é bem conhecida e que vive uma personagem de classe média-baixa e que tem uma mãe cega e simpática. É um golpe baixo, né? (risos)

(cortando) Você brinca com a cegueira dela o filme inteiro.
José: (risos) Pois é…Então, o cinema vai disso, em mulheres. Aquele número que aparece no filme, 54% do público, é real. 54% do público que vai pro cinema é feminino. E os homens que vão, desconfio, os outros 46% são carregados (risos)…A mulher é quem comanda…

Esses dados são do cinema em geral ou outros filmes de comédias românticas?
José: Não, são do cinema em geral. Comédia romântica, então, é pior (risos). Tem essa diferença.

E você fala dessa incapacidade de imitação do filme?
José: Então, tem essa questão do conflito amoroso, esse lance de conflito amoroso não tem jeito, eu caio. Você bota lá (na tela) e fica torcendo, se vai acabar junto, mesmo sabendo, inconscientemente. Você sabe que eles vão acabar juntos, mas você torce, não tem jeito. Olha, Retrato Falado (quadro do Fantástico em que o diretor é o roteirista e Denise Fraga é a protagonista) que eu faço de monte e eu sei que funciona, é um golpe que sempre dá certo. Então tem isso, naturalmente tem essa fase que desperta o espectador de ver o filme e a outra coisa é que gera identificação, curiosidade, humor e surpresa, que laça o espectador, né? Se eu colocar algumas surpresas, de vez em quando, acorda o pessoal, funciona.

Você falou do Retrato Falado… o jeito de fazer, a (atuação) Denise, a construção estética. Você trouxe muita experiência desse quadro (para o cinema)?
José: A construção estética não, porque é diferente (cinema e TV). Eu pedi uma coisa ultra-romântica pro meu diretor de arte. Muito colorido, meio (Pedro) Almodóvar, sabe? E eles fizeram mesmo. (risos) Quando eu vi a parede verde da casinha dela e tal, ficou muito bom, acabei me acostumando com a idéia. O quarto lilás, com listrinha. É muito mais “doce” do que o Retrato Falado. Tem até um humor cheio dessas coisas. E tem os detalhes, o da Santa Luzia (a santa dos cegos), quadro do olho, tem várias piadinhas, roupinha com bolinha branca no final. O filme foi realizado em 2002, foi de 11/11 a 12/12 de 2002, bem antes do Fazendo História (outro quadro para TV). Mas acho que o que ajudou mesmo foi o verbo. Sabe, o cinema brasileiro tem disso. Aquele tipo de expressão, de verbo, que não se encaixa, tipo “ei, pare com isso, não está correto o que você está fazendo comigo?” (risos) De tanto fazer isso, já sei como é a Denise. Isso ajudou bastante.

E em quantas salas?
José: Eu acho que estréia em 27 salas, em seis cidades, mas não nos chamados multiplex, que estréia em todos os lugares ao mesmo tempo. Então vai ser São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Recife e Santos.

Só completando, São Paulo tá estreando a Mostra (maior evento cinematográfico do ano na cidade). Houve algum erro de planejamento ou um acaso, porque a estréia do filme vem junto com a Mostra?
José: É, não teve jeito. Se sai da (época da) Mostra, tem algum filme gigante, com 300 cópias. O que salvou um pouco foi que a gente vai estrear no meio da Mostra (o evento vai de 22/10 a 4/11), não no começo. Vai entrar no dia 29 (de outubro). Mas não se divide tanto o público, acho que tá no meio do popular com o erudito, o sofisticado, o filme “cabeça”.

Você pensa em fazer um filme diferente, talvez de brincar com o humor, de reconstruir algumas regras, algum clásico.
José: É verdade…a gente não consegue imitar o que o cinema americano faz. A gente não consegue imitar, fazer igual, tem que ser diferente, do nosso modo. A gente não consegue fazer um faroeste, sabe?

(interrompendo) O cinema argentino agora faz.
José: É, eles conseguem fazer algo mais próximo, mais tradicional. A gente não consegue imitar. O Cidade de Deus mesmo é diferente. A pornochanchada, por exemplo, não é erótico, é um filme diferente. Teve um filme chamado “O Bacalhau” que fez muito sucesso lá em Santos e era uma paródia do filme Tubarão (risos). E era muito engraçado, a gente vê com um certo distanciamento. É feito do nosso modo, eu gosto disso, eu acho bom.

E como foi o critério para a escolha do elenco? A Denise, o Cássio, a Marisa…
José: Tinha que ser bom. em diretor que gosta de caçar atores totalmente desconhecidos, como o Beto Brant (de O Invasor e Os Matadores), Roberto Moreiro. Mas eu me sinto inseguro (com isso). Por exemplo, a Denise eu sei quem é, como é, escrevi o filme pensando nela, feito pra ela, nas férias dela. Então eu fiz o filme pensando na minha primeira estrela. Se fosse, por exemplo, a Mariana Ximenez, a vilã e o mocinho teriam que ser mais novos. A primeira então foi a Denise. Eu fiz uma pesquisa entre as moças e o Cássio (Gabus Mendes) teve uma boa aceitação, é um cara bacana, bem humorado. Como era um filme de pouco orçamento, tinha que ser uma turma a fim, sabe, do tipo “vamos azer o filme” (risos). Não tinha como ser um Clark Gable (astro do clássico E O Vento Levou).

Você já tinha trabalhado com todos?
José: Bom, o Cássio já tinha feito Retrato Falado com a Denise, o Paulo José já várias vezes, o André Abujamra não sei, acho que não. No caso do Paulo José, eu pensei nele desde o começo, já tinha trabalhado com ele em curtas, e pensei nele como o narrador (do filme). O cara é sensacional, dá idéias boas, é inteligente, entende todas as piadas e inventa outras novas. A Marisa (Orth) e o André eu escolhi meio que ao mesmo tempo. Eu fui pra (Festival de) Gramado, em 2002, e jantei com eles, até então não tinha escolhido ninguém. E eles fizeram tantas piadas malvadas, assim, durante o jantar, alfinetadas, que… puxa vida, são os vilões, são muito malvados, muito bom, pensei! É um pretenso humor, ácido, no dia não falei nada, daí quando a gente voltou, falei com a produtora, ela achou uma boa idéia e eu fui, falei e eles toparam. Deu peso, melhorou muito.

No material de divulgação do filme, no seu novo trabalho, você coloca que há humor, metalinguagem e Paulo José. Como vocês fizeram uma vide bula, seriam esses os ingredientes do filme? Essa seria a fórmula do Torero?
José: Paulo José nem sempre, infelizmente (risos)…metalinguagem também não. Humor quase sempre, em graus diferentes. Na Folha (de São Paulo, onde Torero escreve), há humor, principalmente em dias que estou de mau-humor. (risos) Metalinguagem é mais no sentido de quebra de fantasia, acho mais inteligente. É igual quando você lê um livro, um romance ou vê um filme e você entra na história. Acho mais inteligente quando você quebra isso. Você vê o filme o tempo todo sabendo que tá “vendo” o filme, não vive o filme, Bretch, Machado de Assis, Stern, essa turma que eu gosto. Isso gera reflexão, o cara pensa mais, acho isso bom. Tem uma coisa de honestidade, tentar apelar mais pra razão que pela emoção e tal, e permite mais jogos. Se você tá preso a fantasias, você não pode fazer algumas coisas, você tem que respeitar aquela situação. Agora se tem um narrador ali, sempre presente, você pode brecar e voltar, sabe. Numa comédia romântica, se você faz isso com a Meg Ryan e o Tom Hanks, o público vai ficar irado, não vai gostar do filme.

E você chegou a tentar alguma parceria com a Globo Filmes?
José: Eu tenho, mas é uma parceria “B”, que te dá um desconto em comerciais, paga menos em comerciais, na prática é isso, e tem os anúncios na TV. Tem a coisa do preço. Se vai mal, entendeu. Como eu tô lá, eu consegui.
Bom, Torero, você é um cara multimídia, já escreveu em revista, na Placar, em jornal, já fez sete curtas…
José: Seis.

…seis curtas, faz roteiros e essa foi sua estréia em longas-metragens. Dessa mistura toda, qual foi a principal diferença entre eles? Isso aqui eu gosto mais de fazer e tal. Você se sente mais diretor, jornalista, roteirista, o quê?
José: Olha, acho que todo mundo é multimídia. Todo mundo lê, vê filme, não é uma coisa especial. E desde sempre, desde o século passado. O Machado (de Assis) escrevia em livro, fazia peças. Shakespeare, por exemplo, escrevia poesia, se tivesse televisão, provavelmente ele também faria, é comum. No fundo, é tudo contar historinha, não é uma coisa tão absurda. Mas são técnicas diferentes. Fazer roteiro é uma coisa que talvez esteja mais ou menos próximo de fazer um livro. Acho que tem isso de igual, é contar história. Mas dirigir já é bem diferente. A técnica é que é direrente.

E também fazer um curta ou longa também requer um preparo diferente, edição, tempo, equipe, escolha de locações, roteiro…
José: É, meio tudo é um bolo, é uma cozinha, tá tudo ali.

E você pensa no futuro continuar fazendo longas?
José: Não sei (pensativo)…tem um que eu gostaria de fazer, que é Como Fazer Um Filme de Aventura, porque um filme de herói tem uma fórmula fixa, talvez até mais fixa e mais conhecida do que um filme romântico (risos). Talvez fosse divertido de fazer. E tem idéia de fazer o Terra Papagaio, que é um livro meu, do descobrimento do Brasil, mas aí é um filme caro, o roteiro tá feito, no mesmo concurso do Cidade de Deus. Eu e o Bráulio (roteirista), a gente fez curso e tal, mas aí é um filme caro.

Tá em fase de captação?
José: Tá.

Tá orçado em quanto?
José: É um filme caro, tá orçado em 4 milhões. Eu só consegui fazer porque tem concurso. Os curtas que eu fiz, em 94, 95, já seria época de eu passar pro longa, mas como não tinha concurso público na época, não deu, só agora eu consegui. Agora, que tem as leis Rouanet, audiovisual, por captação e tal, você tem que ter contato, não importa se o seu roteiro é bom.

Você trabalhou tantos anos na Globo e na Folha, não te abriram portas pra conseguir esses contatos?
José: Nada. É muito melhor você ser primo do diretor de marketing. (risos)

Você colocou que o seu filme está entre o popular e o erudito. Você tá revelando os clichês e tal. O erudito tá procurando reflexão e o popular tá procurando empatia, sabe que vai encontrar esses clichês. Como é que fica?
José: A idéia é exatamente essa, a de satisfazer os dois públicos. O cara que vai atrás dos clichês e ganha um bônus e o outro que procura uma reflexão e recebe a repetição, umas piadinhas diferentes.

Você falou do lance de ser o primo do diretor de marketing. Isso vale também pra literatura?
José: É menos, bem menos. O concurso, da USP, que ajudou, eu mesmo fiz uma carta de apresentação, “eu de mim”, mandei e aí deu certo. Foi pra fazer um filme, dá uma credibilidade. Os concursos é que dão uma ajuda. É o meu caminho.

Você falou que o filme começou 11/11 e terminou 12/12.
José: E a produção começou 9/9 (risos).

Tem alguma numerologia nisso? Assim como no futebol, você tem suas manias?
José: (risos) Isso começou com uma piadinha. Porque a gente ganhou o concurso no dia 9/9 (risos). Daí começa a produção, comecinho de setembro, aí falei assim “vamos começar 9/9”, caiu numa segunda, né…ah, tá bom, 9/9…e aí, deu certo, a piada acabou dizendo a verdade. O filme na verdade tinha terminado 11/12, mas ainda faltava aquela cena do hospital, aquele rabicho, então a gente terminou mesmo 12/12.

Você tá com quantos anos?
José: 41.

Pra acabar, a Denise vai estar sempre com você, vai ser uma parceira, assim como o Pedro Almodóvar, em que há um ótimo relacionamento com algumas de suas atrizes, como a Victoria Abril e a Carmen Maura?
José: Acho que sim, ela trabalha bem, é uma boa atriz, se for um papel pra ela, com a cara dela, sem problemas.

Digitação e introdução por Gerson Shiroma. Fotos e Revisão por Carlos Eduardo Corrales. Não perca amanhã a entrevista com Denise Fraga e Cássio Gabus Mendes e na quinta, a resenha do filme.