Se tem uma coisa que amo é quando algo que vou analisar me surpreende positivamente. Se tem uma coisa que odeio é quando fico dividido. Algumas coisas têm aspectos que me agradam muito, mas também características que tornam difícil recomendá-las. Como você verá na análise UnMetal, este é o caso do jogo de hoje.

ANÁLISE UNMETAL

UnMetal é o novo jogo da Unepic Fran, a desenvolvedora de Ghost 1.0. E embora seja de um gênero totalmente diferente, traz muitas das características do anterior. Em especial, ele é MUITO bem escrito e extremamente engraçado. E é também EXTREMAMENTE difícil e punitivo, mesmo que você jogue no easy. Vamos elaborar, começando pelo gênero.

Assim como Rustler, que é orgulhosamente inspirado pelos GTA antigos, UnMetal também homenageia a versão antiga de uma clássica série. Veja se consegue descobrir qual pela imagem.

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Pensou em Metal Gear? Boa, moleque!

UnMetal é um jogo de stealth com câmera vista de cima e uma infinidade de itens. Cada tela é praticamente um puzzle autocontido. Você precisa pensar em como avançar através do uso do seu inventário e da furtividade. E o início do jogo demonstra quão legal essa fórmula pode ser.

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Assim como Ghost 1.0UnMetal tem muita história. Mas ele é muito mais engraçado. Muito engraçado mesmo. Acredito que não gargalhava tanto em um game desde que joguei Portal 2 pela primeira vez. O roteiro e as piadas já são fantásticos por si só, mas em um enorme acerto de investimento (que também foi feito em Ghost 1.0), contrataram excelentes atores, e todas as cutscenes são totalmente faladas. Elas são até animadas, algo difícil de vermos em jogos 2D pixelados. Aliás, dá para dizer sem exagero que são as cutscenes em 2D pixelado mais elaboradas que já vi.

A história está para Metal Gear como Corra que a Polícia Vem Aí está para filmes policiais clássicos. Ou seja, é uma paródia, mas não segue a linha de simplesmente cuspir referências como um Todo Mundo em Pânico. Assim, consegue se sustentar, sendo divertido e engraçado mesmo para quem não tenha repertório direto dos clichês do homenageado. E o humor também é mais ou menos nessa linha.

Jesse Fox, o herói de UnMetal, parece ter sido pensado como uma mistura da personalidade do Frank Drebin, de Leslie Nielsen, com a voz do Solid Snake. E funciona que é uma maravilha. Além disso, UnMetal lança mão do recurso do narrador não confiável. Eu simplesmente amo esse tipo de narrativa e o único jogo que tenho conhecimento de tê-la usado antes foi o excelentíssimo Call of Juarez Gunslinger.

A NARRATIVA DE UNMETAL

UnMetal mostra Jesse Fox sendo preso por um crime que não cometeu. Daí ele precisa escapar da prisão e acaba descobrindo uma conspiração que pode acabar com boa parte da vida na Terra. O que deixa tudo tão especial é que o jogo rola em flashback, enquanto Jesse conta sua história para um interrogador.

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Eu fui preso por um crime que não cometi.

E Jesse faz questão de mostrar como ele é machão e pintudo o tempo todo. Então ele claramente mente pra caramba, além de aumentar seu relato enquanto as coisas acontecem. Por exemplo, enquanto conta sua batalha contra um monstro do esgoto, um dos entrevistadores pergunta se ele tinha tentáculos. “Sabe, agora que você perguntou…”. E a seguir você pode escolher quantos tentáculos o bicho tem, o que determina a dificuldade da luta.

Jesse Fox é simplesmente um personagem muito legal. Suas mentiras e exageros arrancam gargalhadas frequentes, e ficam ainda mais engraçados pela interpretação do ator e sua voz de machão rouco. Só é uma pena que, depois das primeiras fases, jogar UnMetal se torna um suplício.

DISSONÂNCIA LUDONARRATIVA

Um bom jogo com foco na história permite que o gameplay aumente a história, envolvendo muito mais o jogador do que um filme ou um livro. É por isso, por exemplo, que nenhuma outra mídia consegue fazer o terror ser tão assustador quanto um videogame.

UnMetal tem na sua história e no seu roteiro extremamente engraçado sua principal força. E o gameplay também começa bem. Porém, ele logo fica difícil demais. Punitivo demais. E principalmente, apela para um gamedesign muito, muito ruim. E o humor, assim como o terror, perde eficiência quando você é obrigado a repetir a mesma cena muitas vezes.

O bicho começa a pegar na fase da floresta. Lá, você precisa encontrar um detector de metal para passar por um campo minado. Até aí beleza. Porém, quando chega a hora de passar, o detector de metal só encontra minas a um ou dois pixels de distância. O que significa que você precisa ir se movendo por toquinhos na alavanca. E é difícil fazer o personagem andar tão pouco de cada vez. Fatalmente, você vai pisar em minas que estavam próximas demais de você, mas longes demais para o detector detectar.

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Você sabe que há problemas graves quando a fase do esgoto é uma das mais legais do jogo.

Isso se repete mesmo em cenas mais tradicionais, em que você precisa se esconder das câmeras e guardas. UnMetal exige uma precisão de timing e movimento enorme. E há muitos momentos de falha instantânea, em que simplesmente entrar no campo de visão de uma câmera, por exemplo, exige restaurar o save. E olha que estranho. Apesar de UnMetal ser um jogo totalmente livre de telas de carregamento, quando você falha, precisa esperar a música INTEIRA do Game Over terminar de tocar antes de poder tentar de novo. Ela dura uns 15 segundos, mas considerando que este é um jogo em que você falha várias vezes por minuto, enche o saco. Por que não posso restaurar o save imediatamente?

QUANDO A DIVERSÃO VAI EMBORA

Ele também tem várias decisões questionáveis, que se tornam cada vez mais irritantes conforme o jogo se torna mais difícil. Duas, em especial, se destacam. Bora de itens numerados? Vamos lá!

1 – Ao se machucar você começa a sangrar, o que significa que sua vida não para de diminuir até aplicar curativo. Os curativos são infinitos, mas aplicá-los exige segurar um botão e ficar imóvel durante uns 10 segundos.

2 – Se você atirar em um inimigo, ele vai começar a sangrar. Nesse caso, você tem alguns segundos para usar um de seus medkits (a única forma de restaurar vida durante boa parte da campanha) e salvar sua vida. Se o timer acabar, o guarda morre, e você falha.

Essas duas mecânicas, pentelhas individualmente, se tornam extremamente irritantes quando combinadas. Muitas vezes a saída é protegida por dois ou mais guardas, e não é possível passar por eles via stealth. O único jeito de desabilitar um guarda imediatamente é atirando nele. E daí ele começa a sangrar.

Então você mostra sua cara, dá um tiro em cada um e leva um também. Todo mundo começa a sangrar. Daí você tem alguns segundos para aplicar um medkit em cada guarda e os curativos em si mesmo. Se qualquer um desses timings se esgotar, volta pro save. Sério, quem pensou que essas mecânicas seriam divertidas?

AS MALDITAS CATACUMBAS

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Apesar de ter problemas com o gamedesign, a história era tão legal e o humor tão afiado que eu queria continuar jogando. Eu já não estava mais me divertindo com o gameplay, e suportava apenas para curtir a história. E daí, perto do final, cheguei nas catacumbas. É um labirinto tão mal pensado e planejado que é literalmente difícil de acreditar que esse bagulho foi colocado em um jogo lançado comercialmente.

Antes de entrar na catacumba, você recebe um mapa, com direções cardeais. Lá, o jogo avisa que o mapa não diz a saída de cada tela, mas apenas das telas com bifurcações. Só que, sei lá se isso é um bug ou intencional, ou se eu não entendi algo, mas as direções não correspondem com as bifurcações. Quando você segue um caminho errado, o chão desmonta e você morre. Isso já é chato. Fica ainda mais irritante quando você segue a direção à risca, o chão desmonta e você tem que fazer todo o caminho de novo.

Para adicionar insulto à injúria, para sair das catacumbas, você precisa encostar numa parede específica. Não é uma porta normal de saída. Você precisa se aproximar de uma parede genérica, e daí o Jesse vai comentar que tinha algo estranho naquela parede, e a missão termina. É de uma babaquice tão grande quanto aquela fase de Castlevania II em que você precisa abaixar em um local específico para poder passar de fase. Porém, não estamos mais em 1987. Em 2021, esse tipo de coisa é literalmente desrespeito com o cliente.

ANÁLISE UNMETAL E O CORRALES DIVIDIDO

Deu para sacar por que eu fiquei tão dividido? UnMetal foi um jogo que me fez gargalhar como pouquíssimos outros. É literalmente um dos games mais engraçados que já joguei. Porém, depois das três primeiras fases, eu não mais me divertia com o gameplay. Ao perder mais de uma hora nas catacumbas, eu fiquei com tanta raiva que ficou simplesmente difícil de recomendar. Eu simplesmente não me sentiria bem em influenciar você a dedicar horas da sua vida jogando isso aqui.

Normalmente eu não entendo o apelo de ver outras pessoas jogando games na internet. Porém, UnMetal é um dos casos em que talvez isso seja recomendado. Aproveite o humor afiado, e deixe outra pessoa sofrer com o gameplay extremamente mal planejado. E é uma pena, porque, como falei no início do texto, as primeiras três fases, quando o jogo não exige tanta perfeição e não é tão punitivo, são muito legais.