A evolução de Transcendence – A Revolução

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Transcendence era um filme que prometia muito. Possuindo um elenco ótimo e uma distopia tão legalzuda, o filme deveria ter sido sensacional. Porém, o que se viu foi uma chuva de críticas negativas e de notas baixas em todas as resenhas internet afora – incluindo aqui, é claro, na resenha delfiana.

Eu, que à época estava tão animado para o filme, fiquei com o coração partido quando vi a quantidade mixuruca de Alfredos que o nosso Ditador Supremo deu, e tinha quase certeza de que não veria o filme nas telonas. Porém, por um acaso do destino – e pela qualidade dos filmes nas nossas salas de cinema – acabei assistindo à película e pude ver o Capitão Jack Sparrow se tornar o verdadeiro Big Brother. E posso dizer com todas as palavras que não me arrependo.

Todas as críticas que eu li falavam de como o filme era subaproveitado. Os atores não entregavam ótimas performances, a história focava muito no romance, blá, blá, blá… Elas não estavam erradas, mas não vejo isto como sendo tão importante. Digo isso porque, tirando esses deslizes, o filme ainda deixa uma mensagem extremamente interessante. Transcendence mostra uma visão da cadeia evolutiva que não se vê muito por aí – principalmente em Holywood, a capital dos filmes pasteurizados.

Para o delfonauta ali do fundo que não viu Transcendence e pretende ver, eu sugiro parar por aqui, pois vou dar alguns spoilers no parágrafo seguinte e sei como pode ser doloroso recebê-los. Ao mesmo tempo, a minha sugestão para aquele delfonauta que não pretendia assistir ao filme é ler a matéria até o fim. Afinal, quem sabe mostrar a história não faz você se animar a vê-lo?

JOHNNY DEPP SEM DREADS E SEM RUM

Recapitulando a sinopse, a história do filme gira em torno de Will Caster, o personagem interpretado por Joãozinho Profunddo. Depois de um atentado, ele está à beira da morte e sua mulher, Evelyn, decide fazer o upload da consciência dele para um computador. A partir daí, a história segue pelo viés de questionamentos sobre a verdadeira natureza daquela inteligência. Seria mesmo o Dr. Caster ou seria um vírus?

Porém, como disse o Corrales na resenha, “são raros os momentos em que ele realmente parece mau, o que deixa difícil engolir o fato de todo mundo acabar ficando contra ele”. Porém, não creio que o que deixou todos contra o Dr. Caster foi de fato sua maldade, e já vou explicar o porquê.

Caster estava construindo um gigantesco complexo tecnológico, e em determinado ponto da história um operário é atacado e quase morto. Então, se utilizando de invenções que surgiram nesse complexo comandado por ele, Caster não só cura o operário como também melhora seus atributos físicos e de quebra implanta uma parte sua no cérebro do operário, passando a ter a mente deste sob seu controle. Ao longo da história, vemos Caster fazendo este mesmo procedimento em outras pessoas e sempre implantando uma parte sua nelas, culminando no ápice do filme, onde ele passa a proliferar sua inteligência artificial pelo ar e pela água. E isto, delfonauta, é evolução.

IT’S EVOLUTION, BABY

Pensar em evolução é engraçado. O que vem à mente de primeira é aquela escalada do macaco virando homem e o cientista Charles Darwin e sua barba de integrante do ZZ Top, mas não é bem disso que eu estou falando. Imagine o corpo humano: ele é composto por células e por algumas bactérias que vivem em certas partes do corpo, e tudo isso trabalha em conjunto para que o seu corpo funcione perfeitamente, formando uma coisa só. Agora, imagine algo muito maior, dessa vez composto por seres humanos. Ficou mais interessante, não?

Sim, delfonauta, estou falando da sociedade. É assim que cidades, estados e países são: fluxos de pessoas, produtos, informações, trabalhando de uma maneira conjunta (ainda que não proposital) e fazendo o sistema funcionar. É verdade que sociedades existem em diversos grupos animais: as abelhas fazem isso, os gnus fazem isso, os macacos fazem isso – e inclusive conseguiram conquistar um planeta inteiro assim -, mas a questão que eu estou levantando é a seguinte: qual a diferença entre uma colônia de bactérias unicelulares e um animal pluricelular, como o ser humano?

No corpo de um homem ou de um gnu, as células possuem um estágio de trabalho em conjunto tão alto que passaram a não ser mais unidades, mas sim a comporem algo que depois se torna uma unidade. E é exatamente este o caminho da evolução que Transcendence mostra: um estágio de funcionamento coletivo tão avançado que as unidades que compõem este sistema não são mais importantes como tais. As células não importam, o que importa é o corpo.

E este parece ser mesmo o caminho da evolução. Basta ver as células do corpo, que também não são unidades puras, mas sim um complexo sistema que envolve organelas distintas trabalhando juntas. Organelas que compõem células, células que compõem seres maiores, e por sua vez estes indo em direção ao surgimento de um novo ser – uma especialização contínua, mas com uma tendência natural à união.

O ser humano domina a Terra não só porque venceu a seleção natural – vide os avanços da Medicina – mas sim porque somos os únicos animais a desenvolver inteligência o bastante para criar um sistema tão complexo e com tanta capacidade de prosseguir com essa evolução. O que eu quero dizer é que somos os únicos animais inteligentes o bastante para trabalhar em conjunto de forma a construir um novo ser. Já imaginou isso, delfonauta? O motivo para você estar aqui, vivo e acessando o DELFOS, é porque a sua espécie é a única que pode produzir um novo ser.

É difícil ver isso pois os “seres” construídos até agora não são tão materiais como esperamos que sejam. “Mas que seres seriam estes?”, pergunta o delfonauta ali do fim da sala. Simples, meu amigo. Microsoft, Sony, Nintendo, Alemanha, Brasil – as instituições em geral. Estas instituições são, de certa forma, novos seres, que possuem seus próprios sistemas, sua própria maneira de atuação. Onde a unidade de cada um que o compõe não importa, mas sim a própria instituição. Você pode trabalhar na Sony e odiar o PS4. Isso não importa porque detalhes individuais não contam para ela – o seu papel enquanto parte da Sony é fazer o que ela espera de você.

A EVOLUÇÃO TRANSCENDENCE

O problema dos “seres” de agora é que eles não possuem uma cabeça própria. Apesar dos seus códigos de conduta, de suas leis, o que manda em uma empresa ou país são as cabeças que estão no comando – e justamente por isso estas muitas instituições não se entendem. Porém, e se existisse um único cérebro que ligasse todas as unidades que compõem este ser? E se não existisse mais a individualidade de cada um, e todos se focassem em trabalhar exatamente de acordo com o que este novo ser pensa? Trocando em miúdos, e se a sua vida fosse direcionada de forma a permitir que este outro ser viva?

Exatamente, delfonauta: Dr. Will Caster. O cérebro que faltava. O cérebro que uniria os seres humanos e os faria atingir o ápice do trabalho em conjunto, dando vida a um novo ser. E é por isso que Transcendence é tão legal: porque o filme mostra isso. Ele mostra seres humanos não trabalhando juntos e pensando cada um em si, mas sim trabalhando como se todos formassem um corpo só.

A partir daí é fácil entender por que todos se uniram contra o Willy Wonka. Você aceitaria perder a sua individualidade arbitrariamente? Deixar de ser um ser único para ser apenas um componente? Travestir de “ditadura tecnológica” a evolução estabelecida por Caster não é tão difícil. Dizer que ele fez lavagem cerebral nos operários implantados é fácil – mas será que o que ele fez não foi mostrar para eles que estavam dando vida à evolução?

CAN YOU PROVE YOU’RE SELF AWARE?

O problema de Transcendence, para mim, foi focar em tudo o que tinha direito e não desenvolver esta parte mais inteligente da maneira apropriada. O filme talvez tivesse se saído muito melhor nas críticas se o foco fosse dado apenas a essa parte de evolução, dando detalhes e aprofundando esse pensamento.

Ao mesmo tempo, isto não quer dizer que o filme não mostre esta parte. O filme pode não dar destaque o bastante, mas isso não quer dizer que ela não apareça. Ela não só aparece na película como promove algumas cenas muito bonitas, e apesar de não expor os elementos de forma nítida e aprofundada, eles estão lá. Da mesma forma, outro grande problema do filme é dar muito mais foco ao pensamento dos humanos normais do que tentar mostrar o ponto de vista do Dr. Caster. Quem sabe mostrando suas motivações não veríamos que ele estava certo?

Mas, apesar dos pesares, Transcendence foi um bom filme. Foi um bom filme por mostrar a evolução tal qual ela será, mostrar qual é o caminho a ser seguido. Indo mais além, o filme mostra que estamos dando passos largos em direção a mais um degrau da cadeia evolutiva. A raça humana inteira trabalhando como um único ser, afinal, pode não ser um sonho tão distante assim.