A E3 2013 e a queda do Xbox One

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Nos dias 11, 12 e 13 de junho, o mundo nerd voltou seus olhos para Los Angeles, onde rolou a décima-nona edição da Eletronic Entertainment Expo, ou E3 2013, para os íntimos, a maior feira de games do mundo.

Este ano, tivemos dois consoles ainda não lançados no mercado, que embora tivessem sido anunciados antes, seria na E3 que eles mostrariam do que realmente são capazes. Mas, além da demonstração dos dois novos soldados que se digladiarão pela próxima década, o que tivemos foi um dos mais impressionantes atos de superação e viradas de jogo da história. Parecia até mesmo um livro de George R. R. Martin.

Digo com certeza que esta foi a E3 mais surpreendente a que eu já assisti. Quiçá seja até mesmo a mais surpreendente de todas. Mas o que aconteceu de tão grandioso assim e como isto causou a ruína da Microsoft? É isto que vou abordar logo abaixo, amigo delfonauta.

A COLETIVA DA MICROSOFT

Eu já te contei toda a minha decepção com o Xbox One e seu enfoque desnecessário em games casuais, que arrisca matar a indústria. Isso sem contar as várias políticas polêmicas que a empresa revelou na semana anterior ao evento, como criar condições estúpidas para a troca de games.

Porém, sou obrigado a admitir que a coletiva de imprensa da Microsoft foi deveras impressionante. O Bill Gates não dormiu no ponto e, junto de seu novo console, veio toda uma safra de novas franquias, a maioria delas exclusiva, muito bem feitas e com jogabilidade tradicional, do jeito que a gente gosta.

Foi provado que o Xbox One não é só televisão e jogos de esporte ou para o novo Kinect. O videogame tem potencial, sim, para ser um console pintudo como um legionário romano.

E o pessoal aparentemente havia gostado disso. Durante toda a tarde, tanto a crítica quanto o público tinham postados vários elogios à coletiva da Microsoft e uma boa parte dos nerds já começou a juntar moedas no cofrinho para comprar um Xbox One.

A COLETIVA DA SONY

Se a Microsoft inovou ao trazer novas e velhas franquias para o seu novo console, a Sony optou pelo caminho oposto e bem mais seguro.

A line up de games do PS4 consistia, basicamente, em continuações de séries já consagradas e games multiplataforma com conteúdo exclusivo. A companhia japonesa ganhou uns pontos por mostrar mais suporte ao PlayStation 3 do que a Microsft em relação ao Xbox 360 e por abraçar a causa indie, mas isto não foi muito. O maior destaque da noite acabou sendo mesmo a revelação do design do PS4 que é esquisito pra burro.

Para você ter uma ideia, delfonauta, eu e o Corrales estávamos conversando aqui no plantão da redação e ele me disse que, na opinião dele, a coletiva da Microsoft foi muito melhor que a da Sony e que, antes, ele estava certo que iria comprar um PS4, mas agora estava seriamente inclinado a mudar de opinião.

Isto ocorreu, é claro, antes do golpe final.

“I AM THE GOD OF WAR!”

Como eu já havia contado, os últimos minutos da coletiva de imprensa da Sony foram constituídos simplesmente de ataques à Microsoft. Aliás, se você não viu, aperte o play aí embaixo e veja uma dos momentos mais “ouch” da história do mundo. E se você já viu, assista de novo, porque realmente vale a pena.

Eu me senti como se estivesse assistindo àquele clássico episódio dos Cavaleiros do Zodíaco, onde o cavaleiro de escorpião enche o Hyoga de agulhadas.

Isto foi simplesmente sensacional. A Sony conseguiu não só derrotar a fabricante do Windows, mas expô-la ao mais completo ridículo. Todas as polêmicas do Xbox One cujas pessoas, aparentemente, estavam cogitando em relevar, vieram com tudo à mente do público, que pensou “ei, por que eu vou fazer papel de idiota se aqui tem tudo que eu quero”? A empresa japonesa basicamente assinou um certificado de idiota e esfregou bem na cara da Microsoft, na frente de todo mundo, saindo como a grande heroína da história.

“Mas afinal, tudo hoje em dia não é online? Então por que todo esse alvoroço?”, pode indagar o delfonauta mais questionador. E é exatamente isto que eu vou abordar, mas não neste parágrafo.

A QUEDA DO XBOX ONE, CAPÍTULO I: O PODER DA ESCOLHA

Hoje em dia, tudo o que está relacionado ao entretenimento está conectado à internet: computadores, celulares, televisões, tablets e, claro, videogames. Aliás, quase tudo hoje em dia permite acesso à internet. Absolutamente todos os meus amigos possuem uma rede wi-fi em casa, por exemplo.

Lembro-me de ter lido um artigo que dizia que, daqui a uns seis anos, você não vai se preocupar se aquela pizzaria maneira tem acesso à internet. Da mesma forma que hoje em dia você sequer pensa se se lá possui energia elétrica ou saneamento básico. Estas coisas são simplesmente essenciais para a nossa vida hoje em dia e, num futuro próximo, a internet também será.

Em minha humilde choupana mesmo, o roteador fica ligado 24 horas por dia, e sempre que ligo meu desktop (notebooks são desconfortáveis), ele se conecta automaticamente à rede. Mesmo que eu não vá usar a internet naquele momento, ele está conectado. A vida de todo mundo hoje está online, e eu duvido que isso mude nos próximos mil anos. A menos, é claro, que aconteça o Ragnarök ou o apocalipse zumbi.

Porém, uma coisa é você fazer isso quase inconscientemente, outra é alguém te obrigar a fazer isso todo santo dia, caso você não queira que o seu novo brinquedinho de mais de dois mil cento e noventa e nove reais (que será o preço de lançamento do Xbox One por aqui) seja reduzido a um mero blu-ray player pelas próximas 24 horas. Isto é eliminar a escolha do consumidor. É impor a ele algo que ele não tenha o direito de negar. E quando se coloca seres humanos nesta situação, quando existe claramente uma alternativa sem opressão, nós nos revoltamos. E é óbvio que a Sony viu isto e seguiu a lógica mais simples de todas para colocar o Xbox One em cheque. E vamos combinar que as declarações da Microsoft não ajudaram muito.

A QUEDA DO XBOX ONE, CAPÍTULO II: A AMIZADE É MÁGICA

Outro ponto que afundou de vez a Microsoft foi a estúpida ideia de restringir o comércio de games de segunda mão.

Desde que o mundo é mundo, as pessoas fazem trocas entre si. E no mercado de videogames, isto é especialmente fundamental. Todos os meses, são lançados dezenas de jogos no mercado. E mesmo as pessoas podres de ricas, como o Tio Patinhas, não têm tempo de rastrear cada maldito lançamento do mercado. Então, como saber o que é bom ou não?

Claro, antes tínhamos revistas especializadas e hoje temos a seção de games do DELFOS para te ajudar. Mas mesmo que você leia as resenhas delfianas, só vai saber se um jogo é bom mesmo ou não jogando-o. Afinal, os redatores do DELFOS podem ter opiniões diferentes da sua.

Mas a verdade é que isto nunca foi um grande problema, pois as pessoas sempre emprestaram os games para as outras. Eu perdi as contas de quantas vezes eu fui à casa dos meus primos para pegar alguns games de PlayStation 1 emprestados, bem como de quantas vezes eles fizeram o mesmo. E graças a isto, eu descobri vários games que eu simplesmente amo hoje em dia, como Resident Evil, Tenchu, e até mesmo minha série favorita de todos os tempos, Metal Gear Solid.

Na escola, acontecia a mesma coisa: eu nunca vi problema nenhum em emprestar meus games aos meus amigos, desde que eles me emprestassem os deles. E era mó legal quando, no dia seguinte, você e um amigo sentavam para conversar sobre os jogos que haviam emprestado um para o outro. E pode parecer bobo, mas é uma baita interação social.

Muitas vezes, mesmo tendo zerado o game que eles haviam me emprestado, se eu o achasse digno, eu iria lá e o compraria do mesmo jeito. Outras vezes, eu acabava gostando tanto de um jogo que um amigo havia me emprestado, e ele daquele game que eu havia lhe emprestado, que a gente acabava trocando.

Como na última geração os games eram muito caros, vários amigos meus começaram a vender seus jogos para adquirir outro, muitas vezes procurando gente interessada internet afora. E isto, além de permitir que o cara faça novos amigos, pode ensinar a ele como lidar com transações bancárias, cartões de créditos, taxas de juros e outras coisas complicadas que, infelizmente, são necessárias.

Ao colocar restrições completamente idiotas para o empréstimo, troca e venda de games usados, a Microsoft não só mata um mercado que pode divulgar seus games para outras pessoas, como também acaba com toda a interação social que ele gera. O que é irônico para uma empresa que se diz tão preocupada com isso. Vai ver eles querem que todo mundo interaja por redes sociais, sem nunca se verem ao vivo. Quem sabe a Microsoft não esteja secretamente produzindo tiaras de sexo, como aquelas vistas no clássico e testosterônico O Demolidor:

E a Sony, mais uma vez, viu todo o problema aí e criou uma política muito mais simples para a troca de games:

A QUEDA DO XBOX ONE, CAPÍTULO III: NÃO IMPONHA SUAS TENTATIVAS DE DOMINAR O MUNDO

Pouco após a E3 2013, um usuário do site Pasterbin.com (site usado para se armazenar temporariamente textos longos, em especial linhas de comando) postou um texto bastante interessante reunindo posts feitos por um engenheiro anônimo da Microsoft falando sobre o Xbox One em um certo image board famoso. Sim, aquele mesmo.

Na primeira parte da coletânea, o funcionário explica que o sistema DRM adotado pela Microsoft (que impede que os gamers compartilhem seus jogos, trocando a leitura de discos por um sistema em nuvem) existe, primariamente, para evitar todos os problemas que vêm com os CDs: riscos, quebras, emprestá-lo para alguém que você nunca verá de novo, vendê-lo em alguma loja de games usados a um preço risível, etc.

Aliás, segundo ele, o modelo da nuvem adotado pelo Xbox One é muito similar ao do Steam. A diferença é que o Steam pede uma autenticação sempre que você entrar no sistema, já o Xbox One fará isto automaticamente a cada 24 horas.

Ele ainda diz que a Steam também teve sua parcela de rejeição entre os gamers no começo, mas foi só porque a Valve criou um mercado com DRM, que impedia o compartilhamento de games, que ela conseguiu vender os produtos com os mega-descontos que todo mundo ama.

Só aí, já há um erro conceitual terrível: em primeiro lugar, é verdade, não é possível compartilhar jogos na Steam. Porém, a plataforma da Valve é um aplicativo, uma coisa que eu posso baixar gratuitamente em cinco minutos e de qualquer computador. E eu preciso de um computador para fazer muita coisa, ao contrário de um videogame, que eu só uso para jogar. Se eu não entrar na Steam todo dia, a funcionalidade básica do meu computador não será afetada, ao contrário do que acontece com o Xbox One.

Além do mais, creio que, se não fosse possível compartilhar apenas os games digitais, ninguém estaria chorando. Porém, a Microsoft também restringe os discos, ao contrário da Steam, e é aí que está o grande problema.

Na segunda parte, o funcionário nos conta como foi a reação do pessoal do escritório, onde a maioria do pessoal reconheceu que a Sony fez uma ótima jogada. Porém todo mundo na Microsoft acredita que a empresa japonesa está simplesmente “pegando o bonde do ‘they took our games’”.

De acordo com ele, todos reclamam de quão injustas são as trocas da Gamestop, que dá cerca de cinco dólares ao antigo dono pela venda de um game usado, e completa dizendo que a intenção da Microsoft é dar dinheiro às produtoras e tirar da Gamestop, ao mesmo tempo possibilitando aos jogadores comprarem seus games por preços acessíveis.

O objetivo final desta revolução seria transformar todo o mercado mundial de games em uma nova Steam, tirando o poder de lojas que vendem game usados, como Wallmart e a já citada Gamestop. “Se você quer aguentar os abusos da CENSURADO PELOS GUARDIÕES DELFIANOS DA MORAL E DOS BONS COSTUMES da Gamestop, vá jogar o PS4”, concluiu o sujeito.

Concordo que este é um objetivo nobre, mas volto a dizer que eles estão fazendo de forma errônea. Não sou nenhum mestre de vendas, mas creio que a simples divulgação massiva dos preços baixos das versões digitais resolveria isto. Dar itens exclusivos também seria uma boa, já que nerds possuem uma terrível vontade de completar coleções e se veriam obrigados a comprar as versões digitais.

A verdade é que, independente de quanto esforço a Microsoft coloque nesta empreitada, eles nunca vão conseguir eliminar completamente o mercado de discos. O motivo disso é o simples fato de que há pessoas que ainda preferem comprar seus games em discos, ponto.

No último show que fui, comecei a conversar com uns caras que ainda compram CDs originais, porque eles preferem assim. Tentar inovar é uma coisa, mas impor uma regra, com condições ultra-estúpidas, afasta mais do que atrai, e a Microsoft está sentindo isto na pele.

Durante o resto da postagem, ele basicamente fala sobre as novas funcionalidades, dizendo que o Xbox One é “Google TV + PS4 + gestos do Minority Report”. Em seu último post, o funcionário conclui dizendo que “se você se importa com qualquer coisa que não seja puramente jogo, o Xbox One é para você. Se você só quer jogar, fique com o PS4”. Eis aí, delfonauta, o cerne do problema do Xbox One.

Eu não quero assistir televisão. Eu não quero saber se o novo Kinect reproduz os furos da minha pele ou se eu vou poder jogar Angry Birds com o Smartglass. Eu quero jogar videogame. Eu quero enfiar uma motosserra no lombo de um alien com inteligência artificial. Eu quero juntar meus amigos em casa ou pela net e estourar a cabeça de cada um deles enquanto xingamos uns ao outros e comemos Cheetos. Eu não quero ver a minha avó dançando na frente do Kinect, eu quero ver um careca de saias destrinchando um deus grego como se fosse um porco. E eu não me importo nem um pouco em apertar botões para isso.

Se hoje a indústria dos games pode fazer joguinhos onde uma câmera captura os meus movimentos, é porque milhões de caras gordinhos e com uma dose saudável de barbarismo doaram de bom gosto seus salários investindo no seu passatempo favorito, apertar botões. Eu sou um destes caras e creio que você também seja. E eu realmente quero continuar apertando botões e jogando games violentos e solitários, eventualmente com alguns amigos.

E O VENCEDOR É…

Confesso que esta será uma geração bastante divertida de se assistir, caso você seja um sádico que adora ver a arena regada de sangue.

De um lado, temos um console cheio de privações idiotas, mas com games frescos que podem dar uma renovada no mercado. Do outro, temos um bom console, mais barato e sem restrições, mas só com games repetitivos e que logo, logo se esgotarão.

Qual eu escolherei? Bem, eu ainda vou esperar um pouco para decidir. Em parte porque eu tenho uma filosofia de vida de não comprar nenhum aparelho eletrônico com menos de um ano no mercado, para evitar dor de cabeça. Em parte porque eu realmente me apaixonei pelos preços da Steam e vou dar um senhor upgrade no meu PC para poder desfrutar da plataforma da Valve.

Se eu fosse escolher, eu ficaria com o PlayStation 4, mas eu sou um caso à parte e parei no PS2, então muitos dos games “saturados” ainda são novidade para mim. Mas decidir um vencedor será complicado. Na geração passada, todos apostavam no Xbox 360, mas perto do fim, o PS3 conseguiu empatar com ele.

Ainda temos muita água poligonal para passar debaixo da ponte e poder definir “o melhor da geração”, mas que a Microsoft perdeu a primeira batalha, disso não resta dúvidas.