O azar de Alan Moore no cinema

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Leia também o restante do nosso especial V de Vingança:
Crítica do filme
Crítica da HQ que inspirou o filme

Pobre Alan Moore. O escritor inglês não consegue deixar de sentir um ódio mortal pelos produtores de cinema de Hollywood. Não, Moore não é um ávido fã de filmes iranianos. Seu ódio provém de quando tais produtores anunciam adaptações de suas obras para a tela grande. Isso porque a esmagadora maioria de tais adaptações simplesmente não faz jus à fonte original.

Os filmes baseados em seu trabalho são em geral grandes fiascos, se não de público, ao menos de crítica. Algo bem diferente do que ocorre nos quadrinhos, com Moore sendo louvado como um dos melhores nomes do campo e com a maioria de seus trabalhos elevados ao status de clássicos.

Alan é tão traumatizado pelas más adaptações de seus trabalhos que, fora criticá-las publicamente e nem passar perto de um cinema para dar ao menos uma espiadinha, ainda pede para não ter nada a ver com os malfadados filmes. Um exemplo: o nome de Alan Moore nem mesmo consta nos créditos do filme V de Vingança. Apenas o desenhista David Lloyd é creditado no famoso “baseado na graphic novel de…”.

Continue com a gente enquanto analisamos porque Moore gostaria que Hollywood deixasse seus trabalhos em paz.

Alan Moore não criou o Monstro do Pântano, mas foi ao assumir os roteiros do personagem que ele se tornou um nome conhecido. Ao injetar uma atmosfera de terror nas histórias e criar a reviravolta de que a criatura na verdade não era um homem transformado em vegetal e sim uma planta que pensava ser um homem, Moore ganhou notoriedade e o Monstro do Pântano recebeu popularidade. Em 1982, o personagem virou filme pelas mãos de ninguém menos que Wes Craven (A Hora do Pesadelo, manja?). A produção é completamente trash, e no pior sentido da palavra. Do tipo “ei, olha lá o zíper da fantasia do Monstro!”. Inacreditavelmente, o filme ganhou uma seqüência em 1989, O Retorno do Monstro do Pântano, tão ruim quanto a primeira. O personagem ainda teve uma série live action em 1990 e outra animada em 1991, que creio nem terem passado aqui no Brasil.

Agora, damos um salto direto para o ano de 2001. As adaptações de quadrinhos viram a nova moda do cinema hollywoodiano graças ao estouro de X-Men. Os produtores garantem os direitos de adaptações de praticamente todas as HQs em que conseguem pôr as mãos. Obviamente, os trabalhos de Alan Moore não seriam esquecidos, por mais que ele tenha se escondido mais do que o Corrales em dia de prova oral na época do colegial.

Em Do Inferno, Moore faz um dos trabalhos definitivos sobre o famigerado Jack, o Estripador. Na graphic novel, Alan parte da teroria de que Jack (cuja verdadeira identidade nunca foi confirmada) seria o médico Sir William Gull, clínico da corte da rainha Vitória. Os assassinatos estariam ligados à maçonaria e ao fato de um dos herdeiros do trono ter tido um filho bastardo com uma prostituta. Assim, acompanhamos o trabalhinho sujo de Gull e as investigações do Inspetor Abberline, que nunca chega perto da verdade.

Já o filme dirigido pelos irmãos Albert e Allen Hughes, lançado em 2001, comete o grande erro de tentar esconder a identidade do assassino até o final. O problema é que não há uma lista de suspeitos para sustentar essa péssima opção. E mais, Johnny Depp pode ser muito tremendão e ter um interesse mórbido pelo Estripador (o que o fez embarcar no projeto), mas ele é muito novo para interpretar o Inspetor Abberline. Depp ainda deu a péssima idéia do Inspetor ser viciado em ópio e ter visões dos assassinatos, fundindo seu personagem com um dos coadjuvantes da HQ. A película ainda comete a atrocidade de deixar a prostituta interpretada por Heather Graham viva. Em suma, o filme é ruim, não chega nem aos pés da fonte e ainda culmina em um final feliz.

Em 2003 foi a vez de outro assassinato impiedoso (do qual nem o próprio Jack, o Estripador seria capaz) de mais um excelente trabalho do barbudo, A Liga Extraordinária.

Moore teve a brilhante idéia de formar uma espécie de Liga da Justiça da era vitoriana, só com personagens clássicos da literatura inglesa da época. Assim, temos um supergrupo formado por Mina Murray (de Drácula. Compre aqui), o Homem Invisível (do livro de mesmo nome, que você pode comprar aqui), Allan Quatermain (de As Minas do Rei Salomão. Adquira aqui), Capitão Nemo (de 20.000 Léguas Submarinas, por uma pechincha aqui) e Dr. Jekyll/Sr. Hyde (de O Médico e o Monstro. Faça uma barganha aqui) combatendo ameaças ao mundo e à coroa britânica.

O filme ficou a cargo de Stephen Norrington, um típico operário-padrão. Como principal nome do elenco, Sean Connery (Quatermain), exigiu diversas mudanças no roteiro para que seu personagem (na HQ, Allan é um velhinho caquético e viciado em ópio) fosse mais heróico, tornando-se o personagem principal, enquanto no primeiro volume dos quadrinhos (no qual o filme é baseado), Mina tem um papel muito maior que ele.

Por falar na senhorita Murray, ainda no primeiro volume da graphic novel, nunca fica claro se ela de fato é uma vampira. No filme, não há espaço para dúvidas, ela morde pescoços e sai voando em seqüências de ação bem chinfrins.

E mais, os produtores acrescentaram dois novos personagens inexistentes no original de Moore: o imortal Dorian Gray (esse até que merecia ter aparecido na HQ. Compre o romance de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray, aqui) e o mais absurdo, Tom Sawyer (aproveite e compre o livro As Aventuras de Tom Sawyer aqui), um personagem da literatura estadunidense. O motivo de sua inclusão é ainda mais ridículo: os tais produtores (sempre esses malditos engravatados) ficaram com medo de que os estadunidenses não fossem ao cinema ver um filme só com personagens ingleses. Ah, fala sério. Resultado: aventura descerebrada e malfeita que matou todo o charme da graphic novel de Moore.

A situação só começou a melhorar em 2005, com Constantine. John Constantine, uma espécie de detetive do oculto, foi criado por Alan Moore como um personagem coadjuvante da revista do Monstro do Pântano. O personagem rapidamente fez muito sucesso entre os leitores adultos e ganhou seu próprio título, Hellblazer. Quando a DC Comics/Warner resolveu adaptá-lo para o cinema, muitos estranharam, afinal ele não é um personagem conhecido do grande público. Quando os fãs descobriram que ele iria sofrer mudanças significativas (de inglês loiro ele ira virar um estadunidense moreno com a cara do Keanu Reeves), caíram matando nas críticas. De fato, pelo trailer a perspectiva não era nada animadora. Daí o filme estreou e, surpreendentemente se revelou um trabalho muito bom. Divertido, de ritmo intenso e bons efeitos especiais, foi uma grande surpresa. Mesmo não tendo sido fiel à fonte em seus principais aspectos, mostrou-se uma boa adaptação no saldo final.

Quando as coisas pareciam que iam engatar de vez para melhor, um novo revés acontece. Watchmen, tida por muitos como a melhor HQ de super-heróis de todos os tempos, teve sua adaptação para as telas anunciada. Muitos ficaram preocupados por acharem que a obra é impossível de ser filmada (mas diziam o mesmo de O Senhor dos Anéis e veja no que deu) e outros tinham medo de que ela se tornasse mais uma da lista de adaptações ruins em cima de Alan Moore. Mas o pessoal ficou animado com o anúncio de que Darren Aronofsky (Réquiem por um Sonho) iria assumir a direção, com roteiro de David Hayter (X-Men 2).

No entanto, Aronofsky acabou pulando fora para rodar The Fountain. Mas arranjaram um substituto à altura, Paul Greengrass (do ótimo A Supremacia Bourne). Tudo parecia acertado, até que o filme começou a sofrer cortes em seu orçamento, o que culminou com uma mudança de gerência no Estúdio Paramount, e a nova diretoria acabou puxando a tomada do projeto. Durante algum tempo, os produtores ficaram batendo na porta dos outros estúdios até que a Warner (que por sinal é dona da DC Comics) comprou os direitos do filme. Descontentes com a enrolação, Greengrass e Hayter pularam fora. Até o momento não há um novo diretor para o filme e sua realização ainda é nebulosa.

Depois desse novelão, algo de bom teria de acontecer, certo? E de fato, a mesa vira de vez com V de Vingança, escrito e produzido pelos irmãos Wachowski (fãs confessos de HQs), que finalmente adaptaram com respeito e o devido carinho uma obra de Moore, tornando a história de V um filmaço. Mesmo assim, Moore ainda ficou com um pé atrás e não quis nem saber de ter seu nome ligado à produção.

A opinião de Alan Moore a respeito das adaptações de seus trabalhos para a telona provavelmente nunca vai mudar e temos de compreender seu ponto de vista. Afinal, nunca é fácil para um artista ver seu trabalho maltratado por outras pessoas. No entanto, se os próximos filmes baseados em sua obra seguirem o caminho de V de Vingança, já podemos ficar mais sossegados, pois teremos a certeza de ter excelentes opções para nos fazer pegar uma fila em algum multiplex da vida. E que a balança de qualidade continue virando.

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