Superman: Earth One

0

Caro delfonauta, antes de começar esta resenha eu gostaria de deixar algumas coisas bem claras. Eu sou um fã do Superman. Eu gosto do personagem desde que vi Super-Homem: O Filme na TV, quando tinha uns três anos de idade, desde que assisti o desenho animado dos Superamigos, desde a primeira revista em quadrinhos que meu pai comprou para mim numa banca. Então, você pode imaginar a minha apreensão ao saber que Straczynski, A.K.A. “o sujeito que arruinou a origem do Homem-Aranha” (TOTENS?), reescreveria a origem do mais clássico dos super-heróis.

Tentar recontar a origem do Superman sem levar em conta sua mitologia é uma tarefa ingrata. Isso porque, mais do que qualquer outro super-herói, o Superman foi construído e não apenas criado. Ao longo dos mais de 70 anos de mitologia do personagem, pouco a pouco boas ideias foram incorporadas à base sólida apresentada por Siegel e Shuster no final dos anos 30. Quando surgiu, o Homem de Aço sequer conseguia voar e Lex Luthor nem existia, assim como o Planeta Diário ou a Kryptonita. Todos esses elementos foram surgindo aos poucos, conforme eram escritos quadrinhos, séries de rádio ou de TV.

Literalmente, o Superman como um símbolo não do que é perfeito, mas daquilo que almejamos ser, foi uma ideia lapidada ao longo de décadas pela cultura pop. Modificar qualquer um desses elementos sempre deixará os fãs desapontados, na melhor das hipóteses. E é isso que acaba acontecendo em Superman: Earth One.

MAS POR QUÊ, TIO HOMERO?

Bem, vamos recapitular o que é a origem básica do Homem de Aço, aquilo que Siegel e Shuster estabeleceram em 1938 e que é a base de qualquer origem do herói: Clark Kent é um alienígena do planeta Krypton que foi enviado à Terra pelo seu pai momentos antes de um cataclismo destruir seu planeta. Ao chegar à Terra ele é adotado, ainda bebê, por Jonathan e Martha Kent, que criam o garoto com seus ideais de justiça e ética. Já adulto, ele vai a Metrópolis e trabalha como jornalista, onde se apaixona pela colega de trabalho Lois Lane, e também resolve combater o crime como Superman.

Essa é a história básica do herói, e qualquer coisa além disso está, em teoria, livre para ser modificado ou explorado. Em teoria porque, além dessa história básica, há muito mais na mitologia que todo fã considera essencial: o namorico de Clark e Lana em Smallville, a amizade com Pete Ross, a rivalidade com Lex Luthor, a descoberta da Kryptonita, Jimmy Olsen como alívio cômico e muitas e muitas outras coisas que me fariam escrever dez páginas por aqui.

Pois bem, esqueça tudo o que não é essencial. Em Superman: Earth One Straczynski pegou tudo isso, jogou no lixo, ateou fogo e depois fez pipi na fogueira. Pelo menos num primeiro momento. E confesso que isso me deixou completamente desnorteado após ler a graphic novel. Se eu pudesse, pegaria um avião até os EUA e tiraria satisfações com o senhor Straza utilizando meus músculos flácidos desenvolvidos através de anos de sedentarismo. Como sou um nerd pobre, fiquei com a segunda opção: fazer pipi na revista engolir o orgulho ferido de fanboy e reler a história.

E POR ACASO ISSO MUDOU ALGUMA COISA?

Sim! Confesso que a segunda leitura desceu bem melhor. Dessa vez eu consegui ver nas sutilezas que todo o essencial da origem do herói está lá. Aliás, quase tudo, pois um elemento importantíssimo foi deixado de lado e apenas sugerido. Eu falo aqui do relacionamento entre Lois e Clark, um dos tripés que formam o Superman.

O saldo no final é que Superman: Earth One é uma história de origem competente, embora seja a mais fraca de todas aquelas apresentadas desde a reformulação de John Byrne. Fazendo um paralelo aqui, eu me senti exatamente como os fãs do Azulão devem ter se sentido em 1986, quando a história de Byrne saiu nas bancas e apagou as Eras de Prata e Bronze numa tacada só.

SÉRIO? ENTÃO TEMOS ALGO NO NÍVEL DE THE MAN OF STEEL? VOU COMPRAR AGORA!

Não, calma, volte aqui! Termine de ler a resenha antes para julgar melhor. Bem, justiça seja feita, Straczynski atingiu a sua meta de modernizar a origem do Superman. Cada coisa que acontece no mundo que cerca o herói é verossímil, com exceção de um verdadeiro rombo no roteiro. Selecione abaixo apenas se você já leu ou não liga para estragões.

Antes de se tornar o Superman, Clark faz testes para vários empregos sem qualquer disfarce (leia-se “sem óculos”), entregando o seu currículo completo, inclusive no Planeta Diário. E ele não faz questão alguma de esconder que está acima das pessoas comuns. Dessa forma, ele impressiona todo mundo. Pois bem, durante a luta no centro de Metrópolis, Jimmy tira uma foto com 20 megapixels de resolução com a cara do Superman, que vai para a primeira página do Planeta Diário. E as pessoas do Universo DC devem sofrer de miopia coletiva porque nenhuma das pessoas que o entrevistou o reconheceu. Caramba, nem mesmo o Perry o reconheceu! Está certo que “os óculos como disfarce” é algo clássico e fazer vista grossa para isso é parte da graça do herói, mas o Straczynksi apelou nessa!

Muito do que compõe o herói que nós conhecemos ficou exposto nas entrelinhas, na capacidade interpretativa do leitor. Mais do que em qualquer outra versão da origem do herói, é necessário ler com atenção tanto o texto de Straczynski quanto as belas imagens de Shane Davis para captar a mensagem e realmente compreender Earth One. Os mais atentos, e até os não tão atentos assim, encontrarão elementos de Super-Homem: O Filme, Legado das Estrelas, The Man of Steel e até mesmo do arco Brainiac.

ENTENDI… ENTÃO É UMA EXPERIÊNCIA BEM PARTICULAR. MAS O QUE FICOU CLARO?

As mudanças no elenco de apoio, que simplesmente brilha nesta história. Mais especificamente, Perry White e Jimmy Olsen. Esqueça o Jimmy alívio cômico, o que temos aqui é um repórter fotográfico competentíssimo que se arrisca ao máximo para obter a melhor foto. Já Perry é a encarnação do jornalista que batalhou duro para chegar aonde chegou, que sofre com as vendas ruins, mas que não vende seus ideais. Vale destaque para o quadrinho onde ele dá uma aula de gramática a Clark.

Infelizmente, esses são os únicos personagens secundários bem desenvolvidos, e este acaba sendo o maior defeito de Earth One e a principal falha com relação à origem do herói. Digo isso porque, se você removesse a Lois Lane dessa história, ela não faria qualquer diferença. Sim, caro leitor, Jimmy Olsen, o eterno alívio cômico das histórias do Superman, recebe um tratamento melhor do que a mulher por quem o Superman está destinado a se apaixonar.

PUTZ, EU SABIA QUE O STRACZYNSKI IA FAZER BESTEIRA

Pois é. A título de comparação, se Lois Lane foi a personagem que mais brilhou com a reformulação apresentada em The Man of Steel, aqui ela foi a mais apagada, o que é imperdoável. E não foi por falta de tempo ou pressão editorial, já que o formato de graphic novel não limitava Straczynski na quantidade de páginas ou desenvolvimento. Caramba, ele ainda perdeu uma excelente oportunidade de fazê-la brilhar logo no finalzinho, spoiler leve aqui, ao dar a primeira entrevista do Planeta Diário a Clark Kent, e não a Lois fim do spoiler. A tal entrevista sequer aparece na história, mas sim como uma página anexa do Planeta Diário. Um duplo facepalm carpado para você, Straczynski.

EVIL MONKEY PARA VOCÊ, INFIEL!

Uma outra coisa bem interessante, mas apresentada de uma maneira um tanto indigesta, é a explicação para a destruição de Krypton. Como está escrito na HQ, planetas não explodem sem dar um aviso de que algo está errado centenas de anos antes e, sendo assim, não teria como Krypton explodir por causas naturais em tão pouco tempo, nem como o conselho de Krypton ignorar os avisos de Jor-El. Na verdade, Geoff Johns deu uma solução similar, mas bem mais elegante, a esse pequeno furo na origem do herói, ao colocar Brainiac como o responsável pela destruição de Rao, o sol de Krypton.

OK, MAS E O GRANDE ASTRO? E O SUPERMAN?

Aqui a questão é um pouco mais complexa. O Superman que conhecemos está lá. Ou melhor, a semente desse Superman está lá, mas ela apenas começou a germinar. E para perceber isso você terá que ler nas entrelinhas. A princípio, você pode achar que este é o Clark mais emo que já existiu, que ele é uma criança chorona que não sabe o que quer da vida e… Bem, você estaria certo.

Mas este é um Superman mais jovem, ele não viajou pelo mundo para descobrir seu lugar na Terra. Na verdade, o nome perfeito para ele seria Superboy. Esta versão é um jovem que acabou de chegar à vida adulta, tenta cumprir a promessa feita a seu pai e é pego no meio de um turbilhão que só ele pode enfrentar, o que o acaba levando aceitar o seu futuro. Ainda assim, ele é inseguro, e está apenas começando nesse negócio. Se alguém lhe mostrasse o Superman do Universo DC regular, ele colocaria a sua viola no saco e daria tchau!

Embora ele ainda não seja capaz de inspirar as pessoas, você sabe que ele está destinado a isso. Mais uma vez, se isso não ficou claro, é por culpa única e exclusivamente do Straczynski, que deixou isso justamente na “matéria bônus do Planeta Diário”. Sério, não há como ser mais claro: leia a matéria do Planeta Diário ao fim da graphic novel e você vai ver que o Superman inspirador que os fãs tanto gostam está lá!

PUXA, ISSO É DESANIMADOR

Sim, mas ao mesmo tempo pode ser interessante. Quantas novas possibilidades podem vir disso? Quantas histórias mais podem explorar esse aprendizado “da maneira mais difícil”? E isso é algo que foi feito poucas vezes com o herói, que sempre resolve adotar a capa depois que já tem certeza do que quer da vida.

É, NÃO TINHA VISTO POR ESSE ÂNGULO. E O UNIFORME E OS DESENHOS?

No quesito estético, algumas poucas coisas me incomodaram: as “costuras” na fantasia do herói, que não têm função alguma além de deixar o traje mais feio, e a primeira aparição do Clark Kent como disfarce. Essa última é tão constrangedora que, se algum dia alguém me mostrar essa imagem pra dizer que o Superman é gay, eu só vou poder abaixar a cabeça e praguejar baixinho contra o Shane Davis. Ainda bem que essa impressão ruim fica apenas na primeira aparição do disfarce.

ENFIM, VOCÊ GOSTOU OU NÃO?

Bem, tudo considerado, o que posso dizer é que Superman: Earth One não é ruim. Apenas não é o “meu” Superman, pelo menos não ainda. Este esta lá na minha estante, no encadernado de Grandes Astros: Superman, Reino do Amanhã e Superman: As Quatro Estações. Na minha opinião, Earth One é a origem mais fraca que o herói já teve nos quadrinhos. Talvez para aquele garoto de 15 anos que sempre achou o Superman chato e resolveu pegar a história “só para ver como é”, possa ser a melhor origem, isso só o tempo dirá. Tudo o que posso dizer com certeza é que eu consegui achar a semente do que torna o Superman especial ali dentro, e estou curioso para ver o rumo que esta série irá tomar. Superman: Earth One Volume 2 já tem um comprador garantido.

E QUANDO É QUE ISSO AÍ VAI SER PUBLICADO NO BRASIL?

Nós mandamos um e-mail para a Panini perguntando sobre a possibilidade de lançamento de Superman: Earth One por aqui. Infelizmente (ou felizmente, dependendo do seu ponto de vista) ainda não há planos para o seu lançamento em terras tupiniquins. Mas eles afirmaram que, se decidirem pelo lançamento, não chega antes de 2012. Portanto, se você se interessou e é versado nas artes arcanas da língua de Shakespeare, é melhor contar com a Amazon clicando no banner aí do lado.

REVER GERAL
Nota
Artigo anteriorConheça Robot Unicorn Attack versão Heavy Metal!
Próximo artigoANIMOON terá participação de representantes da Marvel, Blizzard e Blur
Homero de Almeida
Ao contrário dos outros delfianos, Homero não tem pretensões de dominação global. Ele se contenta apenas em dominar a rede mundial de telecomunicações, principalmente a internet. Afinal, conhecimento é poder. Entre outros planos, ele pretende ter uma noite de amor gostoso perto da lareira com a Natalie Portman (ao contrário do que diz o Corrales, ele acredita que ela agüentaria levar um caprichado tapão na bunda), cantar Valhalla junto com o Hansi Kürsch, xingar o antigo professor de Computação Gráfica e deixar de ser gordo. Ah sim, ele também quer dar um chute na bunda do Bill Gates.
superman-earth-onePaís: EUA<br> Ano: 2010<br> Autor: J. Michael Straczynski, Shane Davis<br> Número de Páginas: 136<br> Editora: DC Comics<br>