Outlast 2 é um retrocesso

Um Cristo moderno usaria uma câmera, não um livro.

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Os cenários de Outlast 2 impressionam!

O primeiro Outlast me marcou pra caramba. Eu demorei um tempo para conseguir colocar minhas mãos cheias de unhas nele, mas quando coloquei, pela cruz dos fanáticos do pai Knoth, foi uma das experiências mais satisfatórias que tive nos games. Eu simplesmente estava precisando de um jogo como ele, que não fosse retrô nem mundo aberto, o que estava em falta na época – convenhamos, ainda está.

Outlast 2 melhora algumas coisas, não dá para negar. Mas também é inegável que ele é muito menos especial e marcante do que seu antecessor.

VISUAL IMPRESSIONANTE, QUANDO VOCÊ ENXERGA

No material de divulgação de Resident Evil 7, a Capcom sempre destacava o visual fotorrealista. Na realidade, o jogo não era assim tão bonito. Outlast 2 é. Os cenários são lindíssimos, e é comum você se sentir navegando em meio a fotos. Os personagens, verdade, não têm o mesmo cuidado com o visual do jogo da Capcom, mas em matéria de cenários, ele dá um banho. Quer dizer, isso quando você enxerga.

Bonito e assustador.

Acontece que Outlast 2 segue a fórmula do Doom 3, ou seja, tem gráficos impressionantes, mas decide esconder seu visual do jogador. Verdade, isso já era um problema no jogo anterior, mas se o DLC Whistleblower mostrava sinais de melhora, aqui o retrocesso é geral. 90% do jogo acontece no escuro total. Literalmente total. Tela preta.

Achou que estava brincando, né?

Sim, quem jogou o antecessor já sabe que é assim para obrigar você a usar a visão noturna da sua câmera. Isso torna tudo visível, mas totalmente esverdeado. Se os games atuais usam basicamente a cor marrom, Outlast 2 gosta mesmo é de verde, e isso enfraquece muito o clima criado pelo visual cuidadosamente caprichado. Quando você está na visão normal, é comum olhar para um dos poucos cenários visíveis e soltar uma exclamação. “Kct, que coisa linda!”, “Olha essa iluminação”, ou algo assim. Com a visão noturna, o jogo nunca impressiona. Por mais que os cenários variem bastante, eles parecem sempre iguais. Sempre verdes.

Quem curte verde vai achar Outlast 2 bonitão.

Isso nem faz sentido. Ao contrário do primeiro, a maior parte deste se passa ao ar livre. E por mais que não exista luz natural, a céu aberto na vida real nunca fica totalmente preto, pois a própria lua ilumina. Uma coisa é ficar escurão em uma caverna, outra totalmente diferente é na frente de um lago. O objetivo é causar medo. A visão noturna gasta bateria da câmera, então você precisa usá-las com parcimônia. Mas nunca faltam baterias na dificuldade normal (o que é bom), então na prática o que isso faz é só deixar o jogo inteiro verde.

Pode parecer que eu estou criticando o jogo por uma de suas principais características, e de fato estou. Outlast é lembrado por sua visão noturna, mas esta segunda parte exagerou na dose. Aconteceu mais de uma vez, de eu estar navegando na escuridão total, e daí rola um aumento de trilha sonora e um grito do protagonista, mas eu nem sei o que aconteceu, porque minha visão noturna estava desligada.

Assim como no primeiro, há momentos em que você perde a câmera, e ao invés de me deixar apreensivo, como é a intenção, aqui eu ficava aliviado. Se estou sem a câmera significa que o  cenário vai ser minimamente visível até eu recuperá-la. Terror é um equilíbrio. Se você usa demais um artifício, o medo é eliminado.

TIMING MELHORADO

O primeiro Outlast também pecou ao abusar de alguns artifícios. No caso dele, as perseguições eram muito frequentes, o que o tornava quase um jogo de ação. Aqui o timing é bem melhor. Há bem menos perseguições, e isso faz que elas dêem mais medo quando acontecem.

Mas nem isso é perfeito, já que o design dessas perseguições é falho. Em geral aparece um inimigo bem na sua frente, no caminho que você precisa seguir, mas o corredor é muito apertado para você simplesmente passar por ele. O que deveria ser assustador, acaba sendo um jogo de sorte. Você vai atropelar o inimigo e torcer para ele não te matar até o sistema de colisão permitir que você passe. Isso faz com que, embora as perseguições menos frequentes sejam um acerto, elas acabem sendo um suplício quando de fato acontecem, ao contrário do primeiro, no qual elas eram aterrorizantes.

Aí entra também uma mudança de gamedesign que visa aproximar mais Outlast 2 do survival horror tradicional. Sua vida não se recupera mais sozinha. Você precisa usar itens para recuperá-la. Isso não chega a deixar o jogo mais difícil, mas muda seu funcionamento. Por exemplo, no primeiro, se você era atingido, podia fugir por alguns segundos até se recuperar. Aqui, se um caboclo te acertar, você precisa usar curativos. A aplicação deles imobiliza seu personagem por uns 20 segundos. E você não tem 20 segundos durante uma perseguição. Para piorar, na dificuldade normal você morre com dois golpes. E como em geral você precisa passar diretamente pelos inimigos, a coisa depende bem mais da sorte, de ele não te atacar duas vezes até você conseguir passar.

Tá olhando o quê?

Com isso, as perseguições se tornam repetitivas. Morre e tenta de novo, até dar certo. Os checkpoints são bem colocados, mas repetição dilui o terror. O primeiro era tão aterrorizante porque você raramente morria, mas sempre tinha a sensação de que escapou por pouco. Este equilíbrio, tão difícil de ser alcançado, não existe aqui. Depois do fechamento desta resenha, o jogo recebeu um patch com o objetivo de reduzir sua dificuldade, mas não tive tempo de jogar de novo depois disso.

Outro retrocesso é a temática. O original flertava com o sobrenatural, mas no final das contas suas história era realista. Aqui a coisa muda completamente. Você pode estar explorando a floresta e de repente ser perseguido por um demônio, ou então começar a chover sangue. Aí vai de gosto, mas como já falei várias vezes por aqui, terror sobrenatural não me dá medo e é bem mais comum, tirando boa parte do apelo do primeiro jogo.

AINDA VALE JOGAR

Eu estou sendo bem crítico com o jogo, eu percebo isso, mas é porque eu estava com altíssimas expectativas para ele. Eu sinceramente esperava que este fosse o grande jogo de 2017, e considerando como o DLC Whistleblower demonstrou melhoras nos lugares certos, diminuindo a escuridão e as perseguições, é triste ver o retrocesso que houve aqui.

Isso, no entanto, não significa que o jogo é ruim. Talvez se você não jogou o primeiro e entrar sem expectativas, pode gostar bastante. Ele sem dúvidas tem muitos predicados. Temos aqui praticamente duas histórias, que acontecem em períodos distintos.

Uma delas é a principal, e coloca você em busca da sua esposa, que foi raptada por fanáticos religiosos. Na outra, você volta no tempo para a época da escola, na qual uma amiga sua morreu em circunstâncias misteriosas. Nenhuma das duas histórias é especialmente interessante, mas o bacana é como elas se intercalam.

Você pode estar em meio a uma vila, sendo caçado por um número plural de fanáticos religiosos, e daí abrir uma porta ou passar por um lugar apertado e de repente se vê de volta em um cenário tranquilo da escola. Isso é feito de forma tão natural que chega a ser impressionante. Muitas vezes você mal percebe que mudou de cenário e continua com o coração acelerado, até que finalmente se dá conta que não está mais sendo perseguido.

Assim, Outlast 2 é um bom jogo. É que o original não era um bom jogo, era simplesmente sensacional, um dos grandes títulos de terror de todos os tempos. Não à toa, ele chegou até a influenciar Resident Evil 7, um lançamento da franquia que o inspirou. Quantas vezes vemos um influenciado influenciar o influenciador? É realmente raro, e Outlast conseguiu isso.

Este segundo jogo, no entanto, parece não entender o que realmente tornou o primeiro especial, e turbina coisas que não deveriam ser turbinadas, enquanto abandona coisas que deram certo anteriormente, sobretudo no DLC. Outlast 2 está para a Red Barrels como o segundo filme está para cineastas como Neill Blomkamp, que impressionam geral com seu primeiro filme, mas depois fazem algo apenas bom. É a maldição do segundo álbum aplicada a games. Vamos esperar que a Red Barrels demonstre no futuro ser capaz de impressionar de novo, e não seja apenas mais uma desenvolvedora fazendo jogos bons o suficiente.