A Casa Negra

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No começo da década de 1980, Stephen King e seu amigo e também romancista Peter Straub acharam que seria divertido escrever um livro em parceria. O resultado foi O Talismã, publicado em 1984. Ele contava a história do menino Jack Sawyer, que tinha de entrar em um mundo paralelo ao dele para encontrar um talismã mágico capaz de salvar a vida de sua mãe, que estava morrendo de câncer.

Era uma aventura de fantasia juvenil cheia de perigos e criaturas fantásticas. E foi um livro que eu demorei uns cinco anos (se não mais) para conseguir terminar de ler, de tão chato que o achei. Na época (lá pelo início dos anos 2000), como era fãzaço do Stephen King, joguei a culpa no Peter Straub, a metade menos famosa da dupla. Enfim, considero este até hoje um dos piores livros de King.

Fato é que em 2001 a dupla lançou uma continuação das aventuras de Jack Sawyer, A Casa Negra, cuja resenha você está lendo agora. E não sei se foi a longa passagem de tempo entre um e outro ou o fato de que eles mudaram radicalmente o tom da nova história, mas essa segunda parte é infinitamente superior.

Para começar, levaram em conta a passagem do tempo. Jack agora está com seus trinta e poucos anos e é um ex-detetive de polícia desfrutando de uma aposentadoria precoce numa cidadezinha chamada French Landing. Contudo, um assassino serial começa a sequestrar e matar crianças locais, com requintes de canibalismo. O xerife do lugarejo pede ajuda a Jack, seu amigo, para resolver o caso. Caso esse que acaba por revelar elementos sobrenaturais, com ligações ao universo paralelo, chamado de Os Territórios, que Jack visitou em sua infância.

Surpreendeu-me o fato de que temos aqui uma narrativa essencialmente policial, mesmo com todos os elementos fantásticos e sobrenaturais que vão aparecendo à medida que a história vai sendo aprofundada. Só o fato de assumir esse tom adulto já me ganhou pela pura e simples preferência pessoal do tipo de trama que gosto de ler. Claro, também ajuda muito a narrativa ser muito bem construída, procurando surpreender o máximo possível a cada virada de página.

King aproveitou o tema do mundo paralelo para fazer uma forte ligação com sua megassaga A Torre Negra, contendo muitas referências à história de Roland Deschain. Este talvez seja um dos romances fora da saga da Torre que mais possui interligações com ela, o que garante a diversão para os fãs mais escolados no grande épico do escritor.

O estilo de escrita do livro também chama atenção, por adotar um tom mais sarcástico, com um narrador onisciente que funciona como um apresentador, falando diretamente com o leitor e despejando muito humor negro em suas descrições. Se isso é influência de Peter Straub ou se King resolveu brincar um pouco com seu próprio estilo, não dá para saber. É impossível perceber quem escreveu quais partes, o que confere um senso de unidade muito desejado à obra.

Este foi um dos livros do autor que peguei para ler já com o pé atrás, mais para aplacar meu lado completista (era um dos poucos daqueles lançados no Brasil que ainda não havia lido) do que pelo prazer da leitura propriamente dito. Foi uma surpresa tão boa que se tornou daqueles casos onde fica até difícil parar de ler.

Recomendado tanto para quem gostou de O Talismã quanto para aqueles que, como eu, odiaram. Afinal, por ser diferente o bastante de seu antecessor, tem grande potencial para poder agradar às pessoas dessa segunda categoria. Aconteceu comigo.

CURIOSIDADES:

– O livro foi publicado no Brasil pelas editoras Objetiva em 2003 e 2007, Planeta DeAgostini em 2004, e pela Suma de Letras em 2013, versão analisada nesta resenha.

– Um terceiro livro, que fecharia a “trilogia Jack Sawyer”, novamente escrito em parceria entre King e Straub, já foi anunciado, mas ainda não tem previsão de lançamento.

REVER GERAL
nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
a-casa-negraTítulo original: Black House<br> País de origem: EUA<br> Ano: 2001 (EUA) / 2013 (Brasil)<br> Autor: Stephen King e Peter Straub<br> Editora: Suma de Letras<br> Número de Páginas: 704