O ressurgimento dos games no Brasil

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Há pouco mais de uma semana, a Microsoft lançou o Xbox 360 oficialmente no Brasil. Posso estar errado mas, se não me engano, nenhum videogame saiu oficialmente por nossas bandas desde que a Tec Toy lançou o tremendão Mega Drive (sim, eu sempre fui um dos quatro fãs da Sega) e seus acessórios turbinadores (Sega CD, 32X – eu tive todos esses, bons tempos aqueles). Ou seja, isso é motivo suficiente para que o dia primeiro de dezembro seja decretado feriado nacional, pelo menos entre os gamers.

Muitas pessoas, onde me incluo, estavam esperando ansiosamente por esse dia por acreditar que seria o fim dos preços absurdos cobrados em um console. Infelizmente, não foi bem assim e o sonho foi destruído quando o preço oficial foi divulgado: caríssimos e suados dois mil novecentos e noventa e nove reais! Irgh! A sensação de “o sonho acabou” foi quase unânime na comunidade dos games. No mesmo dia deste anúncio, entrei no Submarino e procurei pelo preço do console importado legalmente. Estava R$2000 (o curioso é que, alguns dias depois, a página do produto importado sumiu e ficou apenas a do nacional). Sim, essa diferença é um absurdo. E o acréscimo de três jogos e de um controle remoto (além da exclusão do headset) não justifica um aumento de mil reais. Pô, se é nacional deveria ser mais barato, né? Também acho. Muitos inclusive falaram coisas como “era melhor nem ter lançado!”. Uma análise de cabeça mais fria, contudo, mostra que não é bem assim.

Lançar o Xbox 360 no Brasil é uma estratégia arriscada da Microsoft pois, se somos um dos melhores públicos do mundo para as bandas de Metal, somos provavelmente o pior para as fabricantes de games. Podemos especular por muitas páginas como as coisas chegaram a esse ponto e, na minha opinião, não existe um vilão absoluto que é o único culpado na história. O problema foi um apanhado de más decisões de todos os envolvidos.

Por um lado, temos o maldito jeitinho brasileiro, que prefiro chamar de corrupção. Com isso, não me refiro aos políticos, mas a você, você mesmo que está aí na sua casa acessando o DELFOS de uma conexão de banda larga compartilhada com vizinhos, que tem um gato na TV a cabo para que o serviço não se limite à TV da sala e que está agora mesmo com o eMule aberto baixando o novo Need for Speed ou o disco mais recente do Iron Maiden. Viu só? Não é tão difícil ver que você mesmo tem culpa nessa situação, mesmo não sendo, de forma alguma, uma pessoa “do mal”, afinal, você acessa o DELFOS. 😉

De outro lado, temos o governo brasileiro que, por algum motivo que eu não entendo, quer manter de qualquer forma a balança de comércio favorável. Nem que para isso precise exportar laranjas e importar suco de laranja (em sentido figurado, claro, mas se você entende um mínimo de como funciona a economia e sabe o que é valor agregado provavelmente concorda que essa é uma péssima decisão). Então tome taxa de importação e impostos absurdos, principalmente sobre produtos tecnológicos (os que têm o maior valor agregado).

Quem isso prejudica? Nós que, embora não sejamos ricos, gostamos muito de música e por isso queremos ter um iPod ou um sistema de som legal em casa. Nós que, por curtir cinema, queremos ter uma TV widescreen e um receiver 6.1 para assistir aos filmes como eles deveriam ser vistos (aliás, assistir a um longa como Senhor dos Anéis de qualquer outra forma deveria ser crime previsto em lei). E, é claro, nós que gostamos de videogames e que achamos que essa é a primeira união na história da humanidade entre arte e esporte (o primeiro por usar a criatividade e o segundo por estimular a competição). Mas acredite, o governo não tomou essa decisão idiota por ser mau. Burro, sim, mas não mau. Fizeram isso por acreditar que seria o melhor para o país naquele momento. E, infelizmente, ninguém corrigiu depois. Pelo menos até agora (não sou um expert em economia, mas acho que está na hora de o governo começar a incentivar as indústrias a agirem no Brasil e fabricarem os mais diversos produtos tecnológicos aqui mesmo, sem precisar importar de fora).

No meio disso tudo, temos as empresas que precisam ter lucro. Não por elas serem más ou exploradoras (embora algumas até sejam), mas porque são empresas em um mundo capitalista, entende? E como fazer para ter lucro em um país onde as pessoas se aproveitam de tudo que podem e cujos impostos são proibitivos? Opção 1: aumenta os preços, que já eram mais altos do que deveriam ser (não me interessa o que digam, mais de 20 reais por um CD de música é um absurdo!). Opção 2: sai do país e vai para lugares mais viáveis, com planos de incentivo do governo e tal.

Fechando o ciclo, voltamos a você, que está aí na sua casa e que, de forma alguma é um vilão. Afinal, você sem dúvida concorda que pirataria é crime, mas também concorda que o preço de jogos e de CDs originais é um roubo. E preferiria ter os produtos originais se fossem colocados à venda por um preço justo. Até isso acontecer, você faz o que pode para alimentar sua sede por cultura, já que, infelizmente, não tem dinheiro para ter todos os CDs e jogos que gostaria.

E então chegamos ao lançamento do 360 em terras verde-amarelas. E isso é muito importante por um simples motivo: marca o retorno de uma indústria que tinha simplesmente desistido do Brasil (a segunda opção de dois parágrafos atrás, lembra?). E uma das mais importantes para qualquer nerd que se preze! Afinal, você já pensou quão diferentes seriam nossas vidas se não tivéssemos tido o prazer de entrar na pele de um certo porco-espinho azul? Ou de um encanador italiano e bigodudo? Ou mesmo se nunca tivéssemos ficado bravos pelo fato de que o único brasileiro presente em um certo jogo de luta era um monstro verde e feio? Isso sem falar na sensação de, em uma festa cheia de nerds, em um campeonato do “outro” grande jogo de luta, você vencer uma luta e, quando todos esperam que seu golpe final derrame sangue e faça cabeças rolarem, você simplesmente autografa uma foto e dá para o cara, ao mesmo tempo em que o locutor do jogo fala “Friendship, friendship”, para risadas gerais. Pô, eu não trocaria essas experiências por nada! E provavelmente você também não, ou não estaria lendo esse texto até aqui!

E aí entra a nossa parte nessa história. Na minha opinião, a Microsoft cometeu um erro absurdo ao tabelar o 360 em três mil reais. Supondo que realmente o custo para lançá-lo aqui seja tão absurdamente alto, valia mais a pena levar um certo prejuízo nos consoles para faturar nos jogos e, ao mesmo tempo, evitar que o consumidor adquira o mesmo videogame com procedência duvidosa e, se der problema, vai ficar achando que o bagulho é que era ruim. É um momento de apostas e acho que,nesse momento, valia mais a pena ter apostado em lucros menores (ou até amargado um pequeno prejuízo) para fazer o produto vingar no país (mais ou menos o que a Sony dos States diz que está fazendo no PS3, vendendo-o abaixo do preço de custo). Afinal, é possível encontrar o Xbox 360 estadunidense por aí pela metade do preço sugerido pela fabricante. Ou seja, as vendas do “kit oficial do Brasil” estão, a meu ver, fadadas ao fracasso.

Mas tem o outro ponto da história e esse é o mais importante para o lucro e sucesso de um videogame: os jogos. E, sim, os preços dos jogos nacionais do Xbox 360 estão bem longe do ideal. Simplesmente não dá para cobrar no Brasil a mesma coisa que se cobra nos EUA. Afinal, se os jogos nos EUA custam 60 dólares, um caixa de supermercado ganha 4000 doletas por mês. Se um jogo aqui custa 150 reais, um caixa de supermercado ganha uns 300. Logo, essa quantia compra dois jogos, enquanto nos EUA, com esse salário “de pobre”, pode comprar 66! SESSENTA E SEIS JOGOS COM UM ÚNICO SALÁRIO! Só pode comprar tudo isso aqui no Brasil quem ganha acima de 11 mil reais, o que, convenhamos, já é alguém acima até da classe média. Aliás, só para deixar ainda mais dramático, vamos transformar esses 300 reais do pobre caixa tupiniquim em dólares. Com um pouco de boa vontade e uma cotação baixa, chegamos à conclusão que um cara desses ganha 150 dólares. Equivalente a quase três jogos de acordo com os preços dali. Saca porque não pode ser o mesmo preço?

Tudo bem, o custo de criação de um Halo da vida, pode ser de alguns milhões de dólares. Mas o custo de um disco Halo, ou seja, a prensagem do DVD, impressão de manual e fabricação da caixinha, enfim, o produto “material” que você leva para casa, não é tão caro. Então não valeria mais a pena vender os jogos com preços entre 50 e 100 reais para garantir que o lucro com as vendas dele vão para a SUA empresa, e não para um cara qualquer que grava DVDs e tira xerox das capinhas? Se um jogo “alternativo” de 360 custa cerca de 30 reais, aposto que todo mundo preferiria pagar uns 60 no jogo original e com garantia. E CRÁU! A pirataria para o Xbox seria eliminada. Fácil assim. Pois se as grandes lojas vendessem a 60 contos, os tradicionais boxes, provavelmente optariam por vender o jogo original por uns 50 e não correr riscos legais desnecessários.

Vendendo a 50 reais, a Microsoft ainda teria lucro no produto material. Claro, para recuperar o custo de produção do jogo, mercados como os EUA e o Japão seriam mais importantes, mas esse seria um investimento (sem prejuízo, quero enfatizar) em uma mudança de mentalidade dos brasileiros, que é o que precisa ser feito no momento.

De qualquer forma, para uma pessoa de classe média ou alta (que acredito que é onde se encaixa a maior parte dos gamers), é possível (embora um tanto doído) pagar 150 reais em um jogo. Não, você não vai ter mais de cem jogos, como aconteceu nas gerações passadas, mas fazendo esse “pequeno” sacrifício, vai contribuir para que outras empresas, incentivadas pelo sucesso da Microsoft por aqui, também lancem seus consoles e seus games. E, quem sabe, com isso, não seja possível comprar um next-gen (e não me refiro à next-gen atual, é claro) pelo preço que um videogame realmente vale, de acordo com a nossa realidade, não de acordo com o preço cobrado para os que vivem na realidade dos EUA. Pois aqui, devido à desvalorização da nossa mão de obra, o custo de produção das coisas também é inferior, manja?

Afinal, verdade seja dita: embora tenha tido uma atitude ousada, a Microsoft está numa posição privilegiada no mercado de games brasileiro. Um pai de família, um cidadão de bem que acha que piratas são os alívios cômicos das histórias do Asterix e que acredita que um Polystation é a mesma coisa que um PS3, por exemplo, estará bem mais propenso a comprar um 360 para o filho, ao ver que é possível encontrar jogos a partir de 99 reais do que pagar 300 a 400 reais por um game oficial de Wii ou de PS3. Tendo mais videogames lançados por aqui, essa história começa a mudar, pois começa a haver livre concorrência e, portanto, briga pelo preço mais baixo. E, no fim das contas, todo mundo prefere pagar mais por um console e menos pelos jogos, certo?

Por tudo isso, se queremos que o mercado nacional se reerga no Brasil, chegou a hora de fazer a nossa parte. Não, infelizmente, não terei condições de pagar três mil reais no videogame nacional, até porque não acho que um videogame valha isso (por mais importante que eles sejam na minha vida – e, acredite, eles são). Mas pretendo comprar um 360 estadunidense travado (sim, TRAVADO) a 1500 e alimentá-lo apenas de jogos originais nacionais. Eu realmente quero que essa reerguida aconteça e estou torcendo para a Microsoft lucrar muito com o 360. Não porque ache que se trata de uma empresa boazinha, mas pela melhoria nas condições de vida dos gamers brasileiros. Essa será minha contribuição para isso. Se você realmente gosta de games, deveria fazer o mesmo. E, se tudo der certo, quando você estiver lendo essas linhas, eu estarei jogando Gears of War nacional (e original) no meu Xbox 360 estadunidense (e TRAVADO), feliz por estar fazendo a minha parte para a popularização da indústria dos videogames no Brasil e esperançoso para que, num futuro próximo, possa ter uma prateleira repleta de jogos originais sem ter pagado o olho da cara por eles.

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