O Estado e seus impostos

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Eu odeio o centro de São Paulo. Aquele lugar é feio, sujo, fedido e lotado de gente. Se você tiver um enfarte e morrer na calçada, vai demorar um bom tempo para chegar ao chão, de tão apertado que é. O que faz muitas pessoas se submeterem a ir lá é a rua Santa Efigênia (e outros lugares menos famosos, mas igualmente deploráveis), que tem um apanhado de lojas que vendem produtos mais baratos (aka contrabando) e piratas. Outro reduto da ilegalidade semelhante é o Stand Center, que fica na Avenida Paulista. Lá é igualmente desagradável, mas o lado bom é que, uma vez que você sai pela porta, está em um lugar bonito e agradável, em contraste com o inferno do centro.

Eu não gosto de nenhuma das duas opções e normalmente prefiro pegar meus produtos em lojas legalizadas. Porém, recentemente, fui até o Stand Center para comprar pilhas recarregáveis. E fui até lá por um simples motivo: meu carregador é da Sony e eu não encontrava pilhas Sony em nenhum outro lugar (e eu procurei). Minha lógica foi acreditar que a possibilidade de dar problemas com pilhas da mesma marca era inferior ao de se eu pegasse alguma outra.

Pois adentrei o inferno e comprei quatro pilhas AA, exatamente iguais às que vieram com o carregador, junto com um fone de ouvido. Elas não funcionaram. Voltei lá numa boa, para trocar um produto defeituoso. A vendedora quis trocar por pilhas que custavam o dobro do preço, dizendo que essas eram originais e as que ela me vendeu eram falsas. Confrontei-a dizendo que ela me garantiu que as primeiras eram oficiais e ela disse exatamente o seguinte: “Que é original todo mundo fala, você que tem que saber”. Respondi o seguinte: “Então você está me dizendo que foi desonesta e me vendeu algo falsificado como original e ainda está dizendo que o errado sou eu?”.

Nesse momento, ela deve ter percebido que havia falado demais e ficou quieta. Porém, a discussão continuou. Ela disse que só devolveria o dinheiro se eu levasse o fone também – e voltar lá estava simplesmente fora de cogitação, pelo simples fato de que eu odeio aquele lugar mais do que odeio metaleiros true.

A moça chegou ao ponto de dizer que vão tirar uma foto minha e colocar na porta para me proibir de comprar no “shopping” (é incrível como têm a cara de pau de chamar aquele buraco de rato de shopping). Imagino o que eles iriam alegar: “Barrar este cliente. Ele exige levar para casa o produto que foi vendido para ele, não uma versão falsificada e que não funciona”. Aliás, por que diabos alguém vai ficar falsificando pilhas da Sony, se dando ao trabalho de reproduzir até as embalagens? Qual é a vantagem de vender algo falso como sendo original? Isso só queima o filme da loja. Não faz sentido para mim.

Enfim, para evitar que o delfonauta passe pelo mesmo que eu, essa é a loja 119 do novo Stand Center (acho que o nome não é mais esse, mas é o “shopping” para onde todas as lojas se mudaram depois que o governo fechou o anterior) e conta com uma vendedora oriental e um sidekick com cara de brasileiro. Evite-os como você evita pessoas no geral.

Essa história foi contada para chegarmos ao meu objetivo. Porém, preciso fazer alguns outros argumentos antes de concluir, então segura firme aí.

O Stand Center, a Sta Efigênia, o Paraguai e demais redutos da pirataria, do contrabando e de outras atividades ilegais espalhados Brasil afora não deveriam existir. Eles existem ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE por causa do Estado. São criações do Estado. Em qualquer país sério, se você quer comprar um HD, uma pilha recarregável ou um videogame, você vai a um shopping ou à loja de rua de sua preferência. E é uma experiência tranqüila, sem ficar preocupado com itens falsificados, garantia ou nota fiscal. Você vai lá, compra, se não funcionar, troca ou pega seu dinheiro de volta.

Porém, no Brasil nosso querido Estado criou esse “sub-comércio” de lojas sem CNPJ que não emitem nota fiscal e vendem contrabando e coisas falsificadas, sempre com a famosa la garantia soy yo – o que é incorreto, já que a maior parte dos vendedores desses lugares são orientais, não paraguaios. E o governo criou esse submundo por ganância, graças aos impostos e taxas proibitivos que fazem com que um videogame em um lugar legalizado custe mais do que o dobro do preço de um preço que já seria caro demais.

O Brasil é um dos países mais tributados do mundo, os tributos estão sempre aumentando e, ao contrário de países também fortemente tributados, como a Suécia, aqui a gente não ganha absolutamente nada em troca. A não ser, é claro, esse jeitinho mezzo-brasileiro-mezzo-coreano (ou sei lá de que nacionalidade da Ásia é essa turminha do contrabando) de vender pilhas da Sony falsificadas e sem pagar os impostos. Puxa, realmente valeu a pena, né? E ainda tem gente que consegue dizer que adora morar nesse inferno.

Então, essa é a premissa 1: o Brasil é excessivamente tributado, o que você provavelmente já sabia. Vamos à premissa 2.

Nossos queridos deputados legislam para as empresas, não para as pessoas físicas. Duvida? Por acaso te lembras de alguma nova lei que realmente tenha beneficiado VOCÊ? Quando parece que algo vai acontecer (como aquela lei de diminuição dos impostos de games), sempre voltam atrás (muitas vezes até piorando o que já era ruim). É o caso, por exemplo, da proibição da cobrança pelo ponto adicional da TV a cabo. As empresas reclamaram e os deputados se colocaram de quatro e pediram desculpas. COMO SEMPRE! E o consumidor continua pagando por uma simples extensão, que não traz custo nenhum para a empresa depois da instalação ter sido realizada.

Quer outro exemplo? Conheço uma pessoa cujo salário era composto de uma certa quantia, que era acrescida de algo em torno de 200 reais, teoricamente para a alimentação. A pessoa contava com esses 200 reais para as contas e custos da vida, mas nosso querido governo decidiu que as empresas são obrigadas a dar a alimentação em vale, não em dinheiro. Na verdade, pelo que falaram para ela, sempre foi assim, mas a empresa onde ela trabalha passou por uma fiscalização e foi multada por causa disso. Eu sei, é revoltante, praticamente nada é fiscalizado nesse país e isso, onde o governo nem devia se enfiar, é.

O resultado? Ela agora tem que se virar com 200 reais a menos enquanto fica todo mês com mais vales do que consegue gastar. E nem é aquele vale em papel, que dá para vender ou distribuir por aí. É um tal de Visa Vale, basicamente um cartão de crédito que só pode ser usado em restaurantes – e mesmo assim não em todos. Por que diabos o governo faria uma lei dessas? Melhor para o trabalhador não é. Ninguém quer receber em espécie, a gente joga nossa vida fora em troca de dinheiro, não de vales. Já para a empresa, acho bem provável que esses 200 reais em créditos saiam bem mais baratos do que 200 reais em grana. Essa lei é só uma forma de prejudicar os trabalhadores e ainda garantir que a corporação não saia com fama de malvada.

Eu não sou anti-capitalismo, anti-lucro ou anti-corporações, mas é óbvio o que seria melhor para o cidadão brasileiro nestes dois casos supracitados. E não precisa ser muito gênio para entender porque isso acontece. Nossos queridos governantes são sustentados pelas propinas das grandes corporações. Acredito que todos concordam que o Roberto Marinho, mesmo depois de morto, tem mais poder do que nosso presidente Lula. Até porque em breve o mandato do Lula acaba, enquanto o das famílias Marinho, Mesquita, Frias, Civita e afins está apenas começando.

Essa é a premissa 2. Recapitulemos então:

Premissa 1: O Brasil é excessivamente tributado.

Premissa 2: O Estado brasileiro é sustentado por propina.

Diante dessas duas premissas, chegamos ao meu ponto. Não sobra nada para o cidadão médio. Nós, você e eu, não somos pobres, portanto não conseguimos considerar uma diminuição no preço da cesta básica um benefício realmente vantajoso, já que nós queremos algo além de arroz, feijão e macarrão para poder chamar nossa sobrevivência de vida. Só que também não temos grana e poder suficiente para comprar os políticos e, assim, fazer com que eles legislem a nosso favor. Assim, estamos condenados a pagar eternamente para um governo que nunca fez, nem jamais fará, nada para nós. É um túnel sem saída.

Já que o Estado é sustentado por propinas, não tem necessidade de receber nossos impostos. E com certeza não tem necessidade de cobrar 300% de taxas sobre o valor de um videogame. Pelo que li por aí, a Suécia tem praticamente a mesma quantidade de impostos que nós (somando tudo, e em porcentagem da renda per capita, não em valor absoluto, é claro), mas eles têm educação e saúde universal, além de segurança e muitos outros benefícios com os quais nós apenas sonhamos. E têm o direito de comprar videogames em shoppings, de lojas legalizadas e honestas, sem traumas.

E essa é a minha pergunta, com a qual fecho este texto: já que nós, a classe média, não fazemos parte do Brasil e não temos direitos nem benefícios estatais, não poderíamos pelo menos ser desonerados de todos esses impostos e obrigações que aparentemente só afetam a gente? Afinal, o governo não precisa da nossa bufunfa para pagar orgias com prostitutas, fazer filhos ilegítimos e demais coisas naturais do dia a dia de um político tupiniquim. Eles têm o dinheiro das empresas para isso – e retribuem esse dinheiro ao criar leis para elas, então todos os envolvidos saem ganhando. Os políticos têm as suas orgias de graça e as empresas conseguem explorar consumidores de forma legalizada.

Sei que essa proposta lembra o anarquismo e, no geral, prefiro um Estado forte a um Estado ausente. Porém, se o Estado só interfere nas nossas vidas de forma negativa, é melhor mesmo que ele não exista.

Eu invejo os países onde as pessoas têm de fazer compras naquele negócio chamado “centro de compras” (Shopping Center), ao invés de serem obrigadas a lidar com (e serem transformadas em) criminosos pelo simples fato de quererem comprar um videogame. Você não? E a primeira pessoa que fizer o comentário óbvio (você tem que participar mais para seus interesses serem ouvidos e tal) ganha um pirulito de faz de conta. Se o governo realmente está disposto a ouvir o que a classe média pensa (não digo que o meu pensamento representa a maioria, apenas que eu sou parte dessa classe ignorada por eles), tem esse e tantos outros textos espalhados internet afora para ler. Aliás, a internet e os blogs são o lugar ideal para o governo encontrar os pensamentos e ânsias da nossa classe.

PS1: Se o governo realmente quer acabar com essas Sta Efigênias e Stand Centers da vida, de nada adianta ficar fazendo uma fiscalização todo ano e mais nada. Basta permitir que lojas legalizadas, como o FNAC (que fica a uns dois quarteirões do Stand Center e vende tudo que os contrabandistas vendem lá), cobrem preços justos. O próprio mercado vai cuidar de falir os contrabandistas, pois ninguém mais vai comprar lá se puder comprar a mesma coisa de uma loja honesta a dois quarteirões de distância.

PS2: Sem querer, acabei fazendo uma trilogia política de PDs (leia as anteriores aqui e aqui). Mas fica frio, a próxima edição dessa coluna, que só sai no ano que vem, será bem mais light e vamos novamente falar de música. Mantenha-se delfonado.

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