O diário delfiano da apendicite

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Se você é um delfonauta que costuma ler o nome de quem escreve as matérias, provavelmente percebeu que meu nome não apareceu no DELFOS durante todo o mês de junho. Infelizmente, isto não aconteceu porque era a minha época de tirar férias ou porque Odin me convocou para lutar ao seu lado sob os estandartes de Asgard.

O que aconteceu é que sofri uma apendicite, que é o que acontece quando o apêndice, aquele órgão praticamente inútil para nós nos dias de hoje, resolve inflamar. E quando isto acontece, meu amigo, não tem jeito: é necessário entrar na faca para remover o bichinho.

E como aqui no DELFOS nós costumamos partilhar nossas desventuras para que você possa saber como agir caso passe por um infortúnio semelhante, compartilharei com você esta experiência única. E, claro, você poderá rir um pouco da minha cara também. Mas antes, vamos a um pouco de informação.

ANYTIME, ANYWHERE

De acordo com meu alto conhecimento em anatomia e pelo que os médicos me disseram, a inflamação do apêndice ocorre quando um pedacinho de fezes se aloja no órgão.

Isto pode acontecer com qualquer pessoa, em qualquer idade, a qualquer hora, e não há meio de prevenir. Não importa a sua dieta, o seu peso ou quantas pessoas na sua árvore genealógica sofreram de apendicite, se o destino quiser te mandar um evil monkey, seu apêndice vai inflamar.

SINTOMAS

Se você procurar internet afora, a maioria dos sites médicos vão dizer que um dos sintomas da apendicite é “forte dor abdominal”. Embora esta informação seja correta, ela é muito vaga. Mas não se preocupe, pois Dr. Lucas está aqui para esclarecer isto.

De forma simples e direta, o principal sintoma da apendicite é uma imensa dor de barriga, igual aquela que a gente sente quando a natureza chama, só que mais forte. O problema é que sempre que você senta para refletir no Trono dos Deuses do Norte, não sai nada, nem gases, mas a maledeta dor persiste. Sim, ter vontade de castigar a porcelana e não conseguir realizar esta simples ação cotidiana pode ser um sinal de que o seu apêndice está inflamado.

Para você ter ideia do quão importante é este sintoma, no início das dores eu imaginava que se tratava apenas de uma simples prisão de ventre. Porém, nenhum dos métodos tradicionais para curar prisão de ventre, como caminhar, tomar iogurtes e refrigerantes ou mesmo ficar um bom tempo no vaso, deram certo. Até que fui para o hospital e lá recebi o diagnóstico de que precisaria tirar o meu apêndice.

E aí está a coisa mais perigosa da apendicite: você pode julgar que está tendo apenas uma dor de barriga muito forte, tomar um remedinho e deixar para lá. Só que se o seu apêndice ficar inflamado por muito tempo (uma média de três dias, pelo que pesquisei), ele pode estourar, causando uma série de complicações no organismo que podem até mesmo levar à morte. Por isso, delfonauta, se você estiver com uma forte dor de barriga que não passa, vá ao médico o mais rápido possível. Isto pode salvar sua vida.

Mas este é um texto leve, por isso, vamos deixar a Dona Morte de lado e vamos ao que te levou a ler este texto: ver um redator do DELFOS em apuros.

NINGUÉM ME DISSE QUE ISSO PODERIA ACONTECER

Minha cirurgia e estadia no hospital foram bem rápidas e sem nenhuma complicação. Em menos de 48 horas, tive alta e estava no conforto do meu lar. Mesmo andando com uma certa dificuldade, mas nada que atrapalhasse muito, minha orientação era repousar bastante. Portanto, eu teria que passar a maior parte do tempo deitado, pelo menos até tirar os pontos. Sossego e mordomia me aguardavam… e foi aí que a vida ficou difícil.

É que após um médico abrir e se divertir com as entranhas de nossos intestinos, nosso corpo começa a produzir algo em quantidades massivas, mas que não conseguimos expelir na mesma velocidade, criando um grande problema. Estou falando daquilo que as mulheres guardam a sete chaves como se fosse o segredo do universo e os homens fazem sem temor algum, às vezes competindo para descobrir quem é mais barulhento e mais fedido (embora nunca conseguirão superar o odor dos cachorros). Sim, delfonauta, eu estou falando de soltar pum.

Creio que você, meu caro, já deve ter passado por uma situação de suma importância e elegância em sua vida, como uma reunião com os diretores pintudões de seu trabalho, uma negociação com um cliente importante ou, o mais temível de todos, o primeiro jantar com os pais de sua alma gêmea e, de repente, sente aquela vontade enorme de soltar uma bifa e precisa segurar, criando uma desconfortável sensação na sua barriga, correto?

Pois então, imagine sentir esta sensação por quase dois dias inteiros. É agonizante. Não adiantava espernear, deitar de barriga para baixo ou apertar a barriga com força, porque o pum não saía de jeito nenhum. E além da dor, o acúmulo de gases ainda me fazia sentir tonto e enjoado, o que não me dava vontade de não fazer nada. Isto fica de conselho para você, delfonauta, principalmente se você for mulher: não se envergonhe, soltar pum faz bem para a saúde.

O pior de tudo é que enquanto sofria com os gases, tive a brilhante ideia de tomar um copo de refrigerante. Você consegue adivinhar o que aconteceu, delfonauta? As dores aumentaram, é claro. Isto me fez entrar em uma profunda reflexão filosófica sobre o mal que a bebida causa em nossos corpos e como eu seria uma pessoa mais saudável se eu realmente parasse de beber isto. Agora peraí que eu vou lá pegar mais um copo de Xamego.

A MALDIÇÃO DA TELEVISÃO

O lado bom de tudo isso é que eu consegui uma licença médica do meu trabalho de gente grande (caso você não saiba, todos nós aqui da redação temos um trabalho adulto) por mais de um mês, e como eu iria ficar um bom tempo na cama, já havia feito planos de colocar minha jogatina em dia, tão esquecida ultimamente.

Já tinha até mesmo escolhido o jogo que iria me acompanhar pelas solitárias noites de recuperação: Galerians, um polêmico survival horror lançado para o PlayStation em 2000, que eu havia encomendado na Argentina meses atrás.

Hoje em dia ele pode ser um game obscuro que não resistiu ao teste do tempo, mas na época ele causou muita polêmica por causa da violência extrema e do fato de o personagem se drogar para usar seus poderes.

Mas é claro, Deus é um fanfarrão e na loteria de seus evil monkeys diários, acho que fui sorteado de novo. Isto porque já no meu primeiro dia em casa, a televisão do meu quarto, que uso para jogar videogame, queimou, destruindo minhas esperanças eletrônicas. Certo, eu poderia instalar na TV da sala, mas seria muito trampo e atrapalharia bastante a passagem, uma vez que, como o delfonauta dedicado sabe, eu tenho somente um PS2 e nenhum controle sem fio.

Com isso, eu tive que gastar a maior parte do meu tempo livre lendo ou assistindo à programação da televisão aberta. Como tudo na vida tem seu lado bom, descobri que tenho uma imensa vontade de viver, porque muita coisa que passa na TV é um belo convite ao suicídio. Mas ei, ainda passa Darkwing Duck na Globo, As Aventuras de Tintin na Cultura e a Band transmite Os Simpsons, Futurama e alguns programas do Dan Schneider, como iCarly e Victorious, então não é tão ruim assim.

LET THE BLOOD RUN YELLOW, OU EMAGREÇA ANTES DE FAZER UMA CIRURGIA NA BARRIGA

Aviso aos delfonautas: Este capítulo é bastante informativo, porém, relativamente nojento. Não me olhe assim, meu caro. Ninguém disse que o nosso corpo é algo bonito.

De acordo com a orientação médica, eu estaria pronto para tirar meus pontos 10 dias após a cirurgia. E apesar dos problemas descritos acima, o corte em si parecia estar sarando completamente. Isto é, até o nono dia após a cirurgia, quando acordei e percebi que a camisa do meu pijama com personagens da Youngblood estava manchando bem na região da cicatriz, por algo que não era sangue. Mas como não aconteceu nada ao longo do dia, achei que era algum líquido do corpo para ajudar na cicatrização e deixei quieto.

Na manhã do décimo dia, meu pijama acordou ainda mais manchando na mesma região. Desta vez, deu para perceber que as manchas tinham um tom amarelado e eu fiquei preocupado. Porém, como já tinha que ir ao posto de saúde tirar os pontos, deixei para resolver lá. Mas como já foi abordado neste texto, eu sou um cara muito sortudo, a enfermeira que tirou meus pontos não viu nada demais neles (afinal, tinha tudo ficado no meu pijama) mas disse que achava a cicatriz um pouco inchada e recomendou consultar o médico que me operou. E lá fui eu, já imaginando que minhas entranhas seriam o novo receptáculo de Nyarlathotep, o rei amarelo dos contos de H.P. Lovecraft.

Após ouvir meu problema, o “dotô” disse que não se tratava de abomináveis aliens do mais puro caos, mas sim de seroma, um líquido semelhante ao plasma que se acumula sob a pele. Isto é bem comum acontecer em qualquer tipo de cirurgia, principalmente na região da barriga e muitíssimo mais comum ainda ocorrer em pessoas de peso avantajado, como eu.

Para fazer com que este líquido saísse completamente, o médico colocou uma pequena pinça em minha cicatriz e fez um movimento simples. Então, os céus se escureceram, um trovão ribombou e um rio grosso e amarelo começou a fluir de minha barriga, quente como o sangue daqueles que se opõe ao meu poder.

Falando sério, não foi tão épico assim, mas foi bem nojento. Eu não sei quantas gazes foram usadas para limpar todo a meleca, mas creio que tenha sido algo em torno de oito. Ao final da drenagem, colocaram um esparadrapo imenso em mim, para impedir que vazasse qualquer gota de seroma na minha roupa. Só que o negócio era tão grande, ridículo e eficiente que até o momento da publicação desta matéria, eu tenho vestígios dele em minha barriga. E olha que não é por falta de banho. Por isso, é recomendável que você esteja sempre em forma, delfonauta, pois nunca se sabe quando você precisará remover o seu apêndice.

E isto é tudo, p-p-p-pessoal. Já estou 100% recuperado e pronto para outra. Espero que você tenha gostado e tirado algumas informações bem úteis deste texto. E se você conhece alguém que vá passar por uma cirurgia de remoção de apêndice, recomende esta matéria para ele também. Quem não a ajude esta pessoa, ou você mesmo, a passar por este momento único da vida. Afinal, a gente só nasce, morre e tem apendicite uma vez na vida. 🙂

CURIOSIDADES:

– Eu dediquei muito do meu tempo vago para a literatura também. Li um livro de 432 páginas em dois dias, um recorde pessoal.