Na minha lista de melhores games de 2017, eu elegi Need For Speed Payback como a maior decepção do ano. Venho agora por meio desta retratar-me. Não, o jogo lançado em 2017 que mais me decepcionou foi Nier: Automata, ainda que eu só tenha descoberto isso no início de 2018.Pouco antes de o jogo ser lançado, eu joguei sua demo e gostei muito. Era um jogo para o qual eu não tinha expectativa alguma e entrou totalmente no meu radar. No entanto, quando ele foi lançado, eu acabei não cobrindo o lançamento e comprei o disco um pouco depois.Sem tempo para jogá-lo, ele ficou lacrado na minha estante durante o restante do ano. Enquanto isso, reviews positivos foram saindo e o jogo acabou entrando na lista de melhores de muita gente por aí. Parecia que depois de uma enorme sequência de porcarias, finalmente a Platinum foi capaz de lançar algo bom. A expectativa aumentou consideravelmente, mas só agora, aproveitando a época de poucos lançamentos do início de ano, eu consegui jogá-lo.

UMA DEMO TÃO FALSA QUE BEIRA A MÁ FÉ

O principal motivo para eu ter comprado Nier: Automata foi sua demo. Mas, meu amigo, se é comum as desenvolvedoras pegarem um trecho legal do jogo para a demo, a Platinum optou por pegar a ÚNICA parte realmente boa.

Nier Automata, Delfos
Só um jogo japonês daria um troféu para você fazer upskirt na protagonista. E não, não é essa a parte boa.

A demo, que é também a abertura do jogo, consiste em uma fase de ação linear com uma variação impressionante. A câmera vai do tradicional livre para posições fixas que transformam totalmente o jogo. Assim, temos um hack and slash, um twin-stick shooter, um jogo de navinha, um plataforma 2.5D e até um isométrico semelhante a Diablo. Tudo isso aparecendo de forma natural ao longo dos primeiros 40 minutos de jogo. É uma conquista de level design impressionante que todos os gêneros de games sejam homenageados com algo tão simples quanto movimentos de câmera.Eu sabia que o jogo seria mais aberto do que a demo prometia. Muitos dos reviews, inclusive, elogiaram este fato, então não foi algo escondido. Eu ainda achava, no entanto, que teria outros momentos como a abertura, dungeons que funcionassem de forma mais linear e com aquela linda variação de jogabilidade. Não há. Deixa eu te dar um exemplo de uma típica missão de história de Nier: Automata.

UMA TÍPICA MISSÃO DE HISTÓRIA DE NIER: AUTOMATA

Você chega a uma vila habitada por máquinas pacifistas. O líder da Vila, Pascal, pede para você entregar um bagulho para a líder da resistência. Você sai andando na direção do waypoint, rumo ao campo da resistência. Chegando lá, a líder agradece pelo bagulho e manda um “ah, dá para você aproveitar e entregar este breguete para o Pascal?”.Sabe o que você faz agora? Segue o waypoint de volta para a vila. Aperta bola na frente do Pascal. Pascal agradece. Missão concluída. Isso não é uma sidequest especialmente ruim. Isso é uma típica missão de história de Nier: Automata.

Nier Automata, Delfos

As sidequests, aliás, são todas exatamente assim. Coisas tipo: vá até o waypoint, pegue alguma coisa e me traga de volta. As mais ambiciosas são bem diferentes. Nelas, o NPC pede para você ir até três ou quatro waypoints para juntar uma pá de itens e daí voltar para ele. E a Platinum me tem a pachorra de lançar um jogo assim em um mundo pós-The Witcher 3, no qual até as sidequests do novo Assassin’s Creed são legais.Segundo as estatísticas do jogo, eu fiz cerca de 70% das sidemissions e não encontrei uma sequer que fosse mais interessante do que isso. Algumas missões de história são mais legais, como a que você sai voando para encarar um inimigo gigante ou a invasão ao castelo da floresta, mas nunca chegam ao nível absurdo de qualidade da abertura. Nem perto disso.A Platinum caiu numa armadilha comum do gamedesign atual. Ela tinha um bom jogo (não um excelente) de três ou quatro horas, mas quis expandir para um de 40. Deu nisso, uma obra que foi o maior tédio que eu senti jogando videogame em anos, com alguns momentos pontuais em que eu parava de bocejar. Mas seus problemas não terminam por aí.

NIER: AUTOMATA É MUITO FEIO

Sim, os designs dos heróis são estilosos, mas a coisa para por aí. Todo o resto do jogo, com a única exceção do circo, é basicamente cinza. Os inimigos são todos iguais. O combate é repetitivo e cheio de button-mashing.

Nier Automata, Delfos
Esta é a screenshot mais legal que eu tirei, e até ela é totalmente cinza.

Boa parte do jogo você passa hackeando, o que é basicamente um twin stick shooter com formas geométricas e quase em preto e branco. Duvida? Pois olha um cenário típico dessas hackeadas.

Nier Automata, Delfos
Como disse, formas geométricas em preto e branco. Tinha jogos de Atari mais bonitos e elaborados do que isso.

Quer uma outra screenshot típica mostrando quão pouco inspirado é o visual do jogo? E se liga, esta foi tirada em uma cena de ação propriamente dita.

Nier Automata, Delfos
Convenhamos, existe alguém que ache isso um visual aceitável para um jogo de 2017?

Vamos comparar com uma imagem de outro RPG de mundo aberto lançado para o mesmo console em 2017, Assassin’s Creed Origins.

Assassin's Creed, Delfos
É mais bonito do que o Egito da vida real!

Além disso, as cutscenes quase não são animadas, boa parte das falas aparecem apenas escritas e não faladas e algumas cenas importantíssimas da história são contadas através de texto branco em tela preta. Não, não são logs em textos. São cutscenes propriamente ditas, que interrompem o gameplay e desenvolvem coisas vitais para o entendimento da narrativa. Esta é uma amostra de uma das cutscenes mais importantes, que rola lá no final da terceira e última campanha.

Nier Automata, Delfos
Alguém olhou para isso lá no Japão e falou: “É, é assim que eu quero contar um dos momentos mais dramáticos da história do jogo.”

Aliás, você se tocou que eu falei terceira campanha?

POIS É, VOCÊ TEM QUE JOGAR TRÊS VEZES

Isso já é algo que eu sabia e não gostava mesmo antes de comprar, mas Nier: Automata só acaba de fato quando os créditos rolarem pela terceira vez. A primeira e a terceira, beleza, contam partes inéditas da história. O problema é a segunda. Nela, você joga toda a primeira campanha novamente, mas do ponto de vista do sidekick 9S.Tem bastante informação nova na história, mas a parte jogável é quase igual. Os andróides 2B e 9S passam quase o jogo todo juntos, se separando apenas no início e no fim, e portanto o jogo é basicamente o mesmo. O resultado é que passei minha segunda campanha correndo de um lado para o outro, matando apenas os inimigos essenciais. Foi quase um speed run, e mesmo assim durou mais de cinco horas.É nessa segunda campanha que entra o hacking, e como resultado disso o combate com 9S é bem pior do que aquele que estávamos acostumados quando controlávamos a 2B. Para que obrigar o jogador a jogar tudo de novo para ver algumas cutscenes extras? Por que essa parte da história não poderia ser contada na primeira campanha? Mas, ei, pelo menos depois de suportar essas horas, a história continua. Sim, é verdade. A história continua. O que vem depois disso é inédito…

MAS O GAMEPLAY FICA AINDA PIOR

No começo da terceira campanha, os andróides que você controla estão sendo atacados por vírus que prejudicam os sensores visuais, os controles e o áudio. Resultado? Isso é o que você vai ver na tela durante a primeira hora desta parte três.

Nier Automata, Delfos
Eu fico nervoso só de lembrar que passei por isso.

Não basta o fato de que você vai ter que se defender dos inimigos praticamente sem ver nada, os vírus atacam também seus controles, impedindo você de atacar com a espada ou fazendo com que empurrar a alavanca para a direita mova o personagem para cima. É sinceramente irritante e um absurdo que algo assim tenha passado pelo controle de qualidade da Platinum.Depois disso, eu achei que as coisas iam melhorar. Não melhoram. Seu androide fica enfraquecido pelo vírus, e daí você tem um tempo limitado para chegar do outro lado do mapa, sem poder usar fast travel. O ponto é que ela fica incapaz de correr, de atacar e de pular. Então basicamente você tem que atravessar o mapa andando devagarinho e totalmente indefeso.

Nier Automata, Delfos
O único jeito de avançar aqui é pulando, mas o jogo não te deixa pular. Solução? Ter que voltar um montão para seguir por um caminho paralelo.

Eu joguei a primeira campanha de Nier: Automata como normalmente jogo games de mundo aberto, explorando com calma, fazendo sidequests e tudo mais. Porém o único trecho que realmente me divertiu foi a abertura. Depois disso me pareceu quase tudo enrolação. Mal sabia eu como as coisas piorariam nas duas campanhas seguintes.

EU FIQUEI ALIVIADO QUANDO TERMINOU

Sem exagero, esta primeira hora da terceira campanha deve ter sido a pior coisa que eu já joguei na vida. Fico pensando se as pessoas que gostaram do jogo chegaram até aí e, se chegaram, o que têm a dizer desta parte?

Será possível que alguém considerou estes erros crassos de gamedesign algo não apenas aceitável, mas algo que tornou a experiência toda melhor? E será que realmente consideram que, mesmo nos momentos mais tradicionais, de mundo aberto, o jogo está a par de outros jogos do gênero lançados em 2017?E mais, na era do 4K e do HDR, alguém achou legal passar boa parte da jogatina controlando formas geométricas em preto e branco? Sério, eu quero mesmo saber, então se você gostou do jogo, fique à vontade para fazer um textão nos comentários ou para mandar um contraponto a este texto para publicarmos aqui no DELFOS. Eu tenho um interesse pessoal em ler seus argumentos.

O que eu sinto é que a Platinum desfruta de uma boa fé considerável do público, graças a seus primeiros jogos que eram muito bons (em especial Bayonetta e Vanquish). Isso fez com que eles ganhassem muitos fãs, mas eles fizeram tanta porcaria licenciada depois disso que parece difícil que eles de fato consigam sair do buraco. Hoje, a Platinum é basicamente o Nicolas Cage dos games, com a diferença que alguns dos seus fãs ainda não perceberam que ela deixou de ser uma boa desenvolvedora uns 10 jogos atrás.