Millenium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres

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Os Homens Que Não Amavam As Mulheres prova que nem sempre o título original é melhor do que os adaptados. O original sueco compartilha o título brasileiro, um nonsense Homens que Não Amavam as Mulheres, enquanto a adaptação estadunidense virou um intrigante A Moça da Tatuagem de Dragão. E, depois de assistir ao filme, você percebe que o título original/brasileiro é um tremendo de um spoiler.

Ora, que tipo de homem não ama as mulheres? Veja o caso do DELFOS, por exemplo. Durante quase oito anos, tivemos apenas homens na equipe. Homens viris, besuntados e peludos, que costumavam se juntar na hora do almoço para cantar abraçados músicas másculas falando de coisas machas como guerras, reis, dragões, arco-íris, unicórnios e tudo mais que as bandas de Metal costumam escolher como tema. O cheiro por aqui poderia ser descrito como uma masculina mistura de suor com gordura de bacon.

Durante esse tempo, a principal peça de decoração no oráculo era um machado manchado com o sangue de nossos inimigos. Poucos dias depois de a Joanna e a Tis se juntarem a nós, tudo estava completamente diferente. Agora tínhamos arranjos de flores secas e perfumadores de ambientes. Até a trilha sonora mudou. Hoje costuma tocar por aqui bandas que NÃO falam sobre arco-íris ou unicórnios. Quem poderia imaginar que isso sequer existia? Em outras palavras, hoje o oráculo é um lugar cheiroso e colorido graças à presença de duas moças do sexo feminino. Tem como não amar isso? =]

Aparentemente tem. Afinal, Craig, Daniel Craig é um jornalista investigativo contratado por um trilhardário para solucionar o mistério de uma garota que sumiu repentinamente 40 anos atrás. Alguém definitivamente não amava essa moça.

Outra moça que não teve muito amor na vida é a interpretada por Rooney Mara, a tal moça com a tatuagem de dragão. Ela é anti-social e, por isso, cheia de piercings. E durante os primeiros 90 minutos de filme, ela parece não ter nada a ver com a história principal.

Nesse início, a narrativa claramente é dividida entre os dois personagens. A parte focada em Craig, Daniel Craig é totalmente investigativa e leva a história principal para frente. Já a da garota é pura e simplesmente desenvolvimento de personagem. E isso é legal, uma vez que ela é um personagem deveras intrigante, merecedora desse desenvolvimento. Depois eles unem forças na procura pela garota desaparecida, e a partir daí o filme fica mais coeso e, verdade seja dita, mais interessante.

Infelizmente, Os Homens Que Não Amavam as Mulheres sofre dos mesmos problemas de todos os filmes que David Fincher fez desde Zodíaco. Ele é lento demais em algumas cenas, rápido demais em outras, e não sabe aproveitar bem sua extensa duração. Definitivamente, timing e narrativa não são os principais predicados do diretor.

Ele compensa em outras coisas, no entanto, especialmente na parte técnica. Sua direção de atores é excelente, e ele é deveras criativo em planos. Tem algumas cenas aqui filmadas de forma totalmente única, e outras que emulam o clima de noticíarios de TV e documentários. Este é um filme bem interessante para aqueles mais ligados na parte técnica do cinema.

David Fincher sempre teve essas qualidades, mas os filmes que lhe deram fama, os excelentes Clube da Luta e Seven não sofrem dos problemas de narrativa de suas últimas obras. Minha impressão é que ele se empolgou com a parte técnica da coisa e esqueceu que o principal trabalho de um diretor é contar uma boa história. Todo o resto é bônus.

E temos uma boa história aqui, mas ela não é levada com uma mão segura. Tem um monte de cenas que não são importantes para a história, enquanto outras importantíssimas são apressadas. Personagens somem e nunca mais aparecem, enquanto outros aparecem pela primeira vez no final da projeção. Inclusive, parece que o filme iria acabar uns 40 minutos antes de terminar de fato e talvez tivesse sido melhor se isso realmente acontecesse.

O resultado é uma obra confusa, não por causa das frequentes viradinhas esperadas de um longa de investigação, mas por falta de cuidado na condução. Talvez seja o preço a se pagar por fazer uma adaptação de uma adaptação (este é um remake de um filme sueco baseado em um livro de Stieg Larsson). É inevitável que detalhes se percam ao se adaptar algo e adaptar algo que já era uma adaptação por si só deve ser um trabalho difícil e problemático.

Vale destacar as atuações, todas excelentes, mas um destaque especial para Rooney Mara. Eu não a conhecia antes desse filme, mas seria capaz de apostar que a veremos bastante a partir de agora, como aconteceu com Christoph Waltz depois de Bastardos Inglórios. Só não gostei das artimanhas usadas em seu personagem. Por exemplo, na sua primeira aparição, ela ostenta um orgulhoso moicano, na tentativa não verbal de mostrar como ela é radical. Mas apesar de ser radical, a gente também precisa gostar dela, então repare como o visual dela vai ficando mais mainstream conforme o filme avança.

Não me refiro à transformação do personagem que qualquer arco dramático tem por necessário, mas a uma transformação visual mesmo, que serve apenas para torná-la mais palatável para as massas uma vez que sua personalidade de rebelde foi estabelecida pelo moicano na primeira aparição. Fazer o público gostar de uma personagem com personalidade radical era um desafio do roteirista, não do cabeleireiro. Felizmente, o roteiro a trata muito bem, tornando este artifício totalmente desnecessário e mais uma prova da insegurança na condução da história.

Os Homens Que Não Amavam As Mulheres é um bom filme, que posso garantir sem medo para os delfonautas dispostos a investir três horas de suas vidas nele. Tem problemas e não chega nem perto das glórias passadas de David Fincher, mas é interessante, intrigante e vale o ingresso.