Normalmente, quando eu sei que vou cobrir o novo episódio de uma série de filmes com a qual eu nunca tive contato, eu dou um jeito de assistir aos anteriores para poder fazer uma análise digna deste site. Neste caso, por vários motivos, eu não consegui reservar um voo para a Argentina a tempo. Poderia fazer uma resenha mais genérica ou aproveitar minha virgindade na franquia para fazer algo especial. Bem-vindo à nossa…

RESENHA DE MAZE RUNNER – A CURA MORTAL

Tudo que eu sabia sobre Maze Runner são as coisas que aprendi por osmose e pela resenha do primeiro filme escrita pelo Cyrino. Não é muito, e admito que estava com medo de boiar na coisa toda. No entanto, o filme se aproveita de tantos conceitos usados e abusados pela cultura pop que eu consegui me localizar rapidinho.

Assim como aconteceu com Jogos Vorazes, neste terceiro Maze Runner não temos mais nada do conceito original da série. Não há nenhum labirinto, nem nada do tipo. Agora é uma briga entre rebeldes e a sociedade, assim como em Jogos Vorazes e, antes disso, na continuação de Battle Royale, a obra original que tanto inspirou toda essa turminha.

A história, claro, é contada do ponto de vista dos rebeldes. Um de seus amigos foi raptado pela organização chamada CRUEL e eles querem salvá-lo. Ao longo da projeção, eu fui sacando os pormenores da coisa toda. Estamos em um mundo pós-apocalíptico no qual um vírus transformou quase todos os seres humanos em zumbis.

EU NÃO TE CONHEÇO DE ALGUM LUGAR?

Os rebeldes são imunes ao vírus, e portanto a CRUEL quer acesso ao sangue deles para tentar desenvolver uma cura. Os conceitos são imediatamente reconhecidos por nerds escolados.

Maze Runner - A Cura Mortal, Delfos
Os rebeldes são os escolhidos sortudos.

Isso de imunes serem usados para cura é algo bastante usado, mas acredito que a maioria dos leitores vai se lembrar de The Last Of Us – que está longe de ter sido a primeira obra com essa história. No jogo da Naughty Dog, no entanto, há apenas uma pessoa imune e ela tem que morrer para o desenvolvimento da cura. Aqui tem centenas de imunes e, aparentemente, eles só precisam fazer algumas doações de sangue.

Outro conceito imediatamente familiar é a sociedade se isolar dos perigos apocalípticos dentro de um muro, deixando boa parte das pessoas – em geral, mais pobres – do lado de fora. Nos primórdios do DELFOS o saudoso George A. Romero lançou um filme que explorava muito bem esta temática: Terra dos Mortos.

A APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS

Maze Runner - A Cura Mortal, DelfosEu até vejo com bons olhos a apropriação de conceitos normalmente usados em obras mais adultas readaptados para o público jovem. Ao mesmo tempo, acho legal que as crianças de hoje tenham um filme como este, um blockbuster em live-action, focado nelas. Quando eu era pimpolho, filmes de criança eram apenas desenhos e um ou outro longa de super-heróis (antes dos filmes de heróis serem bons). Se quisesse um filme de ação tinha que ver coisas como Robocop, e a violência intensa dele me causou pesadelos por semanas.

Maze Runner: A Cura Mortal traz explosões, perseguições, trens, helicópteros e até prédios desabando de uma forma kid friendly, e eu acho isso bem legal, ainda que eu não seja o público alvo. No entanto, eu tive um grave problema com ele, que afetou consideravelmente seu fator entretenimento.

MEU GRAVE PROBLEMA COM ELE

Pelo que vemos única e exclusivamente neste filme, a tal da CRUEL é uma empresa farmacêutica de pesquisa, tentando desenvolver a cura para um vírus que está literalmente ameaçando a existência humana. Os protagonistas, por outro lado, são pessoas imunes ao vírus, que decidem que, por serem imunes, não é um problema deles, e não querem contribuir para as pesquisas.

A cultura pop e a história do mundo é repleta de pessoas que se sacrificaram por um bem maior. Maze Runner, no entanto, me parece ser o único no qual os rebeldes lutam e se sacrificam para não se sacrificarem pelo bem maior. Imagino que nos outros filmes devem mostrar algo além disso que torna a CRUEL de fato cruel, mas aqui os vilões é que parecem estar dispostos a salvar a humanidade.

Claro, do lado dos rebeldes, Minho, o moleque raptado, junto com algumas outras dezenas de imunes, estão sendo presos à força. É um ataque à liberdade individual deles, mas convenhamos, na sociedade somos criados para aceitar que algumas pessoas devem ficar presas pela manutenção do status quo. No caso, se nenhuma das centenas de pessoas que podem salvar a humanidade aceita levar uma agulhada para salvar milhões, não vejo outra opção que não seja a força. A alternativa é aceitar a extinção da nossa raça.

CONTRA A DEMOCRACIA

Veja bem, todos nós sabemos que a democracia é quando a maioria impõe sua vontade sobre a minoria e, como eu estou sempre do lado da minoria, isso me incomoda muito há anos. No entanto, uma coisa é discordar quando a questão é o próximo presidente ou qual sabor de pizza comprar. Outra é você fazer parte da minoria que quer que a humanidade seja extinta. É absurdamente individualista e um papel reservado aos mais megalomaníacos vilões da cultura pop.

Maze Runner - A Cura Mortal, Delfos
Ele está apontando a arma para a raça humana.

Os heróis de Maze Runner querem preservar sua liberdade individual de não levar injeções às custas da extinção da nossa raça. Um discurso que abre o filme mostra um personagem dizendo que a CRUEL acha que a vida dos imunes devem ser sacrificadas para salvar os outros, mas que ele discorda disso. Ora, quem em sã consciência discorda de sacrificar centenas para salvar trilhões? E pelo que vemos no filme, a CRUEL não mata as cobaias, apenas faz teste tirando sangue.

O individualismo é tamanho que um dos imunes considera doar seu sangue apenas quando um de seus amigos demonstra estar infectado. Ora, para salvar toda nossa raça nada feito, mas para salvar um amigo, bora lá?

DANE-SE A HUMANIDADE

A história lembra o fato de a riqueza do nosso mundo estar concentrada em centenas de famílias que poderiam usá-las para resolver tudo, mas ao invés disso, resolvem virar o Batman ou gastar milhares de dólares em uma sobremesa que contém ouro comestível (e sim, isso existe, e o restaurante que vende fica em Nova Iorque).

Talvez este seja o objetivo. Cinema blockbuster é algo feito justamente por essas famílias que concentram a riqueza. Quiçá eles resolveram usar Maze Runner para divulgar o outro lado, o de que eles têm direito de fazer o que quiserem com seu dinheiro e dane-se o resto.

Na real, muito provavelmente a crueldade da CRUEL deve ter sido desenvolvida nos dois Maze Runners anteriores, mas por não ser mostrada aqui de forma alguma, estes foram os pensamentos que habitaram minha cabeça durante a projeção. Ei, que você nunca diga que os textos do DELFOS não são diferentes da mídia padrão.