L.A. Noire

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Tudo indicava que L.A. Noire seria um GTA em um ambiente noir e foi com essa ideia que o comprei. Aliás, mesmo tendo lido numerosas resenhas sobre o jogo, nenhuma delas desfez essa ideia. Qual não foi minha surpresa, então, quando me deparei com um jogo único, criativo e emocionante, muito melhor do que esperava.

EU SABIA QUE ELA ERA PROBLEMA ASSIM QUE ELA PASSOU PELA PORTA

Assim como Heavy Rain, L.A. Noire é uma evolução dos adventures point-and-click, mas por um caminho totalmente diferente do jogo protagonizado por Ethan Mars.

Como Heavy Rain, ele ainda elimina as tradicionais travadas, quando o jogador não sabia mais o que fazer. A diferença é que aqui o foco é menos em uma história que continua independente do que você faça, mas mais em solucionar os casos da melhor forma possível.

Você é Cole Phelps, um policial ambicioso e, sejamos sinceros, não muito agradável como pessoa. No jogo, você acompanhará a carreira do nosso amigo, através de várias promoções que vão colocá-lo a cargo de solucionar os crimes mais variados. Durante o modo história, você vai passar por casos de trânsito, drogas, homicídio e incêndio. Bem variado, não?

TINHA CERTEZA QUE ELE ERA O CULPADO, MAS NÃO TINHA COMO PROVAR

A rotina é simples, mas muito legal. Você vai até o local do crime, conversa com testemunhas, procura por pistas e continua sua investigação a partir daí. Alguns momentos são simplesmente inesquecíveis, como em um caso de homicídio em que você vai até a casa da vítima para conversar com o marido, que deu queixa de “pessoa desaparecida” e encontra apenas a filhinha do casal, que imediatamente pergunta da mãe ausente.

Em outros casos, a simples análise dos presuntos chega a ser chocante, como num caso de incêndio em que toda uma família (casal e crianças) foram queimados vivos e carbonizados em posição de reza. L.A. Noire não é nem de perto tão gráfico ou violento quanto um God of War, mas admito que momentos como esse me chocaram muito mais do que qualquer tripa arrancada na aventura do Fantasma de Esparta.

Nem todos os casos são tão interessantes, é verdade, e a maior parte deles, sobretudo na primeira metade do jogo, é completamente independente dos outros.

O lado ruim são alguns casos em que o jogador deve decidir qual dos dois suspeitos prender, sendo que ambos são inocentes. Não tanto por ter que escolher entre inocentes, pois afinal, a ambição de Cole por casos solucionados é maior do que sua sede por justiça; mas principalmente porque as cenas que vêm a seguir tratam um dos dois como “escolha certa”. Caramba, se os dois são inocentes, ambas as escolhas são erradas, qual o critério usado para isso? E se o chefe sabia qual dos dois era o culpado, porque deixou você escolher e prender o “errado”?

O ROSTO DELE GRITAVA “UNCANNY VALLEY”, E MEU CORAÇÃO GRITAVA AO OLHAR PARA ELE

E já que falamos em suspeitos e testemunhas, essa é uma das coisas mais legais em L.A. Noire. Ao conversar com alguém, você precisa resolver se ele está mentindo ou falando a verdade. Se estiver mentindo e você tiver como provar com algum item encontrado anteriormente, escolha lie. Se estiver mentindo, mas não tiver provas, é doubt. Finalmente, se estiver falando a verdade, escolha truth. E como você sabe o que escolher? Simples, observando as reações das pessoas.

L.A. Noire usa uma tecnologia de captura de movimentos que deixa os rostos de seus personagens absurdamente reais. O problema é que todos os rostos estão nas profundezas do Uncanny Valley. Se você não sabe o que é isso, clique no link. Mas em outras palavras, são quase reais. Só que esse “quase” deixa os rostos um tanto assustadores, o que não acontece em outros jogos com gráficos legalzudos, mas menos reais, como Killzone 3.

Mas de forma alguma pense que eu coloco isso como um defeito. Ok, é um desafio a ser vencido conseguir fazer personagens humanos digitalizados que sejam reais sem serem assustadores, mas ainda assim, L.A. Noire dá um grande passo na direção certa. É fascinante ver os personagens conversando e reparar em detalhes de movimentos que os videogames nunca utilizaram antes, especialmente na região dos olhos. Sério, é impressionante!

O que não é tão impressionante é a atuação dos atores, que muitas vezes exageram nos trejeitos para demonstrar que estão mentindo. Também tem vários personagens que mentem sem nenhum motivo roteiristicamente acreditável. Ok, dá para entender porque uma vítima de estupro de apenas 13 anos (sim, tem isso no jogo) mentiria sobre o crime, mas não dá para dizer o mesmo de uma mulher que vai à delegacia por conta própria por acreditar que pode ajudar a solucionar o crime.

É uma picuinha que não atrapalha o jogo e talvez tenha sido feito porque acreditaram ser bem mais satisfatório provar uma mentira do que acreditar no depoimento original, mas em um game tão focado na história, acaba sendo um erro de roteiro imperdoável quase todas as frases serem mentiras e a dúvida frequentemente ser apenas entre o doubt ou o lie, pois você logo percebe que o truth deve ser utilizado menos de 10 vezes no jogo inteiro.

Também me incomoda a repetição dos mesmos atores para personagens diferentes, inclusive de um ator famoso. Bom, famoso não é exatamente uma boa descrição, mas tem um cara cujo rosto é bem conhecido, pois ele faz personagens pequenos em coisas grandes, como Cougar Town ou o novo Star Trek. Vai dizer que você não conhece esse rosto?

Pois é, esse carinha aí, Bob Clendenin, do qual nenhum de nós ouviu falar, mas cujo rosto todos conhecemos, aparece em vários momentos em L.A. Noire, como personagens completamente diferentes. E se pegaram um rosto tão conhecido para reaproveitar, imagino que tenham feito a mesma coisa com vários outros mais genéricos e eu que não percebi.

EU SOUBE QUE NÃO ERA UM GTA ASSIM QUE ABRI A CAIXA

O forte do jogo é exatamente a investigação, mas aí entra a parte GTA. Você pode dirigir para o seu destino ou mandar o parceiro dirigir, o que serve como transporte instantâneo, mas tirando as missões principais, tem muito pouca coisa para fazer na cidade. Tem 40 sidequests que normalmente são cenas de ação curtas e pouco envolventes e, tirando isso, apenas ficar buscando por rolos de filmes tão absurdamente escondidos que, em 30 horas de jogo, eu encontrei apenas um.

A cidade é linda, sem dúvida, e normalmente eu acabava optando por dirigir eu mesmo apenas para poder admirar toda sua beleza, mas seria legal poder fazer outras coisas, como no próprio GTA. O jogo garante que, pelo menos a região central, foi meticulosamente recriada de acordo com como Los Angeles era nos anos 40. Para nós, brasileiros, isso acaba sendo mais curiosidade do que qualquer outra coisa, mas deve ser bem legal para quem conhece bem a cidade ver locais reais recriados em um videogame. E se não fosse por esse cuidado em recriá-la, eu diria que esse aspecto “mundo aberto” foi enfiado ali por exigência da Rockstar.

O desenvolvimento de L.A. Noire foi bastante longo e conturbado, então seria perfeitamente natural que vários aspectos dele tivessem sido colocados por exigência de engravatados. E, cá entre nós, eu apostaria minhas moedas que foi exatamente isso que aconteceu nas cenas de ação.

Ocasionalmente, você vai se envolver em tiroteios, perseguições e até brigas de braço. E esses momentos não são ruins, mas claramente deixam a dever a títulos de ação e parecem forçados. Para você ter uma ideia, é possível pegar armas largadas por bandidões mortos, mas uma vez que você as pega, não dá mais para trocar. Além disso, as armas têm munição limitada, mas em nenhum lugar do HUD do jogo a quantidade de balas restantes é mostrada. Não dá nem para saber quando é necessário recarregar.

O que achei legal nessas cenas é que elas são realistas. Ao contrário de jogos como Uncharted, em que você controla um sujeito simpático e boa praça que mata centenas de pessoas enquanto faz piadas (e nenhum dos outros personagens vê nada estranho com isso), aqui os tiroteios normalmente envolvem apenas uns três ou quatro bandidos, mais próximo do que seria para um policial na vida real. Só nas últimas duas fases é que o jogo nos coloca em frente a dezenas, talvez centenas de bandidos, mas acho que eles precisavam disso para chamar de clímax. =D

EU QUERIA INVESTIGAR, MAS O ASTRO DO ROCK NÃO DEIXAVA

Para piorar, o jogo usa versões pioradas de marcas registradas da Rockstar, como o minimap circular e a mira em pontinho. A mira em pontinho sempre foi ruim e não está melhor aqui. Ela é pequena e difícil de enxergar, e a Rockstar tanto sabe disso que coloca a opção auto-aim em todos os seus jogos, o que seria completamente desnecessário se utilizassem um design de mira decente. Mas ela é orgulhosa demais para fazer isso, e continua usando um indicativo visual que deixa o jogador sem saber para onde está apontando a arma.

O minimap não costuma ser um problema, mas pioraram consideravelmente o “GPS”. Em jogos como GTA ou Red Dead Redemption, o caminho a seguir fica marcado no mapa. Aqui, fica marcado apenas o seu destino. Para saber onde virar, você tem que ficar constantemente para o seu parceiro, apertando o quadrado. Além de ser chato ter que fazer isso em todas as ruas caso você queira seguir o caminho mais curto, ele demora para responder. E os cinco segundos que passam entre o momento que você apertou o botão e a resposta dele te mandando virar a próxima à direita normalmente são o suficiente para você ter passado quatro ou cinco quarteirões.

A última aresta que me incomoda é que você NUNCA está fora de um caso. Solucionou um, o próximo já começa, exatamente como os capítulos de Mafia II. Isso te impede de explorar sem consequências. E as consequências são severas.

Qualquer batida em outros carros ou em hidrantes vai te custar uma penalidade na quantidade de estrelas que você ganha ao final do caso. Se você atropelar um pedestre então, sai de baixo. Faz sentido, pela história do jogo, mas não faz sentido como design choice para um jogo de mundo aberto, gênero cujo maior apelo sempre foi espalhar o terror sem consequências.

Agora imagina que você resolve fazer uma das sidequests que envolve uma perseguição de carros. Você está sempre dentro de um caso, então tudo que fizer ali vai afetar sua pontuação. E você consegue imaginar uma perseguição motorizada sem danos ao cenário? Pois é!

Assim, se você quiser ganhar cinco estrelas ao final de um caso, o melhor a fazer é deixar sempre seu parceiro dirigir e não fazer nenhuma sidequest, se mantendo no caminho linear da história. E daí entra a pergunta: se é pra ser assim, mundo aberto pra quê?

É uma decisão de design desnecessariamente regrada, que acaba colocando L.A. Noire no grupo de Dead Rising, o grupo dos jogos de mundo aberto que não nos deixam brincar. Neste caso, felizmente, dói menos, porque tem muito menos coisa para fazer do que nos shoppings infestados por zumbis, mas ainda assim não dá para entender essa decisão.

Esses defeitos não estragam o jogo de forma alguma, mas foram chatos o suficiente para impedir que eu desse a nota máxima.

APESAR DAS PROVAS EM CONTRÁRIO, TIVE QUE TOMAR UMA DECISÃO

E essa decisão, amigo delfonauta, é “compre L.A. Noire” caso ainda não tenha feito isso. Assim como Heavy Rain, é o surgimento de um novo tipo de jogo e uma nova forma de se contar histórias. Como tudo que é novo, tem várias arestas a serem aparadas, mas o futuro do gênero promete ser brilhante.

DICA:

Para te ajudar nas conversas, você pode perguntar para os universitários para a comunidade, e usar um ponto de intuição para ver o que a maioria respondeu. E daí vem minha dica, baseada nos meus poderes de observação: é possível saber quando é lie sem usar um ponto de intuição. Selecione o espaço abaixo se quiser saber como:

Ao abrir a tela de intuição, você verá uma frase como “99,7% dos jogadores que usaram um ponto de intuição neste momento acertaram”. A-há, mas usar o ponto de intuição mostra a resposta certa, mas não como você prova se for mentira. Assim, se essa porcentagem estiver em qualquer coisa abaixo de 95%, pode apostar que é mentira. Como os jogadores ainda têm que escolher a prova, acaba abaixando a porcentagem de acertos. Isso nunca falhou para mim, especialmente em alguns casos onde o número chega a ser tão baixo quanto 18%. Por que 72% das pessoas pediriam ajuda para não aceitar a ajuda? Ora, elas aceitaram a ajuda, mas não souberam justificar a acusação! Rá! =D

PS: Os intertítulos desta matéria foram baseadas em frases e situações clássicas do cinema noir. Leia todos eles com uma voz grave e rasgada, como se você tivesse passado os últimos 42 anos fumando 50 maços de cigarro por dia.