Já tivemos dezenas de Dark Souls em 2D. Tivemos Dark Souls no espaço. Há um Dark Souls com armas de fogo. Tem aquele Dark Souls samurai (vários, aliás). Tem um Dark Souls Jedi: Fallen Order, um Darksiders e um Final Fantasy Origins. Até God of War entrou na onda. Tivemos Dark Souls de mundo aberto, sci-fi e gótico. Ah, não podemos esquecer que ainda tivemos três Dark Souls que chamam Dark Souls – e ainda o Demon’s Souls, o precursor de tudo. E estes são só alguns das dúzias de clones e covers que eu cobri aqui no DELFOS. O gênero está saturado? É… um pouquinho. Sabe o que faltava? Um Dark Souls brasileiro. E agora não falta mais nada. Bem-vindo a Dolmen.
O ESTADO DOS GAMES EM 2022 (pule este tópico se quiser saber apenas sobre Dolmen)
Desenvolvido pelos nordestinos da Massive Work Studio, Dolmen mistura várias das características apontadas no parágrafo acima. Trata-se de um RPG de ação com o mesmo funcionamento geral dos jogos da From Software. A ambientação é no espaço, com influências lovecraftianas, exatamente como Hellpoint. As magias são substituídas por armas de fogo, exatamente como Immortal Unchained. E, como não poderia deixar de ser, Dolmen não tem pausa, nem opções de dificuldade. Por quê? Sinceramente, acho que nem os desenvolvedores sabem (um dia vou perguntar para um deles). Até onde sei, os únicos soulslikes com opções de dificuldade são o Final Fantasy Origins e o Star Wars Jedi Fallen Order.
Essa turma anda tão cega com suas influências que simplesmente repete as coisas como papagaios. Dia desses falei no Twitter algo tipo “recapitulação em TV é como pausa e opções de dificuldade em jogos. Todo mundo gostava e usava. Daí alguém tentou fazer algo sem isso e todos os outros copiaram. Hoje praticamente não existe mais”. No caso da TV, quem matou as úteis recapitulações foi o Netflix, e daí agora se você esquecer o que aconteceu na temporada anterior, precisa buscar uma recapitulação feita por fãs. Nos jogos, se sua filha quiser um abraço durante um chefe ou se não tiver tempo para repetir até “git gud“, melhor jogar outra coisa. Se encontrar outra coisa, é claro, já que a indústria só faz isso hoje em dia.
Eu pareço bravo e incomodado, mas é que estou mesmo. E isso não tem a ver com Dolmen especificamente, mas com o estado da indústria dos games. A quantidade de soulslike sendo feitos hoje em dia é como se alguém falasse “vem na minha piscina que é mais molhada que as outras”. Tipo, a diferença é mínima. E o que poderia fazer diferença (pausa e opções de dificuldade) o povo se recusa a colocar. E eu sinceramente não entendo porque uma mídia criativa como os games decidiu se reduzir a um monte de “jogos cover”. Bom, chega de recapitulação da indústria. Vamos falar especificamente de Dolmen?
DOLMEN: O DARK SOULS BRASILEIRO
Apesar da minha saturação do gênero, eu ainda gosto de soulslikes. Na verdade, se pudesse customizar a dificuldade e pausá-los, acredito que não ficaria tão de saco cheio de tantos covers. E Dolmen é um bom soulslike. Ele é muito superior a jogos como Hellpoint, Immortal Unchained e Mortal Shell, por exemplo. Para ser sincero, pelas minhas primeiras horas com ele, estava gostando o suficiente para querer ir até o fim. Vou elaborar o que me fez desistir mais à frente, mas por enquanto vamos falar dos temperos únicos de Dolmen.
Tudo que você conhece de Dark Souls, como administração de fôlego, uso de checkpoints ou funcionamento do multiplayer é igualzinho aqui, então nem vou me estender nisso. Uma das principais novidades são as armas de fogo, que acabam funcionando como as magias dos soulslike tradicionais.
VIDA, STAMINA E ENERGIA EM DOLMEN
Essas são as três barras de status que ficam na tela o tempo todo. As duas primeiras você sabe exatamente como funcionam. A de energia é a mais interessante, e o principal ponto de diferenciação de Dolmen.
Quando você aperta triângulo, ativa o dano elemental. O bacana é que quando faz isso, os ataques consomem energia, e não stamina. Quando a energia acaba, seus ataques voltam ao normal naturalmente (consumindo stamina). Então dá para atacar bastante – e com danos diferentes – antes de precisar “parar para respirar”.
Sua arma de fogo também consome energia como munição. Ou seja, essa é basicamente sua mana, sua barra para ataques elementais e à distância. E a energia se recupera automaticamente, como a stamina, só que de forma bem mais lenta. Mas aí tem o tempero principal.
ELABORANDO A ENERGIA
A energia também é sua fonte de cura. Você pode consumir parte da barra para recuperar imediatamente (inclusive durante uma surra) cerca de metade da vida. A questão é que, ao fazer isso, o tamanho da barra de energia diminui. Ou seja, você vai poder usar menos ataques elementais. E daí temos as baterias.
As baterias são como os estus de Dark Souls. Elas são renovadas nos checkpoints/fogueiras, e consumi-las te deixa imóvel por dois segundos (fatal em chefes e batalhas mais difíceis). Só que quando esses dois segundos acabam, você não recupera vida, mas energia. Ou seja, você usa a energia de forma renovável para ataques elementais, ou pode consumi-la para se curar. Ao fazer isso, só dá para recuperar o tamanho consumindo uma bateria, o que demora dois segundos. Sacou?
Dolmen é muito comum, e imediatamente familiar para qualquer pessoa que já tenha jogado um ou vários dos muitos cover de Dark Souls. Porém, essa pegada com a energia deixa seu combate ainda mais tático. Como em Dark Souls você ainda pode se mover enquanto usa o estus, dá para reagir levemente ao que acontece depois que você ativa a ação. Aqui você pode se curar duas vezes a qualquer momento, mas para restaurar a barra e poder se curar de novo, precisa ficar totalmente imóvel e extremamente vulnerável.
MULTIPLAYER
O multiplayer também é da forma tradicional. Você precisa consumir um item para poder, talvez, sei lá, quem sabe, chamar alguém para o seu jogo. Essas pedras consumíveis também podem ser usadas para lutar novamente contra os chefes. E você vai querer fazer isso porque para criar as armas baseadas nos chefes precisa matá-los pelo menos três vezes.
A diferença é que você não perde apenas XP quando morre, mas também esses itens. Como tradicional, dá para recuperar a XP e essas pedras perdidas “pegando” seu presunto. Mas se morrer antes de voltar ao cadáver, já era. Então se você estiver num chefe, esquecer de pegar o presuntão, e daí ficar cansado e quiser chamar alguém pra matar pra você, não vai conseguir fazer isso, pois todas as suas pedras terão desaparecido.
Em outras palavras, Dolmen é bastante fiel ao evangelho da From Software. E faz um bom trabalho em “imitar o mestre”. Porém, é ainda mais hardcore e inacessível, como quase todos esses covers costumam ser – e se orgulhar de ser, em seu orgulho master race gatekeeper of fun.
O QUE ME FEZ DESISTIR DE DOLMEN
Como dizia o The Smiths, stop me if you’ve heard this one before. O segundo chefe do jogo me deu uma canseira. A falta de pausa fez com que eu ficasse estressado e acabasse afastando minha nenê quando ela vinha me dar ou pedir carinho. Depois de, literalmente, mais de vinte tentativas, consegui matá-lo. Ele ficou deitado no chão. Não levantou, mas não me deu XP. Eu já imaginei o que estava para acontecer.
Fui para a próxima sala, e lá estava a segunda vida do chefe me esperando. Me matou. Para eu tentar a segunda fase de novo, precisava matar de novo a primeira. O que era MUITO difícil. Em mais de 40 tentativas, devo ter conseguido chegar na segunda fase apenas três vezes. Não dá mais para jogar algo assim. Pelo menos não para mim. E esse é o segundo chefe. Imagina como vai ser o décimo. Ou o último.
Não ajudava a quantidade de coisas “externas” presentes na luta. Tá vendo aquela bola azul na imagem acima? Tem um monte delas na arena. E encostar nelas deixa quem estiver encostando em câmera lenta (inclusive o chefe). Além disso, o ataque do chefe te congela, diminuindo sua velocidade em 20% (veja a barra vertical na imagem acima). Então você passa a luta toda congelado e em câmera lenta, deixando tudo muito mais difícil e frustrante do que deveria. E de novo, esse é só o segundo chefe.
DOLMEN É LEGAL, MAS E O CHEF JOSE MARQUES?
Eu explorei toda a área acessível para mim, achei vários atalhos e simplesmente não tem mais o que fazer em Dolmen a não ser matar esse chefe. Ou então está muito escondido. E eu passei mais de uma hora batendo a cabeça contra ele. Resultado? Tive que desistir!
Eu consigo ver muita gente gostando de Dolmen. Ele é um bom cover de From Software. É um daqueles covers que o vocalista até se veste com a roupa do cantor original, sabe? Muitas das qualidades presentes nos jogos originais foram copiadas aqui. E o combate tático, com esse uso elaborado de cura e energia, é bem interessante, e o diferencia um pouquinho dos outros. Tipo como se um cover do Eddie Van Halen tocasse duas notas a mais em um solo, sabe? Você ainda reconhece, mas sente que tem algo a mais, que não estava lá antes.
O problema para mim é a saturação do gênero, e a falta de opções de jogos de ação fora dele. Como um pai de nenê que trabalha, jogos que exigem tanto simplesmente me deixam excluído e frustrado. Talvez eu gostasse disso quando tinha 14 anos, mas hoje, com mais de 40, não dá. Se, depois de terminar Elden Ring, você ainda estiver a fim de mais um cover de Dark Souls, Dolmen se destaca por ser um bom cover, e feito no Brasil. Cabe a você decidir. Vai encarar?