Delfonauta, eu fui vencido! Mortal Shell me venceu. Eu o joguei por cerca de quatro horas, e a única forma que conseguia algum tipo de progresso significativo era literalmente fugindo dos inimigos.

Isso é possível porque a maioria deles é bem lenta. Porém, considerando que, como todo Soulsborne, o foco é no combate, definitivamente ele não foi planejado para um fujão. Além disso, evitar combate significa não ganhar experiência, não conquistar upgrades e, portanto, estar underleveled quando chegar a hora de lutas inevitáveis, como chefes.

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Mortal Shell não é simplesmente difícil. Ele arranca a coroa de Immortal Unchained que, até então, era o soulsborne mais difícil que já tinha jogado. Ele é MUITO parecido com Dark Souls, porém todas as pequenas colheres de chá que o clássico da From Software fornece ao jogador aqui são limitadas ou totalmente inexistentes. Não seria exagero chamar Mortal Shell de Dark Souls Pro.

MORTAL SHELL

Antes de nos aprofundarmos nisso, vamos falar um pouco do jogo em si, e de suas características. Mortal Shell foi desenvolvido por um time de 15 pessoas e, apesar de ser um jogo independente, ele é muito mais caprichado e polido do que, por exemplo, o recente Hellpoint.

O jogo é bastante monocromático, com forte foco na cor cinza, porém seu design é caprichado. O protagonista impressiona e os inimigos são muito bem feitos e criativos. Até mesmo as cenas de morte dos inimigos, algo bem marcante nos games da From Software, também são legais aqui.

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Podia ser menos cinza, mas o design é bem legal.

Você controla um espírito e, durante suas explorações, vai encontrar e habitar presuntos (chamados de cascas/shells pelo jogo). Cada presunto corresponde a uma classe, com estatísticas diferentes. A mais perceptível é a quantidade de vida e de stamina. Em geral, quanto mais vida, menos stamina. Na imagem acima, por exemplo, você vê uma classe com muita vida, mas com stamina bem curtinha, que termina após uns três golpes.

CASCAS E UPGRADES

No torre central, é possível alternar entre as cascas já descobertas à vontade. Porém, uma vez que você saiu dali, é preciso consumir um item para mudar. E, até onde joguei, eu só encontrei dois itens de cada casca, então você acaba ficando bem preso na que escolheu para avançar.

Além das diferenças estatísticas, cada casca tem também uma árvore de upgrades própria. E os upgrades são ridículos de caros. Há duas moedas, tar (o equivalente a almas/XP), que é adquirida ao vencer inimigos e é perdida na morte; e glimpse, bem mais rara e que é dropada muito ocasionalmente no combate. O glimpse você costuma adquirir de um a um. Já tar, um inimigo que demora cinco minutos para morrer dá uns 90. A maioria deles dá apenas 10 ou 20. Agora olha quanto custa um único upgrade.

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4000 tar e 25 glimpse!

Tem só dois upgrades que são mais baratos, custanto 500 tar e 2 glimpse, mas ambos são inúteis. Todos os outros são caríssimos. Em uma vida que eu ia longe, eu acumulava 200 tar, se tanto. Só cheguei aos 500 usando vários itens que davam tarDark Souls Pro indeed.

COMBATE

O combate é bem familiar para quem jogou qualquer soulsborne, mas tem algumas reviravoltas típicas com o objetivo de deixar o jogo ainda mais hardcore. Em especial, você tem duas formas de defesa, mas ambas são limitadas.

A mais criativa envolve segurar o gatilho esquerdo para petrificar seu personagem. Isso torna você imune ao próximo ataque e congela a animação. Tem altíssimo valor estratégico. Você pode iniciar um combo e, se o inimigo se recuperar e for interromper o combo, petrifique-se no meio de um ataque. Quando ele atacar e quebrar a pedra que te envolve, seu combo continuará. É bem interessante mesmo. Porém, é limitado. Você só pode se petrificar uma vez a cada cinco segundos, então não funciona como uma defesa tradicional. E, se o combo do inimigo não for interrompido quando te acertar, você leva todos os outros golpes nas fuças. Cabe a você, portanto, saber quais golpes devem ser combatidos com petrificação e quais você deve simplesmente evadir. Dark Souls Pro e tal.

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A outra forma de defesa é o já tradicional parry. Aperte LB exatamente no momento que um ataque for te acertar, e você abrirá o inimigo para um contra-ataque poderoso. Mas mesmo essa mecânica tão comum tem o seu gimmick em Mortal Shell. Está vendo na imagem acima, duas barrinhas laranjas em cima da barra de vida vermelha? Essa é sua quantidade de parries. Sim, meu amigo, parries são limitados. Se você usar sem ter carga, mesmo acertando o timing, é chute no fiofó. Para recuperar essa barra, você deve vencer vários inimigos em seguida. Basicamente, para usar um único parry, você precisa derrotar cinco ou mais inimigos.

parry não é mais poderoso do que o tradicional. Embora o contra-ataque seja forte e satisfatório, ele nunca é o suficiente para matar um inimigo normal de uma vez, como em Sekiro. Assim, mesmo se fosse dependente apenas de timing, isso não deixaria o jogo fácil, de forma alguma. Essa limitação existe só para deixar Mortal Shell ainda mais hardcore mesmo.

QUALIDADE DE VIDA

As complicações não param por aí. Elementos de qualidade de vida comuns no gênero, como o fast travel entre checkpoints, não parecem existir aqui. E mesmo os checkpoints são bem mais limitados. Basicamente, as “fogueiras” são uma mulher. Ao encontrá-la, você a acorda e, a partir daí, ao morrer, ela te traz de volta naquele local. O fato de ser uma NPC faz com que ela apareça bem menos do que as fogueiras e, mesmo quando aparece, você pode evitar se aproximar por achar que é um inimigo (aconteceu comigo uma vez).

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Essa mulher é o checkpoint.

Outra coisa que não existe aqui são as curas recarregáveis. Tem jeito de se curar, mas é com itens consumíveis, em especial cogumelos. Estes cogumelos são encontrados no cenário e, uma vez colhidos, demoram alguns minutos para aparecerem de novo. E eu só os encontrei na área inicial, que serve de hub. Quando mudei de área, nunca mais apareceu um, o que significa que eu logo fiquei sem cura nenhuma.

COGUMELOS

Ah, e mesmo se você tiver cogumelos, eles curam um pouquinho de vida ao longo de 30 segundos. Então aquela tática soulsborne de se afastar, se curar e voltar à luta não funciona aqui. Usar o cogumelo imobiliza seu personagem por vários segundos e, mesmo que os inimigos não te matem enquanto você estiver comendo, dificilmente você vai conseguir esperar 30 segundos até a sua vida de fato chegar a um ponto mais confortável para lutar de novo.

Por isso mesmo, eu só conseguia avançar evitando combate. Seu personagem em geral morre com quatro ou cinco golpes, então se cada inimigo te acertar uma vez, você não consegue avançar muito se lutar com todos. Além disso, eles sempre vêm em grupos grandes e, até onde cheguei, não há arco, magia, ou qualquer tipo de ataque que permita atrair um a um. O único jeito é lutar com todos ao mesmo tempo o que, você sabe, é suicídio.

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Eu apanhando de uma galera.

Essa ausência de itens de cura é o principal ponto hardcore de Mortal Shell. Até mesmo no até então campeão de dificuldade do gênero, o Immortal Unchained, eu conseguia avançar lutando. Eu conseguia vencer algumas dezenas de inimigos antes de cair, e normalmente caía quando não conseguia me curar a tempo, não por não ter mais possibilidade de cura. Aqui, se você estiver com pouca vida, simplesmente não tem o que fazer para ter alguma chance, a não ser evitar ser atingido de qualquer forma. Mas não para por aí.

EXPLORAÇÃO

Até na exploração, Mortal Shell é hardcore. A primeira área é absurdamente aberta. Pense que você é dropado no meio de um Far Cry, sem mapa e sem waypoints. É por aí. Você tem literalmente dezenas de caminhos para seguir.

Dark Souls também começa mais ou menos assim. Porém, lá você tem uns três caminhos possíveis, não vinte. E você acaba sendo guiado pelos inimigos que habitam cada caminho. Os esqueletos são bem mais difíceis do que os soldadinhos. É assim que a From diz ao jogador que você deve começar pelo caminho dos soldadinhos. Aqui, todos os 20 caminhos são habitados pelos MESMOS inimigos, todos em grupos de quatro ou cinco, e todos MUITO difíceis! Assim, você fica totalmente perdido logo de cara.

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Parece que todos os caminhos passam por acampamentos como esse.

Eu explorei bem essa área inicial e fiquei com a impressão que todos os caminhos acabam se cruzando. Tem um chefe em um canto, que tudo indica que é opcional (eu avancei sem conseguir matá-lo) e só encontrei uma saída, que me levou à área onde passei o resto do meu tempo de jogo.

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O chefe que habita a área inicial me matou uma pá de vezes antes de eu resolver evitá-lo.

Então é possível que o jogo tenha sido tão difícil para mim porque eu acabei indo para uma área “errada”? Sim, é possível. E é o tipo de coisa que acontece quando você joga um jogo desses sem ter guias ou ajuda de outras pessoas (Mortal Shell só sai amanhã, 18 de agosto de 2020). Por outro lado, eu literalmente não encontrei outro caminho. Embora a área inicial seja claramente um hub, que eventualmente deve ser aberto para outras fases, eu só achei uma forma de progredir em minhas explorações.

DARK SOULS PRO

Para ser sincero, eu não tenho dúvidas de que existe um público para jogos como Mortal Shell. Aqueles nerds desocupados que terminam Dark Souls usando uma guitarra de Guitar Hero sem tomar nenhum golpe provavelmente vão encontrar aqui um desafio à altura de suas habilidades.

Com certeza veremos eventualmente vídeos de pessoas terminando Mortal Shell com desafios auto-impostos, como “chegar ao fim sem habitar nenhum presunto”. E, embora eu reconheça a existência desse público, me pergunto se, ao focar APENAS nessas pessoas ridiculamente habilidosas e pacientes, a Cold Simmetry não limitou DEMAIS o seu público.

Particularmente, você sabe que, devido à sua trueza e altas dificuldades, eu já considero que os soulsborne excluem uma quantidade considerável de pessoas que poderiam curtir os jogos. E este vai a um passo adiante. Basicamente, a mensagem que Mortal Shell passa é que, se você não termina Dark Souls jogando com os pés, ele simplesmente não quer saber de você.

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Essa torre foi o único caminho que encontrei para sair da área inicial.

O MAIS HARCORE ENTRE OS HARDCORE

E o curioso é que ele não tem cara de baixo orçamento. Julgando por seus valores de produção, imagino que a Cold Simmetry precisaria vender uma quantidade considerável de cópias para conseguir recuperar o investimento. Mas sei lá, talvez eles não tenham feito Mortal Shell para vender. Talvez a Cold Simmetry seja uma empresa onde todo mundo jogue Dark Souls com tapetes de Dance Dance Revolution e queriam um desafio à altura de suas habilidades. Talvez eles tenham feito Mortal Shell porque de fato queriam que existisse um clone de Dark Souls que separasse os homens dos meninos. E tudo bem, se essa foi sua proposta, é válida.

Ao contrário de jogos como HellpointMortal Shell é um caso de um soulsborne com qualidade, o que anda raro hoje em dia. Ele definitivamente não é para mim, e eu diria que ele não é para a maior parte das pessoas, mesmo as que gostam do gênero. Este é um jogo tão hardcore que faz outros jogos hardcore parecerem casuais.

Leve isso em consideração se estiver considerando comprar Mortal Shell, por exemplo. Se você tem alguma dificuldade que seja com outros soulsbornes, este não foi feito para você. Se quiser uma inserção mais gentil no gênero, vale começar com os representantes mais “fáceis”, como Code Vein ou The Surge 2.

INTERTÍTULO BÔNUS: UMA BASE DE COMPARAÇÃO

Talvez você esteja pensando que Mortal Shell não pode ser tão difícil. Talvez eu que seja ruim mesmo. Bom, talvez eu seja. Definitivamente, não acho que minha habilidade em videogames é exemplar, muito menos minha paciência. Então pensei que vale colocar aqui um pouco da minha experiência com soulsbornes, para você poder comparar com a sua e ver se vale o investimento em Mortal Shell.

Eu terminei os três Dark Souls, e também Bloodborne. Tive dificuldades, eventualmente pedi ajuda de outros jogadores, mas teminei. Já Sekiro, eu joguei tudo e matei todos os chefes opcionais, porém não consegui matar o último chefe. Eu terminei os dois Nioh, com menos dificuldade do que tive nos jogos da From Software.

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Possuindo um presunto em Mortal Shell.

Os jogos mais “fáceis” do gênero, como os supracitados Code Vein The Surge 2, eu terminei numa boa, sem grandes traumas. Também terminei muitos soulsborne em 2D, como Salt and Sanctuary, 3000th Duel e Hollow Knight.

Os mais difíceis, como Immortal Unchained, eu consegui jogar, e fui relativamente longe, mas eventualmente eu travava em um chefe ou em um checkpoint especialmente longo, e acabava desistindo.

E é isso. Como disse, não acho que minhas habilidades no gênero sejam dignas de nota. Assim como eu, muita gente terminou Dark Souls e os outros jogos citados. Então compare suas experiências com as minhas, e daí você vai ter uma ideia de quão difícil Mortal Shell será para você. E, se resolver encarar o desafio, eu adoraria ler suas experiências com o jogo, então volte aqui e me conte como foi depois de jogar.