Guns N’ Roses: Levando a democracia à China

0

Minha vizinha do apartamento de cima inferniza minha vida. É uma barulheira desenfreada o dia todo: móvel arrastando, bolas de gude caindo no chão, ela correndo de tamanco, pulando, etc… É uma criança de uns sete anos, mas isso não dá a ela o direito de poder perturbar o sono e a concentração dos outros, não acha?

O fato é que eu percebi que o que falta para esta pirralha é educação, e resolvi educá-la no melhor estilo Jack Black em Escola de Rock: instalei minhas caixas de som de forma que fiquem praticamente coladas no meu teto, e conseqüentemente direcionadas ao chão do quarto dela. Assim, sempre que ela começa com a barulheira, eu detono alguns Rocks e Metais a um volume ensurdecedor que deixa vibrando toda a estrutura do prédio. Azar o deles.

Se bem que, se formos parar pra pensar, ela até está tendo sorte. Estamos em 2008, e a garota já pôde conferir, na íntegra e gratuitamente, a volta de grandes bandas como Metallica e AC/DC em seus mais recentes trabalhos de estúdio. Ela pode não ver as coisas desse jeito hoje, mas daqui a uns 10 anos, quando todos os riffs, solos e melodias fizerem efeito em seu subconsciente e a transformarem numa “roqueira tr00”, ela vai me agradecer. Ou não, vai ver ela fica traumatizada e vai ouvir o equivalente à Britney Spears de sua adolescência. Vai saber…

Pouco me importa, na verdade. O fato é que 2008 tem sido um bom ano para os admiradores das bandas clássicas do Rock, e minha vizinha pestinha passou os últimos dias ouvindo um dos mais controversos lançamentos desta safra: O Chinese Democracy, de Axl e seus Roses – banda também conhecida como Guns N’ Roses.

A grande polêmica em torno deste álbum se deve a seu histórico problemático. Por isso, vamos a um pouco de historinha, recapitulando todo o contexto pertinente a este lançamento:

Tudo começou já na época da gravação dos discos Use Your Illusion I e II, quando a banda passou a experimentar novos sons além da fórmula de sucesso de seu disco de estréia. O resultado foram dois álbuns explorando uma maior diversidade de estilos, já demonstrando uma tendência para o experimentalismo, alternando entre faixas rápidas mais influenciadas por Punk Rock, até longas músicas épicas com o uso de piano (algo que a banda não havia feito até então).

De acordo com a biografia oficial do Slash e declarações de outros integrantes, foi nessa época que a banda começou a se dissolver. A personalidade excêntrica de Axl Rose, talvez exacerbada pela enorme fama que inflara seu ego, o tornava uma pessoa difícil de se conviver. Foi esse o estopim para a saída do guitarrista Izzy Stradlin (autor de boa parte do material da banda), ainda na época da turnê desses álbuns. Eram comuns as queixas ao comportamento maluco de Axl, que deixava o palco na metade dos shows sem dar nenhuma explicação, chegava sempre atrasado e praticamente não convivia mais com a banda. Aliado a esses aspectos já não muito fáceis, entra o fato de Axl ser um “control freak”. E se o que mantinha a banda unida, além do dinheiro e da fama, era a sintonia nas composições musicais, talvez até isso estivesse começando a ir embora.

Uma pista que temos para considerar isso seria a última faixa do Use Your Illusion II, My World, uma espécie de rap de Axl, sobre uma base totalmente eletrônica com o toque especial de gemidos eróticos femininos. Para quem tem a cabeça mais aberta musicalmente, não dá para dizer que a faixa é ruim, no mínimo é algo curioso. Mas para quem é mais tradicionalista com relação ao Hard Rock (como o Slash), a faixa não é muito bem recebida. Pois é, e esta faixa foi incluída no disco a pedido (ou a mando) de Axl, sem que o restante da banda soubesse. Imagina se os caras já não estavam bravinhos com a situação.

O canto de cisne do Guns N’ Roses como o mundo o conheceu foi em 1993, com o lançamento do disco de covers The Spaghetti Incident?, que na verdade havia sido, em sua maioria, gravado durante a época do Use Your Illusion. E mais uma vez Axl incluiu uma última faixa polêmica sem o conhecimento da banda, Look at Your Game, Girl, cover acústico de uma música composta pelo assassino e popstar estadunidense Charles Manson. O álbum não fez lá tanto sucesso, a não ser pela balada romântica que foi usada como single, Since I Don’t Have You. A banda já estava mais para lá do que para cá.

Foi então que começaram os planos para a gravação de um novo álbum de inéditas, e aí os problemas de relacionamento envolvendo as diferenças entre Axl e os outros integrantes se acentuaram ainda mais. Tudo porque Axl queria uma mudança no som da banda – intenção que ele já havia demonstrado com My World. A idéia dele era fazer Rock Industrial, algo na linha do Nine Inch Nails. Slash odiou a idéia e saiu do Guns N’ Roses. Os outros integrantes saíram em seguida.

De 1994 a 1998, Axl esteve ocupado procurando novos integrantes para o Guns N’ Roses, nome que ficou com ele. O único que permaneceu ao lado de Axl foi o tecladista Dizzy Reed, que havia entrado na época dos Illusions. A nova formação presenciou uma ida e vinda de integrantes nesses 10 anos até o lançamento de Chinese Democracy. Mas os únicos que permaneceram como núcleo desta nova banda, além de Axl e Dizzy, foram Robin Finck (que esteve sempre se alternando entre o Guns e o Nine Inch Nails durante esse período) na guitarra, Tommy Stinson no baixo e Chris Pitman – multi-instrumentista que age como uma espécie de co-produtor do novo som mentalizado por Axl.

A nova formação lançou o single Oh My God em 1999, como música-tema do filme Fim dos Dias (aquele em que o Schwarza manda alguns demônios de volta para o inferno). O estilo era totalmente diferente do que as pessoas conheciam como Guns N’ Roses: Rock totalmente industrial, beirando o Metal de grupos como White Zombie, porém com o característico vocal agudo de Axl..Uma combinação ousada que muitos fãs não gostaram. Essa seria uma prévia do álbum que deveria ser lançado “em breve”: o Chinese Democracy.

No entanto, nove anos se passaram, a banda fez algumas turnês, incluindo uma passagem pelo Brasil no Rock in Rio 3, em 2001, faixas demo vazaram na internet, mas nada de disco mesmo. Chinese Democracy virou motivo de piada. Enquanto isso, para preencher o buraco deixado por Slash nas apresentações ao vivo do Guns N’ Roses, Axl recrutou o guitarrista virtuose malucão esquizofrênico Buckethead. Era um guitarrista bem diferente, tanto no estilo de tocar quanto na postura, mas o fato é que, quando o público finalmente vinha se acostumando com essa nova cara do Guns, “Bucket” chutou o balde e saiu da banda. Dois malucos no mesmo grupo não dá…

Atualmente, não se sabe qual a formação exata do Guns N’ Roses. O guitarrista Robin Finck voltou para o Nine Inch Nails para a gravação do último álbum, The Slip, e está fazendo shows com o grupo. Não se sabe se ele volta para o Guns. Enquanto isso, estão fixos os obscuros e pouco-carismáticos guitarristas Richard Fortus e Ron “Bumblefoot” Thal. Essa falta de identidade da nova banda é o que faz muitas pessoas chamarem o Chinese Democracy de “álbum solo do Axl”.

Certamente é difícil aceitar que o Guns N’ Roses agora seja algo totalmente diferente do que conhecíamos. Afinal, na época em que surgiu, a banda fez um estrondoso sucesso por resgatar uma certa autenticidade do Rock. Em meio a tantas bandas de Hair Metal genéricas e bobinhas (apesar de divertidas) que reinavam no meio musical estadunidense, os caras surgiram com uma dose de originalidade tremenda, tanto musicalmente quanto em termos de atitude. Com toda aquela rebeldia de quem veio do submundo de Los Angeles, o Guns N’ Roses era tudo o que os mauricinhos de classe média que compravam os discos gostariam de ser. Com a vantagem de que ouvir o som do grupo, assistir aos videoclipes e ir aos shows era algo mais seguro do que de fato viver perigosamente.

Está faltando surgir um novo Guns N’ Roses na atualidade, mas isso é assunto para outro texto, pois agora chegamos em 2008. Slash, Duff e Matt continuam na ativa (mais ou menos) com o Velvet Revolver, com a proposta de manter o som fiel do Hard Rock, sem muitas experimentações. O primeiro álbum foi muito bom e veio muito a calhar, mas o segundo já passou batido, com muitas músicas repetitivas e sem sal. O VR é (ou pelo menos era) visto por muitos como o último refúgio do Hard Rock na forma de uma grande banda. E eis que então, finalmente, sai o Chinese Democracy de Axl. E isso fica para amanhã e depois, em duas resenhas completas e exclusivas.

Galeria