Game of Thrones, o jogo

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A primeira vez que eu ouvi falar de Heavy Rain, confesso que torci o nariz. “Um jogo-filme em que você praticamente não joga e só faz escolhas? Isso existia aos montes na época do Sega CD e eram uma porcaria”, dizia eu. Ah, as certezas da juventude.

Quando o game de The Walking Dead começou a fazer sucesso, eu confesso que não liguei. Não tinha (e ainda não tenho) interesse na série nem na HQ, não gostava desses “games-filmes do Sega CD” e, principalmente, eu não gosto de zumbis (algo que faz todo mundo aqui da redação me olhar torto até hoje), então por que eu iria me interessar?

Porém todo este preconceito foi por água abaixo depois que um amigo meu me convidou para vê-lo jogar The Walking Dead. No começo relutei, mas os personagens eram tão carismáticos, a arte era única e a história era tão intrigante que 10 minutos depois eu já estava ajudando meu amigo na escolha enquanto comprava o game para mim no Steam.

Agora, a Telltale embarca mais uma vez no mundo das franquias famosas com uma adaptação de Game of Thrones, a violenta série de TV inspirada na saga As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin. Embora o primeiro episódio do game tenha sido lançado no final de 2014, o sexto e último foi lançado na semana passada e agora, com a primeira temporada completa, eu resolvi contar como foi esta aventura digital pelos Sete Reinos em formato digital.

O JOGO DO JOGO DOS TRONOS

Como em The Walking Dead, você não controla nenhum personagem da série, mas sim personagens criados especialmente para o game.

Aqui, conhecemos os membros da Casa Forrester, uma família nortenha bastante conhecida pelo comércio de pau-ferro, um tipo de madeira bastante dura e difícil de queimar, bem como a fabricação de itens com esta madeira, em especial escudos e navios, bastante visados por todos os Sete Reinos. O lema deles é “iron from ice” (ferro do gelo), que eu achei bem maneiro e daria um ótimo título de disco de heavy metal.

Porém diferente da série dos comedores de miolos em que a história é auto-contida e você não precisa saber de nada da série de TV ou das HQs que a originou, aqui os eventos são intimamente ligados ao que rola na trama principal. Então se você nunca assistiu à série da HBO ou não leu a saga As Crônicas de Gelo e Fogo, este game infelizmente não é para você.

Para exemplificar o que eu digo, a primeira cena do game ocorre já de cara durante o Casamento Vermelho. Nós não vemos a fatídica morte de Robb Stark, mas estamos do lado de fora das Gêmeas, lutando contra as hordas de traidores de Walder Frey. Se você conhece a história, estes nomes devem ser bem familiares, mas caso não seja este o caso, você provavelmente não entendeu lhufas do que eu estou falando e provavelmente não entenderá o game também.

IRON FROM ICE

Assim como na série e nos livros, não temos um único personagem central, e de tempos em tempos o ponto de vista muda de um personagem para o outro. Vou apresentar os personagens e comentar um pouco sobre suas tramas, sem dar nenhum spoiler.

O primeiro personagem que conhecemos é Gared Tuttle. Gared não tem laços de sangue com a família, porém serviu desde pequeno como escudeiro do patriarca, Gregor Forrester, o que faz com que ele seja tratado como um parente próximo. Após alguns perrengues, Gared é incumbido de uma missão importantíssima e enviado para a Patrulha da Noite.

Ethan é o primeiro Forrester que controlamos. Terceiro na linha de sucessão e irmão gêmeo de Talia, o rapaz sempre foi mais dado às artes e à música do que à guerra ou aos negócios. Porém quando seu pai e seu irmão perecem no Casamento Vermelho, é Ethan quem deve assumir o posto de lorde de Ironrath e impedir que Ironrath caia nas mãos dos Whitehill], a Casa rival.

Mira Forrester é a terceira filha e primeira mulher. Ela está em Porto Real, servindo como donzela de Margaery Tyrell para aprender os modos da corte. É Mira quem interage com a maior parte dos personagens famosos da série, tentando conseguir favores para ajudar a sua família no Norte.

E finalmente temos Asher Forrester, o segundo filho e ovelha negra da família. Asher foi exilado de casa por ter desobedecido as ordens do pai ao se engraçar com uma moça Whitehill na juventude e agora vive como mercenário em Essos, mas agora tem de voltar para casa a pedido de seu tio, Malcolm.

A partir do segundo episódio, um novo personagem entra em cena, mas falar mais que isso é spoiler e eu não vou estragar a sua surpresa.

Uma coisa que eu achei bem legal é que a qualquer momento você pode pausar o game e ler o codex, uma espécie de perfil resumido dos personagens caso você não se lembre quem é quem ou quiser saber um pouco mais do background dos Forrester.

Dos personagens famosos, apenas seis dão as caras: Cersei Lannister, Ramsay Snow, Margaery Tyrell e os queridinhos Tyrion Lannister, Jon Snow e Daenerys Targaryen (e dois de seus três dragões), todos eles dublados pelos seus respectivos intérpretes da série de TV. Ao contrário do que geralmente rola neste tipo de jogo, eles possuem papéis importantes na trama e estão fielmente retratados.

O JOGO DAS ESCOLHAS

Como um todo, a trama é bastante envolvente e te prende até o fim do sexto episódio, do jeito que só a Telltale sabe fazer. Porém, nem todos os pontos de vista são iguais e eu acabei gostando mais de uns que de outros. Para mim, os melhores foram os de Ethan e de Asher.

No primeiro é onde você realmente sente a tensão e o peso de suas decisões, afinal qualquer resposta torta pode te fazer entrar em guerra com os Whitehill, que tem um poder militar bem maior que o seu e o apoio do rei. Mas se abaixar a cabeça, seus súditos deixarão de acreditar em você e seu próprio inimigo não te respeitará. Então você precisa achar um meio termo entre estes dois pontos.

A trama de Asher não possui toda esta tensão, mas é onde rolam mais cenas de luta e até uma missão stealth no melhor estilo Metal Gear. Some isto ao carisma cafajeste do personagem e a diversão é garantida.

Com Gared eu não consegui me afeiçoar muito. No início, eu achei sua história parecida demais com a do próprio Jon Snow. Lá pelo quarto episódio ela dá uma boa reviravolta e se torna a história mais misteriosa do jogo, mas ainda assim eu não consegui me envolver tanto.

Já a história de Mira eu sinceramente achei um porre. Como a gente tem que ficar interagindo com pessoas poderosas que não se bicam muito, temos que usar de máscaras e ir conquistando cada um sem o outro saber. Eu achei pouco empolgante e por vezes até confuso. Talvez eu não tenha jogado corretamente e no final, senti que eu fui um belo de um hipócrita.

Agora, teve uma coisa que eu realmente não gostei. Em uma certa parte eu tenho que escolher entre X e Y. Na ocasião, eu escolhi X. Mais para frente no jogo eu descubro que há um traidor em meu meio e ao fim do quinto episódio eu descubro que o traidor é Y, o que eu confesso achei bastante clichê, porque este é um caminho muito óbvio. Como eu não tinha tempo para rejogar tudo de novo, procurei na net o que aconteceria se eu tivesse escolhido Y e adivinha só, o traidor ainda existe e ele é X!

Eu realmente acho que seria bem mais interessante se o traidor fosse apenas um único independente da minha escolha, pois isto não só mostraria que a pessoa é mau caráter como também poderia fazer você se arrepender se escolhesse ele. Ou então fazer com que eu acredite que o traidor seja X ou Y mas no fim ser Z, de quem eu jamais desconfiaria.

PROBLEMAS DO REINO

Em termos técnicos, eu não senti praticamente nenhuma diferença para com The Walking Dead. Isto significa que não temos nada como as investigações mais elaboradas de The Wolf Among Us.

Uma coisa que eu achei que atrapalhou bastante foi o tempo para escolher a resposta, que sinceramente parece ser bem mais curto que os de The Walking Dead. Eu confesso que não cheguei a cronometrar ambos os jogos para saber se ele é realmente mais curto. Talvez eles até sejam do mesmo tamanho, mas as descrições das opções em Game of Thrones são bem mais longas que a do jogo dos mortos andantes e o tempo para lê-las e ponderar sobre elas em muitos casos é insuficiente.

Uma coisa que eu não curti foi que, por duas vezes nas recapitulações dos episódios anteriores, apareceram cenas totalmente diferentes das que eu escolhi. Em uma parte, por exemplo, eu tenho que escolher entre golpear o peito ou o braço de um adversário. Eu escolhi por golpear o braço, mas na recapitulação apareceu meu personagem golpeando o dito cujo no peito. Tudo bem que este é um problema minúsculo e não afetou minha história, mas escolhas são a parte fundamental deste game e já que vai aparecer assim de uma forma ou de outra, então por que me fizeram escolher esta ação em primeiro lugar?

Outro fator que me incomodou bastante foi a arte: o character design usa o mesmo estilo dos demais jogos da Telltale que todos amamos. Mas os cenários tiveram um acabamento diferente, como se fossem uma pintura antiga. É muito lindo, mas quando você coloca em contraste com os personagens, eles ficam com uma “aura” serrilhada, especialmente nos ombros. Por um tempo, eu achei que o problema estava no meu computador, mas tentei várias configurações gráficas diferentes e até liguei o laptop na TV, mas o problema persistiu de todas as formas, até que resolvi pesquisar na intenet e descobri que é um problema do jogo mesmo.

Não chega a atrapalhar, mas deixa um certo desconforto. Em algumas partes, também acontece de os gráficos se sobreporem de uma maneira que não deveriam, o que me dá a crer que faltou um cuidado maior com o polimento.

O INVERNO AINDA VAI CHEGAR

Apesar dos problemas citados e de não trazer nenhuma inovação à formula da Telltale, Game of Thrones é um ótimo jogo e que realmente faz você se sentir dentro do mundo nem tão mágico e pouquíssimo amigável da saga de uma forma que poucos games licenciados conseguem.

Se você gosta da história criada por George R. R. Martin, seja nas páginas dos livros ou na telinha, com certeza deve jogar este game, mesmo que você não tenha muita familiaridade com videogames, pois é uma experiência que realmente enriquece a franquia.

CURIOSIDADES:

– Embora todos os personagens principais tenham sido criados exclusivamente para o game, a Casa Forrester é citada brevemente por Asha Greyjoy em A Dança dos Dragões, o quinto livro da série. Já as Casas Whitehill, Branfield e Glenmore só existem no game mesmo, pelo menos por enquanto.

– Quando eu estava baixando o game pela Steam, o Corrales me perguntou se eu já não podia jogar o primeiro episódio. Estranhei a pergunta, pois pra mim era óbvio que eu só poderia jogar quando o jogo tivesse baixado todos os capítulos de uma vez. Mas aí ele me disse que nas versões de console é possível baixar um capítulo por vez. Quem diria que ao menos em uma coisa os consoles seriam mais rápidos que o PC, não?

– Ainda neste assunto, eu comecei a jogar o game numa segunda-feira. Na terça, o sexto episódio foi lançado, mas comecei a jogar normalmente. Até um momento em que resolvi dar uma pausa na jogatina. Quando voltei a jogar, a Steam começou a baixar o sexto episódio e eu tive que esperar o download concluir para poder voltar a jogar.

– Eu nunca assisti a um episódio sequer de Game of Thrones, mas já li todos os cinco livros da série As Crônicas de Gelo e Fogo. Antigamente, eu era um purista, mas hoje em dia não vejo problema algum em existir a série, só não assisto porque eu não tenho paciência para ver tudo de novo. Mas devo confessar que um pedaço da minha alma gangrena um pouco sempre que ouço alguém chamar “os Outros” de “white walkers”.
NÃO DEIXE DE LER TAMBÉM:

A Guerra dos Tronos: As Crônicas de Gelo e Fogo – Livro Um
A Fúria dos Reis: As Crônicas de Gelo e Fogo – Livro Dois
A Tormenta de Espadas: As Crônicas de Gelo e Fogo – Livro Três
O Festim dos Corvos: As Crônicas de Gelo e Fogo – Livro Quatro
A Dança dos Dragões: As Crônicas de Gelo e Fogo – Livro Cinco

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Nota
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Lucas Fernandes Corrêa
Lucas Fernandes Corrêa teve seu senso crítico forjado por games, HQs de super-herói e bandas de metal épicas que quase ninguém conhece. Para ele, quanto mais exagerado, prepotente, pomposo e gloriosamente ridículo for algo, melhor e mais divertido.
game-of-thrones-o-jogoAno: 2014/2015<br> Gênero: Adventure<br> Plataforma: PC, Mac, PS3, PS4, Xbox 360, Xbox One, Android e iOS.<br> Fabricante: Telltale<br> Versao: PC<br> Distribuidor: Telltale<br>