Emmanuelle: a musa de uma geração

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Nesta quinta-feira, demos uma notícia sobre mais uma vítima da implacável e inevitável Dona Morte. A atriz holandesa Sylvia Kristel faleceu, após anos lutando contra um câncer na garganta, em sua cama enquanto dormia. Seria apenas mais uma idosa que deixava este mundo se, por trás deste nome, não estivesse um mito, uma lenda, um ícone para todos aqueles que têm mais de 20 anos. A mulher que já foi ao espaço e encantou até os extraterrestres:Emmanuelle.

Você, jovem, que cresceu com as maravilhas da modernidade, com a internet banda larga, o wi-fi e o Youtube, talvez até desdenhe de tamanho apreço e veneração. Afinal, os filmes de Emmanuelle são filmes toscos, que mal mostram alguma coisa, no máximo peitinhos e pelos pubianos (pelo menos os que passavam no Cine Band Privê eram assim). Você, da geração Xavier Vídeos e Tubo Vermelho, não deve ver graça nenhuma nestes filmes onde as garotas não se raspam e não se ouvem gemidos, mas sim uma trilha safada de motel conduzida, na maioria das vezes, por um saxofone sem-vergonha. E você não entenderiamesmo este sentimento que nós, que vivemos essa época, temos, nem se pesquisasse na Wikipédia.

Lembrar de Emmanuelle é lembrar da nostalgia de uma época em que a gente não tinha ctrl + c nem crtl + v, e os trabalhos de escola eram copiados à mão de uma enciclopédia em papel. Uma época na qual a gente não podia baixar nossa série preferida na internet, e tinha que esperar passar em algum canal aberto e aturar traduções horrendas, incluindo quase sempre um “da pesada” ou “do barulho” ou até mesmo um “E. Teimoso”. E o pornô? Que sacrifício! Você acha que era só ter vontade e, com poucos cliques, conseguiria material infinito para sua diversão solitária? Que nada. A gente tinha encontro marcado com a Emmanuelle. Sim, até a masturbação era mais romântica do que hoje em dia.

Lembro-me que fazia um enorme sacrifício para ficar acordado nas noites de sábado. Me esgueirava sorrateiramente para a TV e, com o mínimo de barulho, ligava-a e deixava no mudo. Ao menor ruído de qualquer lado que fosse, o coração batia mais forte e era um desespero para pegar o controle e mudar de canal. E, na maioria das vezes, é claro, o barulho era só fruto da nossa fértil imaginação.

Mas não pense que eu também sou tão velho assim. Eu peguei a popularização dos computadores no Brasil ainda na minha infância, com o saudoso Windows 95! E a internet, naquele tempo, era algo mágico e revolucionário, mas longe do que é hoje. É claro que, em pouco tempo, a gente descobriu o verdadeiro propósito da rede mundial de computadores: ver pornografia. Mas me lembro que, para carregar uma foto de mulher, eu levava horas na minha internet discada. Às vezes ficava uma noite inteira para ver três, quatro imagens, lutando contra a rede que caía sem parar e com toda a expectativa da foto que carregava pedaço por pedaço, lentamente, revelando aos poucos o corpo nu da garota. Era como assistir a um strip-tease virtual.

Emmanuelle representava tudo isso. E não pense você que sou daqueles saudosistas que bradam aos quatro ventos que “na minha época tudo era melhor”, de forma alguma. As evoluções chegaram, melhoraram nossa vida, e isso é ótimo (afinal, sem a internet de hoje você não poderia acessar seu site preferido, o DELFOS!). Mas este texto é uma “ode” à nostalgia daquele tempo onde tudo era mais difícil, e a gente dava mais valor para as coisas. Naquela época, cada peitinho significava algo, caramba!

Lembro-me ainda da jornada épica que foi comprar minha primeira Playboy (sim, a gente comprava, não tinha scan na internet). Combinei com meu amigo e, no melhor estilo Cebolinha e Cascão, fizemos nosso plano infalível: como pediríamos, como esconderíamos, como entraríamos em casa com as revistas sem sermos vistos, etc.

Lembro que fomos em várias bancas, procurando uma revista de um mês anterior. Rodamos a cidade em busca da nossa “garota”, até encontrá-la em uma das últimas bancas, quando não tínhamos mais esperanças. Mas eis que surge um empecilho: a vendedora era uma senhorinha oriental. Travamos na hora. Perdemos totalmente a coragem. Mas não podíamos sair dali sem conseguir nossa tão sonhada revista. Então, num ato de bravura, nos enchemos de coragem e falamos: “a senhora pode nos vender uma Playboy?”.Nos sentimos os maiores criminosos da face da Terra, de deixar Pablo Escobar com inveja.Era como se estivéssemos comprando drogas. Ela olhou para nós e, com um sorriso de como se estivesse vendendo um pão, disse: “é claro”. E assim compramos nossa primeira Playboy nesta jornada épica que, para nós, na época, merecia cantos e hinos em louvor à nossa audácia, e que deixava qualquer viagem levando um anel para Mordor no chinelo. =P

Com esta história, encerro este nostálgico texto, que não tem intenção de dizer que as coisas eram melhores nem piores, e sim apenas fazer uma singela homenagem à nossa musa e, principalmente, a um tempo onde as coisas eram mais difíceis e, mesmo assim, pareciam mais simples. Obrigado por tudo, Emmanuelle. Sou um orgulhoso filho de sua geração, cheio de nostalgia e sorriso nos lábios. Não esqueçam de prestar as suas homenagens! Além das que prestávamos todo sábado na adolescência, claro. 😉

Curiosidades:

-Apesar de citar Emmanuelle no Espaço – O Sentido do Amor, de 1994, a atriz que fez este filme já não era mais Sylvia Kristel, e sim Krista Allen.

Emmanuelle ganhou diversas versões em vários países, com diferentes atrizes e histórias. Mas as versões autorizadas do filme são as que têm Emmanuelle com dois “M”. Então já sabe, se tiver um “M” só, é pirata.

-O primeiro filme de Emmanuelle é de 1969, e se chamava Io, Emmanuelle, com a protagonista interpretada por Erika Blanc.