Poucas pessoas discordam da afirmação de que o Game Pass é um dos melhores negócios do mundo dos games. E é verdade. A quantidade de jogos bacanas disponíveis pelo valor da assinatura é enorme. O sujeito que tem Gamepass consegue jogar vários jogos inéditos todo mês sem ter que pagar um a um. E sim, isso é ótimo.
Porém, há um lado muito negativo que eu temia que acontecesse desde que o mundo dos games começou a namorar o modelo de assinaturas. E a apresentação que a Microsoft e a Bethesda fizeram na E3 no último domingo, 13 de junho de 2021, mostra esse cenário começando a se concretizar.
GAMEPASS E O VÍCIO DAS ASSINATURAS
Qualquer serviço de assinatura tem o objetivo de adquirir usuários e mantê-los assinando, de preferência para sempre. Há duas formas de fazer isso: criar conteúdo novo frequente, ou criar conteúdo que mantenha o cliente engajado por muito tempo. Você sabe qual desses é mais barato e mais fácil, não sabe?
A Sony repetidamente diz que esse tipo de modelo não é viável para o seu ecossistema. Afinal, os estúdios da Sony são conhecidos por criar experiências single player focadas na história. É o tipo de jogo que você joga uma vez e parte para a próxima. Talvez depois de um tempo você queira jogar de novo, mas sua vida útil é menor do que um multiplayer ou live game. Porém, seu valor artístico e cultural é muito maior. A própria Sony, quando se aventura em criar algo com um engajamento mais longo, acaba tropeçando, vide Destruction AllStars.
Porém, a Microsoft demonstrou nessa coletiva que seu altíssimo investimento em estúdios de games tinha um objetivo: fazer o que a Sony não quer/não consegue.
O foco ficou bem claro. Foi-se a época em que a Pequenomole lançava campanhas single player de alta qualidade, como Ryse (e sim, eu sei que essa é uma opinião polêmica, mas eu amo esse jogo). O futuro do Xbox está cada vez mais claro: jogos multiplayer, de preferência em mundo aberto, e muito provavelmente recheados de grinding, cosméticos e microtransações. Gears 5 já anunciava esse futuro, e a E3 2021 o está consolidando.
A APRESENTAÇÃO DA MICROSOFT E BETHESDA NA E3 2021
Estúdios conhecidos por experiências single player de alta qualidade, como a Arkane e a Avalanche, estão se aventurando no coop. A Avalanche sempre fez mundo aberto, mas no caso da Arkane, Redfall será seu primeiro jogo seguindo essa linha, muito diferente do que fez o estúdio ficar conhecido e querido. O que mais tivemos dos estúdios da Microsoft? Grounded, Sea of Thieves, Flight Simulator… são todos jogos focados em prender o jogador pelo máximo de tempo possível, sem campanhas tradicionais. Forza Horizon 5 terá uma campanha, mas a ideia é claramente focar no multiplayer e assim manter a galera jogando coisas repetidas mesmo depois que o conteúdo acabou.
Talvez a única exceção first party apresentada ali seja Psychonauts 2, jogo que está sendo feito há mais de uma década, muito antes da Double Fine ser adquirida pela Pequenomole. Além disso, seu escopo é bem mais próximo de um indie do que de um AAA.
Caramba, até a Ninja Theory, estúdio conhecido por campanhas single player de alta qualidade foi só ser engolfada pelo modelo do Game Pass que soltou o fraco Bleeding Edge, o primeiro jogo multiplayer (e ruim) de toda a sua história.
A questão é que a relação “custo de produção X tempo de jogo” de uma campanha single player de alto orçamento é pouco vantajosa. Jogos como The Last of Us 2, Ratchet e Clank ou God of War precisam ser vendidos a la carte. Para isso fazer sentido no ecossistema de uma assinatura mensal, seria necessário soltar um jogo desses com frequência, de preferência todo mês, o que é claramente impossível. Mesmo com os bolsos sem fundo do tio Gates. Sem esse tipo de “incentivo”, os clientes vão assinar o serviço no mês de lançamento de um jogo, terminá-lo e só voltar a assinar quando sair o próximo, quando repetirão essa sequência.
GAME PASS E A MINHA ANSIEDADE
E eu sofro de ansiedade por isso desde o início da geração passada, quando as primeiras cores desse futuro começaram a ser pintadas. Lembro de ter comentado com o Luiz Felipe Lima quando cobríamos a BGS que tinha medo de que os consoles virassem jogos de celular. E com o Game Pass, isso está cada vez mais próximo.
Claro, há gosto para tudo. E meu lado tolerante diz que há espaço para jogos premium estilo Sony e para jogos multiplayer de serviço como os que a Microsoft quer para ela. Porém, meu lado realista teme que os jogos que realmente me agradam, que são o lado premium da moeda, sumam totalmente no futuro. Eles já são extremamente raros hoje, vivendo quase exclusivamente nos first parties da Sony e no repertório de algumas empresas como a Capcom. A apresentação da Pequenomole me mostrou anteontem que eles já desistiram de competir nesse mercado. Agora o jogo deles é outro.
GAME PASS E OS LIVE GAMES
God of War é, em 2021, o mesmo excelente jogo que ele era em 2018. Gears 5, por outro lado, já recebeu temporadas, DLCs pagos (incluso no Game Pass, mas pago para quem comprou o jogo no lançamento) e muitas outras mudanças que o tornam consideravelmente diferente do que ele era em 2019. Já teve marketing cruzado com filmes hollywoodianos. Caramba, até o ícone do jogo na dashboard do Xbox mudou várias vezes nesse tempo. Essa é a jogada da Microsoft. É a estratégia para manter você jogando seus first parties por muito tempo, e assim continuar assinando o serviço.
E, com todo o respeito a quem curte esse tipo de produto (pois isso é o que os vindouros jogos da Microsoft são): para mim, comparados com experiências como The Last of Us 2 e Resident Evil Village, esses jogos coop/competitivos que almejam horas infinitas de jogo, estilo Back 4 Blood ou The Division e, sim, até o próprio Gears 5, são lixo. E, se esse será o futuro dos games, o MEU futuro provavelmente será retrô.
Revisado por Yohan Barczyszyn