Prey: quando a presa é você

Um reboot que ignora o original.

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Prey é um jogo de 2006 desenvolvido pela Human Head Studios e publicado pela 2K Games. Era um jogo de tiro bem rápido (não existia a necessidade de recarregar as armas, por exemplo) que contava a história de uma invasão alienígena sob o ponto de visto de um índio norte-americano. Pois é, a ideia é bem legal, mas o jogo final não era grande coisa não, e acabou sendo mais lembrado por sua excelente trilha sonora licenciada que trazia grandes nomes do rock, como Judas Priest e Heart. Uma continuação chegou a ser anunciada, mas ela nunca viu a luz do dia.

Prey também é um jogo de 2017, desenvolvido pela Arkane Studios e publicado pela Bethesda. Você deve reparar que são empresas totalmente diferentes das que lançaram o original. Oficialmente, é divulgado como um reboot, o que por si só já causa estranhamento. Um reinício para uma série que falhou até mesmo em virar série? Curiosamente, ele abre mão do protagonista nativo americano em nome de um cientista asiático, que você pode escolher se é uma mina ou um sujeito. No lugar da invasão alienígena, temos experimentos que acabam liberando uma perigosa forma de vida. Pois é, o climão tem bastante de Doom, também da nossa amiga Bethesda.

Você quer ser uma mina ou um sujeito?

Considerando como o cenário de games hoje carece de novas experiências e novas marcas, devo dizer que eu ficaria bem mais interessado neste Prey de 2017 se ele tivesse um outro nome ao invés de remeter a um joguinho xexelento de 11 anos atrás. Até porque, para todos os efeitos, ele é um jogo novo. Do original, pega apenas um certo nível de xexelência.

DEUS EX, DOOM, BIOSHOCK, DEAD SPACE E DARK SOULS, TUDO JUNTO E MISTURADO

Se ele ignora praticamente tudo do jogo anterior, não dá para classificá-lo como uma expelriência totalmente nova. Os cenários lembram imediatamente Doom 3 e Dead Space, mas digo isso mais pelo fato de ele se passar totalmente em uma estação espacial, uma vez que Prey não quer ser um jogo de terror.

O gameplay, por outro lado, lembra muito uma mistura de Bioshock com Deus Ex. Em outras palavras, você vai passar boa parte do seu tempo mexendo em escrivaninhas, lixo e em absolutamente qualquer coisa onde pode ter papel amassado ou cascas de bananas. E estes itens serão valiosos para sua sobrevivência, uma vez que seu personagem é extremamente frágil, enquanto os inimigos, até mesmo os menorzinhos e mais simples, são verdadeiras esponjas de balas.

Isso nos leva a Dark Souls, e não me refiro à dificuldade, embora Prey no easy seja no mínimo tão difícil quanto o RPG da From Software. Refiro-me, sim, à exploração. Há um lugar central, o lobby, onde fica seu escritório com um cofre e máquinas de reciclagem e fabricação. É basicamente a Firelink Shrine de Prey, uma área relativamente segura, que tem saídas para várias outras áreas, mas boa parte delas fica fechada até você adquirir novas habilidades ou abrir as portas pelo outro lado.

Nem todo mundo é hostil em Prey.

Rola aquele negócio de você estar longe de “casa”, precisando recarregar ou mudar os itens que está carregando e de repente rola uma saída para o lobby. Como o jogo não tem fast travel, e é muito difícil, é inevitável ficar apreensivo quando você se afasta muito, uma vez que voltar todo o caminho é uma missão longa e árdua, e limpar as áreas não significa que elas estarão seguras da próxima vez que você passar por lá.

CARAMBA, PREY, ME DEIXA SOBREVIVER!

Eu comecei jogando Prey na dificuldade padrão, mas estava realmente sofrendo. Logo no início do jogo, você adquire uma chave inglesa, e usá-la diminui sua stamina (mais uma semelhança com Dark Souls. Ainda assim, ela será sua principal companhia durante a jornada. E você já tentou matar um bando de ETs com uma chave inglesa? Olha, eu já, e pela minha experiência, o que acontece é que você fica cansado, indefeso e os monstros te matam.

Eu não via a hora de achar alguma arma de verdade. Muitas horas depois do início, eu achei uma chamada Gloo Cannon. Agora sim! Fui seco equipá-la e constatei que ela apenas imobiliza os inimigos, não causa dano. Sua principal utilidade é atirar nas paredes para fazer escadas e atingir áreas inacessíveis.

Horas depois, achei uma nova arma, chamada Huntress Boltcaster, uma espécie de arco e flecha. Agora sim? Não, meu amigo. É mais uma arma que não causa dano, e sua utilidade é apenas apertar botões distantes (e não achei nenhum uso para isso no jogo inteiro). Neste momento, parecia que a Arkane Studios estava tirando uma com a minha cara. Estou a umas seis horas de jogo, encontrei três armas e a única que serve para eu de fato me defender é uma chave inglesa? Vai ouvir pagode, meu! Quer saber, vou mudar para o easy. Mas mesmo no easy o negócio continuou difícil pacas.

Finalmente, achei uma arma que causa dano. Uma pistolinha. Bem pouco dano, a munição é escassa e o inimigo mais mequetrefe precisa de uns cinco tiros para morrer, mas mesmo assim agora posso atacar de longe. Já estava com mais de dez horas quando finalmente encontrei a escopeta, a primeira arma realmente útil do jogo, mas você sabe, armas úteis equivalem a munição altamente limitada. Há apenas uma outra arma em Prey, um canhão laser, que é a mais forte e a que tem a munição mais rara.

Ainda assim, o jogo continuava difícil demais. Como munição é coisa rara, eu acabava usando mais a chave inglesa. Até que encheu o saco e eu resolvi fazer o glitch de recursos infinitos.

GLITCHANDO UM JOGO INJUSTO

O glitch de Prey é bem simples, mas nada garante que ele não será corrigido até você jogar. Funciona assim: coloque seu material reciclado num reciclador e divida em quatro pilhas. Ele vai dobrar a quantidade. Logo, você terá mais de dez mil de cada tipo, o que vai ser o suficiente para fazer munições e itens para o jogo inteiro. Aqui, um vídeo para te ajudar a entender.

Ficar com material infinito é tranquilo, a parte chata é usar este material no fabricador para fazer munição, uma vez que você é limitado a fazer um ítem por vez. Cada fabricação demora uns cinco segundos, o que é ok, mas enche o saco quando você quer criar centenas de balas para três armas diferentes, medikits e outros itens úteis. Eu fiquei mais de uma hora fabricando munição até me sentir confortável para continuar jogando. Eu evito fazer esse tipo de glitch, gosto de jogar como o jogo foi planejado, mas a coisa aqui é muito injusta e você perde muito tempo para fazer qualquer coisa graças à dificuldade. Some isso à sua longa duração (durou mais de 25 horas para mim), e Prey definitivamente não é um jogo apropriado para pessoas que trabalham e têm outros compromissos na vida.

Assim que se glitcha Prey.

Mesmo com o glitch e a possibilidade de usar a escopeta o tempo inteiro, o jogo ainda é difícil, pois o seu personagem morre muito rapidamente e os inimigos são implacáveis. Prey é um jogo que exige muito do jogador e, ao contrário de Dark Souls, não dá tanto em troca.

PODERES MENTAIS

Depois de muito tempo de jogo, você vai liberar a possibilidade de usar poderes mentais e, se sua ideia for focar na sobrevivência, é uma boa investir seus skill points (que chamam neuromods) neles. Além de ataques pintudos, há um bullet time, a possibilidade de fazer inimigos lutarem por você ou o tão cobiçado poder de virar uma casca de banana (sério).

Infelizmente, eu demorei muito para começar a investir nos poderes, uma vez que, tal qual Far Cry, você acaba usando seus upgrades para tirar limitações que não deveriam existir, ou seja, a possibilidade de abrir salas e caminhos através de hacks ou de força bruta (quase todas as portas estão trancadas ou bloqueadas por itens pesados que você precisa de upgrades para remover).

O jogo seria mais divertido se dividisse os pontos de upgrades em duas áreas. Com um tipo de skill point, você turbina suas habilidades humanas, e com outra aumenta seus superpoderes. Da forma que está, você é obrigado a fazer escolhas, e é bem provável que termine o jogo sem nem experimentar os poderes, o que seria uma pena, uma vez que ali estão as melhores características do jogo.

E A CRIATIVIDADE, CADÊ?

O design de Prey definitivamente não é muito inspirado. Além de ter apenas três armas super comuns, os inimigos são exatamente iguais aos de Resident Evil 7. Em outras palavras, são basicamente seres humanóides feitos de uma meleca preta. Há também umas aranhinhas e umas bolhas assassinas, mas todos são feitos da mesma geleca e têm um design não inspirado.

Lembrou de Resident Evil 7? Eu também.

O inimigo mais bacana é um chamado poltergeist, que faz jus ao nome. Antes de ele aparecer, você ouve barulhos. O cenário se movimenta. Dá um clima bem legal. O inimigo em si só aparece enquanto te ataca, sendo invisível na maior parte do tempo, então você precisa esperar até ele aparecer para dar umas escopetadas nas suas fuças. O design dele? É uma meleca preta também, mas pelo menos ele causa um clima todo especial quando aparece.

Outra coisa que merece destaque é a trilha sonora. Não são músicas que você vai querer ouvir fora do jogo, mas elas fazem um excelente trabalho para aumentar o clima de tensão e ficção científica da história. Perto do visual sem novidades, ela realmente se destaca.

PROBLEMAS TÉCNICOS FORTES

Quando vi que estava chegando ao final do jogo, resolvi fazer um grinding e fabricar uma pá de neuromods (os skill points) para comprar os poderes e poder falar deles nesta resenha. Isso foi um suplício, uma vez que só dá para fabricar de um em um e eu precisava de mais de 200. Fiquei 90 minutos nesse grinding e imediatamente depois disso, quando voltei a jogar, meus saves foram corrompidos. O único que funcionava era um manual que eu tinha feito antes de começar o grinding. Podia ser pior, podia ter perdido progresso real, mas foram 90 minutos de tédio extremo que eu nunca mais vou recuperar.

E parece que isso não é um problema específico do Xbox One, uma vez que tem gente por aí encontrando o mesmo problema no PC. Aparentemente, a versão de PC foi corrigida, mas meu problema aconteceu depois desse patch, então pelo menos até o fechamento deste texto, a versão de Xbox continua bugada.

O Nightmare deveria se chamar “bullet sponge”.

Outro problema técnico menos grave aconteceu quando o jogo começou a rodar em câmera lenta, mas este foi facilmente resolvido saindo do jogo e abrindo de novo.

Não é exatamente um problema técnico, mas o jogo realmente se arrasta nas suas últimas horas, apresentando um monte de missões que obrigam o jogador a ir e voltar de lugares já explorados, o que se torna especialmente frustrante graças às longuíssimas telas de loading que separam cada uma das áreas. Nessas últimas horas, eu estava correndo de um cenário para o outro, ficando literalmente mais tempo nos loadings do que navegando.

PRESA

Prey não é um jogo ruim, mas não se destaca positivamente em nenhum aspecto. O original ainda tinha uma temática bacana, enquanto a deste é bem mais comum. O mesmo pode ser dito do seu gameplay, que não apresenta novidade alguma. É difícil recomendá-lo a preço cheio, mas se a ideia de um Bioshock em Metroidvania e uma dificuldade altíssima lhe apetece, talvez compense pegar em uma promoção futura.