Drácula

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Não importa a bagagem cultural, todo mundo já ouviu falar de Drácula. Verdade seja dita: a quantidade de pessoas que leu o livro de Bram Stoker que deu origem à lenda é ínfima em comparação com aqueles que a conhecem através de filmes, desenhos ou quadrinhos.

O que a maior parte desse pessoal não sabe é que o vampiro do livro é baseado em alguém que realmente existiu: Vlad Tepes, também conhecido como Vlad Drácula, foi um sanguinário e sádico príncipe valaquiano cujos feitos, assim como no livro aqui analisado, misturam ficção e realidade e rivalizam até mesmo com sua contraparte literária. Drácula significa “filho do dragão” ou “filho do demônio” (Dracul, nome de seu pai, significa dragão ou demônio). Como assim? Está achando estranho a mesma palavra ser usada para duas coisas tão diferentes? Ora pois, caro delfonauta, fique sabendo que para muitas culturas, o dragão simboliza o cramulhão em pessoa.

Conta-se que, certa vez, Tepes chegou a empalar mais de 20.000 turcos de uma só vez. Apenas para ajudar na visualização, vamos explicar direitinho o que é “empalar”. A vítima era colocada em um belo cavalinho e empurrada em direção a estacas cheias de óleo (manja aqueles discos do Manowar onde a capa tem os membros da banda pelados e brilhosos? Pois então, eles também curtem coisas oleosas) e isso não causava a morte imediata, não, senhor. No caso de empalações em massa, como dos pobres e indefesos turcos, Vlad utilizava a mesma estaca para todas as pessoas e depois a erguia. Como a dita cuja estava toda oleosa, as pessoas iam vagarosamente sendo empurradas para baixo pelo peso dos corpos e pela maldita gravidade e isso ia detonando lentamente os órgãos internos dos desafetos do carinha. Claro que para um show desses ser apreciado, é necessário comer. Sabendo disso, Drácula sempre ordenava um banquete para não sentir fome enquanto satisfazia seu sadismo. Ah, não satisfeito com isso, conta a lenda (ou seria a história?), que ele foi treinado em uma escola de magia negra localizada nas montanhas da Transilvânia, chamada Scholomance, a escola do demônio. Mas cá entre nós, essa história toda de empalamento me assusta bem mais do que uma simples escolinha de magia negra, né não?

Já sua mais conhecida versão literária é bem menos cruel. Não se trata de um governante, mas de um conde, um nobre da Transilvânia, temido por todos que ouvem seu nome. Trata-se da personificação do mal, uma criatura das trevas que precisa se alimentar do sangue alheio para continuar sua vida e sofrimento eternos.

A história do livro não poderia ser mais simples. O conde decide viajar para Londres, onde começa a fazer vítimas e a chamar a atenção de um grupo de pessoas. Na verdade, o livro é claramente dividido em três atos: Jonathan Harker no castelo de Drácula, a luta para salvar a vida de Lucy Westenra e, finalmente, a caçada ao vampiro.

Ficamos sabendo de tudo o que acontece através de diários mantidos principalmente por Jonathan Harker, Mina Murray (que depois se torna Mina Harker) e Dr. Seward. Apesar da primeira impressão, isso não afeta tanto a leitura como seria de se esperar. Nunca os diários contam os mesmos fatos nem deixam grandes intervalos de tempo sem cobertura. Stoker também se dá a licença poética de fazer com que todos os protagonistas tenham uma memória fotográfica e um olho excepcional para detalhes, fazendo com que a experiência de leitura de Drácula seja bem semelhante ao de diversos outros livros.

Na verdade, a narrativa é deveras lenta e muito tempo se transcorre entre um fato importante e o seguinte. O final, ao contrário, é extremamente repentino. O encontro definitivo entre os heróis e o conde é completamente anticlimático e, uma página depois, a leitura chega ao fim. Até temos um pequeno epílogo, mas não é o suficiente para nos despedirmos apropriadamente de personagens com quem nos importamos durante tantas páginas. Os culpados por isso podem ser os diários já que, uma vez resolvido o problema, todos os protagonistas pararam de escrever e então ficamos sem mais informações sobre eles. Apesar disso, essa opção por contar a história através dos diários parece ter sido apenas uma idéia de Stoker para contar tudo do ponto de vista de diversos personagens, não apenas de um como é o normal, tornando sua narrativa mais variada.

Essa escolha, contudo, tem alguns revezes. O primeiro é que você já sabe de antemão que, não importa quão grande seja o perigo que o grupo enfrente, nada de muito grave vai acontecer com o personagem que está escrevendo. Afinal, a não ser que Bram Stoker encarnasse Machado de Assis, uma narrativa póstuma seria um tanto estranha. O segundo e principal é justamente que o personagem que dá nome ao livro aparece apenas nos raros momentos em que contracena com um dos protagonistas. Não existe nenhum momento na linha “Enquanto isso, na Liga da Justiça”, manja?

Isso acaba deixando o livro aquém do que ele poderia ser. O “primeiro ato”, aquele que retrata Jonathan como prisioneiro do conde em um castelo onde coisas estranhas não param de acontecer é o mais interessante e o mais digno de ser considerado uma história de terror. Em todo o resto do livro, Vladinho é apenas uma ameaça constante, mas que nunca dá as caras. E se não temos o vilão, o medo é automaticamente diminuído. São pouquíssimos os momentos de real tensão na história e, justamente por isso, Drácula deveria ser considerado uma história dramática, não de terror, como é normalmente enquadrado.

Isso acaba gerando todos os principais problemas do livro. O vilão, considerado por muitos (como este que vos escreve, por exemplo) como um dos melhores da história, carece de um maior desenvolvimento, de uma motivação. O que ele foi fazer em Londres? Como ele se tornou essa criatura? Qual é a origem de seus poderes? Nada disso é respondido. No livro, sabemos no máximo o que os personagens sabem. Muitas vezes, até menos, pois muitas de suas atitudes parecem não fazer nenhum sentido. Claro que isso mais parece ser um problema da péssima tradução do que da pena de Bram Stoker. O péssimo trabalho é da Editora Madras, que em muitos momentos, deixa a história muito mais confusa do que ela realmente é, além de traduzir expressões ao pé da letra e conter muitos erros de gramática. Então, se você for comprar esse livro, faça um favor a si mesmo e não se deixe seduzir pela bela capa desta edição. Existem diversas outras versões completas dessa história no mercado e todas elas devem ser mais caprichadas do que esta que eu li.

Essa falta de informações sobre tão fascinante criatura acarreta em um fato inédito: o Drácula do cinema é mais desenvolvido que o do livro. “Drácula” já teve dezenas de adaptações para a tela grande, mas aqui me refiro à única, pelo que sei, que se propôs a seguir fielmente a história de Bram Stoker. Drácula de Bram Stoker, dirigido por Francis Ford Copola e lançado no hoje longínquo ano de 1992, contava com grande elenco. Tínhamos Gary Oldman (o Sirius Black, Harry Potter) como Drácula e Keanu Reeves (o escolhido) como Jonathan Harker e ainda Winona Ryder como Mina e Anthony Hopkins como Van Helsing.

Apesar de tão estrelado elenco, é na história que o filme realmente brilha. Assisti no cinema quando tinha apenas 12 anos e desde então o Drácula tornou-se um dos meus personagens preferidos, o que provavelmente não teria acontecido se tivesse lido o livro antes de ver o longa. O Drácula do filme é um guerreiro que lutava em nome de Deus e, ao sentir-se traído pela divindade (quando ficou sabendo que sua amada Elizabeta suicidou-se por causa de uma carta que recebeu comunicando que o conde havia sido morto em combate), o renegou e foi amaldiçoado com a condição de vampiro, condenado a rondar a mundo e alimentar-se de sangue, mas movido pelo amor, pois venceu a morte para que pudesse encontrar novamente sua amada, ainda que em outra encarnação. Com isso, este “demônio” tão temido pelos demais personagens se torna uma pobre criatura digna de simpatia culpada apenas por amar verdadeiramente alguém e gerando uma das frases de publicidade mais bonitas a já habitarem um cartaz cinematográfico: “True love never dies” (ou “O verdadeiro amor nunca morre” para aqueles não versados na língua de Shakespeare).

Aliás, vale aqui a curiosidade enviada pelo nosso amigo Guilherme: o Drácula do filme é uma mistura do personagem histórico com o de Bram Stoker. O carinha que existiu teve que amargar o suicídio de sua esposa quando seu castelo foi cercado por turcos, mas ele achou mais prático casar de novo do que esperar 400 anos pela reencarnação da garota.

Esse carisma extra acrescentado ao personagem, que pode ser considerado um sacrilégio por muitos fãs da obra original, acabou ajudando a mostrar para aquele garoto de 12 anos que existem muitas tonalidades de cinza entre o preto e o branco, que a vida não é tão maniqueísta como a maior parte dos filmes nos faz pensar. E, justamente por causa disso, a terminar esta resenha com uma frase que eu, pelo menos, nunca vi em uma comparação “literatura X cinema”: o filme é melhor.

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