Devil May Cry é uma franquia que desperta sentimentos muito apaixonados dos fãs. Todos que jogaram os três jogos originais quando eles saíram durante a década passada têm memórias poderosas de Dante, do combate, cenários e monstros. Agora, em 2018, a Capcom relança Devil May Cry HD Collection, a coletânea dos três primeiros jogos para PC, PS4 e Xbox One.

Devil May Cry HD Collection é a atualização da coletânea de mesmo nome que saiu em 2012 para a geração anterior. O lapso de tempo entre o lançamento da versão atual e a anterior é pequeno e as melhorias são pontuais, então, esta versão não deve mudar a opinião de quem jogou a versão de 2012.

Os três jogos foram convertidos da resolução de 720p para 1080p (uma decepção que não haja 4K no Xbox One X e PS4 Pro). Agora, é possível voltar ao menu principal para escolher entre os três jogos quando estiver no menu individual de cada um dos jogos. Os loadings quase não existem e a performance é perfeita a 60fps. Os controles são mais acessíveis e precisos do que os dos jogos originais. Infelizmente, as cutscenes continuam baseadas nas versões do Playstation 2 e ficam horríveis em qualquer televisão moderna.

Tudo isso era de se esperar, porque, convenhamos, estes jogos já são bem velhos. Porém, isso não quer dizer que sejam ruins ou irrelevantes, não é mesmo?

O NOVO PROTAGONISTA DE RESIDENT EVIL

Tive muitas surpresas ao jogar Devil May Cry HD Collection. A verdade é que, com exceção do 3, não me lembrava tanto dos jogos originais.  Em 2000, quando o primeiro saiu, eu tinha 10 anos e jogava nas casas de amigos, naquele arcaico método de “quem morrer, passa o controle”. Eu morria bastante e quase não jogava.

Dante sempre se saiu melhor em becos escuros do que a Jill ou o Chris.

Hoje, o mais interessante do pacote é perceber como os três jogos são irregulares e diferentes entre si. O primeiro Devil May Cry começou como um novo Resident Evil, porém, o projeto se distanciou tanto da franquia que a Capcom decidiu criar uma nova IP. Isso tudo ocorreu sob direção de Hideki Kamiya, famoso entre os fãs da Capcom e da Platinum Games por ter feito vários jogos clássicos (Resident Evil 2, Bayonetta, Okami). Entre os desenvolvedores japoneses, no entanto, Kamiya é conhecido por ser um diretor… Hum… Diferenciado, vamos dizer.

No desenvolvimento de jogos, é comum começar pela jogabilidade, não pelo mundo do jogo, história, cenários ou personagens, mas Kamiya é um diretor que deixa as coisas acontecerem e, por vezes, começa a criar antes de a jogabilidade ser definida. Com certeza, essa maneira de conduzir teve influência enorme na série Devil May Cry!

DANTE É CLÁSSICO MESMO

O Devil May Cry que deu origem à franquia é uma grande salada mista. As câmeras fixas dificilmente seriam consideradas se Devil May Cry não tivesse sido um Resident Evil antes. Elas não são funcionais para fazer combos, tampouco oferecem a noção espacial que você precisa para acertar ou desviar dos inimigos.

Para contornar isso, nos corredores fechados e com clima tenebroso de terror (o primeiro Devil May Cry se passa em um castelo mal-assombrado), a maioria dos inimigos iniciais caminha lentamente até você. Como eles vêm em multidão, um ataque horizontal com a espada acerta muitos dos desgraçados, o que leva a sua pontuação lá em cima. A mira, que você pode manter fixada no inimigo que quiser, muda os seus ataques e permite que você atire com pistolas, escopeta ou lança-granadas.

WTF! Nunca mais faço backtracking!

Dante é lerdo, muito lerdo, precisa resolver puzzles de estilo Resident Evil e fazer muito backtracking. Como a sensação no geral é de que os monstros podem acabar com a sua diversão a qualquer momento (e eles podem, porque o jogo é bem difícil e não tem checkpoints), o jogo incentiva a alternar entre a cautela e a completa agressividade, representada pela melhor mecânica do jogo: o Devil Trigger.

Desde o primeiro jogo, Dante pode se transformar em um demônio quase invencível. Enquanto o Devil Trigger está ativo, os ataques ficam mais fortes, a barra de energia é recuperada aos poucos, Dante pode planar e lançar raios sobre os inimigos, uma tremenda apelação. O Devil Trigger também ajuda a caracterizar Dante melhor do que qualquer custscene. É, ele vai vasculhar um enorme castelo para invadir o submundo e ajudar uma loira seminua que o tentou matar, mas, pelo poder de Sparda, que os demônios não encham o saco enquanto ele faz isso.

Pela maneira como o jogo foi feito, tem muita coisa inimaginável em Devil May Cry para um jogo de ação atual. Por exemplo, você enfrenta os mesmos chefes três vezes e encontra até fases de água em primeira pessoa! Os vários ingredientes parecem não combinar e, provavelmente, se fossem misturados de novo, não dariam liga, mas para cada mecânica controversa que Devil May Cry tem, outra parece equilibrar as coisas.

SER PEGO DE SURPRESA NÃO É FÁCIL!

É difícil identificar o que fez de Devil May Cry um sucesso comercial, afinal, ele é formado de elementos incompatíveis. A Capcom também não podia perder uma nova IP importante. Mas ninguém sabia o que estava fazendo em Devil May Cry 2.

Primeiro, apostaram em um novo diretor, mas a empresa ficou insatisfeita com o trabalho dele e, na metade do desenvolvimento, o substituiu por Hideaki Itsuno (Dragon’s Dogma, Devil May Cry 3) para finalizar o trabalho. Talvez o erro tenha sido não chamar Hideki Kamiya para participar de alguma maneira. O criador da série nem soube que o segundo seria desenvolvido!

Devil May Cry 2 deixa de lado elementos importantes que formavam o bom jogo que o primeiro era. Por exemplo: o Devil Trigger é um baita negócio legal, então, no 2, Dante pode voar na forma de demônio. A mudança funciona bem para a navegação dos cenários, mas essa habilidade era mais importante para o combate. Como os inimigos do 2 são, no geral, muito fracos, o Devil Trigger não tem o mesmo impacto de antes.

Yep, os chefes são ridículos, mas pelo menos o Dante tá gatão.

Os cenários são gigantescos, mas Dante e os inimigos continuam lentos. Dessa vez, eles não oferecem grande perigo, mas demoram a morrer. O resultado é que é necessário atacar um a um por um tempo considerável, o que torna os combates tediosos.

Em Devil May Cry 2, há, sim, melhorias que tornam a experiência mais cômoda e menos frustrante. É possível atirar sem ter de segurar um botão extra, trocar de arma durante o jogo e o pulo duplo é habilitado desde o começo. Porém, o jogo não consegue me manter engajado por muito tempo. Ah, e os inimigos são muito esquisitos!

HACK’N’ SLASH É FEITO DE COMBOS!

Chegamos a Devil May Cry 3, talvez o mais importante da Devil May Cry HD Collection. Com o 2 e o 3, a Capcom tentou refazer o sucesso comercial sem as inconsistências criativas de Kamiya. Devil May Cry 2 é a experiência malsucedida. Devil May Cry 3 é o jogo mais fiel ao que as pessoas se lembram do Dante. O personagem é tão fanfarrão que chega a ser imaturo e está quase sempre se divertindo com as coisas bizarras que o jogo traz.

Na jogabilidade, Devil May Cry 3 trouxe evoluções importantes para o gênero, pois é focado em sequência de combos e pontuação. O combate ficou muito complexo, com quatro estilos diferentes que podem ser escolhidos para Dante. Esses estilos trazem habilidades adicionais e inúmeros novos combos para aprender durante o jogo.

Ah, o Dante deve adorar ter de esperar para matar demônios!

Além da sua barra de vida, há outra barra que mostra se você está jogando bem como Dante. Ao atingir inimigos e fazer belos combos, ela aumenta. Permaneça sem fazer nada e ela irá diminuir. As armas de tiro, especialmente as pistolas, ajudam a não fazer com que isso aconteça, porque os inimigos ficam distantes. Como Dante continua lento, até chegar neles, é melhor ir atirando.

Devil May Cry 3 era o meu favorito durante a adolescência. Hoje, é fácil ver como o jogo tinha defeitos. Com um tom tão descontraído e o foco 100% no combate, não faz sentido ter de procurar por tantos itens escondidos, ou enfrentar elevadores lentos, puzzles e as câmeras fixas. Esses e outros resquícios do primeiro jogo não funcionam mais. O próprio inovador sistema de estilos era incompleto. Ao escolher um, você fica sem as opções importantes de combate dos outros.

HARDCORE GAMER OU NEWBIE?

O maior defeito da série do Dante, gritante em Devil May Cry HD Collection, é que ela é muito punitiva. Há vários exemplos disso e cada jogador terá um limite de paciência diferente para eles. Não era nem a falta de checkpoints que me incomodava tanto no primeiro Devil May Cry, problema corrigido na Special Edition do 3. O sistema de pontuação, que calcula o seu ranking ao final de cada missão, cancela o seu combo cada vez que Dante é atingido. O problema é que isso ocorre mais por erro do jogo do que seu, não importa qual seja a sua habilidade.

Oh, yeah, nada melhor do que ver um S.

A culpa não é sua quando um inimigo decide te atacar e você não tem o recurso necessário para desviar ou se defender. Também não é se o seu movimento não foi executado do jeito que pensou porque a câmera mudou de posição. Esses jogos têm erros graves de design.

O próprio Kamiya e seu time na Platinum Games perceberam isso anos depois e introduziram a genial habilidade Witch Time em Bayonetta. Quando algum inimigo a ataca, a bruxinha pode desviar e parar o tempo para continuar seu combo, além de multiplicar a pontuação dele. Se o inimigo a acertar e você pressionar o botão no mesmo momento, o dano é anulado e o Witch Time também funciona.

DEVIL MAY CRY HD COLLECTION: VEREDITO

Dante vive em reflexão antes de usar suas novas armas.

Dante sempre foi uma unanimidade entre a molecada. Com cabelos estilosos, espada gigantesca e atitude irreverente, ele caía no gosto da turma, que adorava despedaçar demônios na telinha. Não à toa, a lembrança que eu tinha desses jogos é dessa visão adolescente. Ela não é, nem de perto, a mesma experiência que encontrei quando os joguei de novo.

Após tanto tempo, voltar aos jogos originais com Devil May Cry HD Collection foi muito legal. A franquia não teria seguido em frente se não fosse boa. Devil May Cry é o meu favorito: tão imperfeito, com tantas arestas não polidas, mas divertido, especial e imprevisível. Devil May Cry 2 é, pelo menos, interessante, tem o seu próprio charme. O 3 foi um marco, com golpes divertidos e ideias originais que formaram a identidade do Dante para os fãs.

Devil May Cry HD Collection pode funcionar melhor com quem nunca jogou e quer conhecer uma ótima franquia, ou com quem jogou há tanto tempo que se lembra pouco dos jogos. Só não espere um capricho excepcional no pacote!

Quer ler mais sobre jogos de porrada?

Devil May Cry de cabeça fria: veja o que o chefe do Delfos achou de todos os jogos da série ao voltar a jogá-los em 2018. É um bebê chorão que não vive sem checkpoints!

Bayonetta 2: o melhor jogo de hack’n’slash já feito, na minha opinião. E o diretor não foi o Kamiya!

Vanquish: um dos jogos mais marcantes da Platinum, com muito tiro e dash, é um dos favoritos do Corrales.

REVER GERAL
Nota
Artigo anteriorClustertruck, pulando de um caminhão para outro
Próximo artigoAttack on Titan é praticamente uma invasão de zumbis gigantes
Daniel Villela
Daniel adora heavy metal, rock progressivo e Frank Zappa, jogos de FPS, aventura, plataforma e RPG, é fanático pelo MCU, curte séries de TV como Mad Men, Breaking Bad, Demolidor, 24 Horas, Friends e The IT Crowd. No lado profissional, é formado em Jornalismo, pós-graduado em Comunicação Empresarial e trabalha na área de Marketing.
devil-may-cry-hd-collection-dante-e-classico-mesmoDesenvolvedora: Pipworks Software (port.), Capcom (original)<br> Editora: Capcom<br> Plataformas: PC, PS4 e Xbox One<br> Analisada: Xbox One Gênero: Hack'n'slash<br> Data de lançamento: 22 de março de 2018<br> Versão analisada: Xbox One<br>