Cruzada

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De Ridley Scott sempre espero bastante. Afinal o cara fez Alien – O Oitavo Passageiro, Blade Runner – O Caçador de Andróides e Gladiador. Tudo bem que ultimamente ele vinha de dois filmes medianos – Falcão Negro em Perigo (sobre a mania que os estadunidenses têm de se meterem onde não são chamados) e Os Vigaristas (um filme bacana, mas menor em sua filmografia) – mas esta era sua chance de voltar à boa forma num gênero que ele ajudou a ressuscitar: o épico. Infelizmente, o resultado é morno, tanto devido a escolhas erradas quanto à utilização de muitos clichês do gênero.

Antes de falar dos tropeços, um pouco da história. No século 12, durante a segunda cruzada, um grupo de cavaleiros faz um pit stop num pequeno povoado francês. O líder do grupo, Godfrey de Ibelin (Liam Neeson, o mestre Jedi Qui-Gon Jinn do Episódio I de Star Wars) descobre que o ferreiro local, Balian (Orlando “eu já trabalhei de ferreiro em Piratas Do Caribe” Bloom) é seu filho e convida o rapaz para se juntar a ele em sua jornada rumo a Jerusalém. Apesar de relutante, o rapaz acaba por acompanhar o pai, de quem rapidamente herda um senso de moral muito forte.

A Terra Santa de Jerusalém está dominada pelos católicos, sob o comando do leproso Rei Balduíno, que passa o filme inteiro atrás de uma máscara de ferro que esconde as feições de Edward Norton. Há uma trégua com os muçulmanos, mais especificamente os sarracenos comandados pelo Rei Saladino. Porém, dois cruzados mal-intencionados logo tratam de acabar com a paz.

É no meio dessa balbúrdia que Balian chega e se destaca por desencanar dos interesses políticos e por tornar-se protetor do povo. Ele espera que, através de suas boas ações, a alma de sua mulher suicida possa ser perdoada. Afinal, como o delfonauta sabe, no catolicismo, suicídio é pecado e quem o comete vai parar no inferno.

Assim como em Gladiador, o filme dá um show na reconstituição de época, tanto de figurinos quanto de cenários. Tal como havia feito com Roma no filme acima, Jerusalém também é reconstruída através da computação gráfica. Aliás, este é um dos filmes de época mais precisos historicamente. As únicas liberdades tomadas dessa vez são o fato de que o personagem de Godfrey nunca existiu e que o Rei Balduíno na realidade morreu em 1185, um ano antes do começo da história.

É uma grande produção, com centenas de figurantes, muitas cenas de batalha e todo o apuro técnico e visual que já são marcas registradas de Ridley Scott. Porém, ele errou feio na escolha de seu protagonista. Orlando “eu também estava em Tróia” Bloom precisa comer muito arroz com feijão para poder estrelar um filme como personagem principal. Como coadjuvante, ele até engana bem (principalmente as garotas), mas quando não conta com uma sociedade do anel ou um pirata afetado do seu lado, fica evidente a sua falta de expressão e total incapacidade de nos passar profundidade psicológica, algo que Russel Crowe fez muito bem em Gladiador.

Mas ele não é o único problema do filme. O roteiro poderia trabalhar melhor a questão da batalha entre as duas religiões (algo que acontece até hoje), o verdadeiro motivo das Cruzadas ($) e como os homens usam a fé de desculpa para cometerem as maiores atrocidades e depois tirarem o corpo fora. Mas ele nem chega a arranhar a superfície.

E, para aliviar um pouco o lado de Orlando “por que só me escalam para fazer épicos?” Bloom, seu personagem é muito mal construído. Afinal, quem em sã consciência decide acompanhar um homem que aparece do nada, fala que traçou sua mãe contra a vontade dela, diz que é seu pai e pede para acompanhá-lo a uma terra conturbada? Tudo em menos de cinco minutos!

Fora isso os dois cruzados mal-intencionados de quem falei lá em cima acabam com a paz simplesmente porque são maus! Um deles praticamente fala isso em determinado momento. É o cúmulo da simplificação. Só perde nesse quesito para o primeiro Highlander, onde o vilão é mau só porque é russo (ou é russo porque é mau?).

No quesito ação, as cenas de batalha são boas e a edição é frenética, porém não apresentam nenhuma novidade. Inclusive a batalha final, o cerco a Jerusalém, lembra muito a batalha do Abismo de Helm em O Senhor dos Anéis – As Duas Torres.

Outra coisa que sempre me pergunto é se um épico é assim chamado por causa de sua temática ou de sua duração. Este filme bem que precisa de um cortezinho aqui e ali. Em determinados momentos de seus 145 minutos tive que conferir o relógio pra saber quanto tempo restava para acabar, o que sempre é sinal de duração excessiva. Não me entendam mal, não tenho nada contra filmes longos, mas existem aqueles que parecem passar em uma hora e aqueles que parecem durar uma eternidade. Mesmo assim, esse é o tipo de filme feito para se ver no cinema. Afinal, na telinha da TV, aquele visual de encher os olhos e os sons da batalha perdem muita força.

Este filme não vai botar o nome de Ridley Scott de volta ao topo, como Gladiador o fez, mas também não vai jogá-lo na lama como A Lenda. Simplesmente vai mantê-lo em seu status quo, e vai se juntar à lista de filmes medianos do diretor (aqueles citados no começo). E, da próxima vez que eu for ao cinema assistir a um de seus filmes, vou esperar um pouco menos dele.

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