Durante a sessão de O Menino que Queria Ser Rei, um filme popava com frequência na minha mente. Hook, aquela continuação fanfic de Peter Pan dirigida pelo Steven Spielberg. Eu gostei muito de Hook quando o assisti nos cinemas, na época de seu lançamento original. E tenho certeza que as crianças de hoje vão gostar muito de O Menino que Queria Ser Rei.
O Menino que Queria Ser Rei X Hook
Não é bem o caso de um filme lembrar o outro. Se fosse apontar uma película que realmente parece com esta, seria Percy Jackson. O que aproxima este do malfadado clássico (!?) do Estevão é sua premissa, ser continuação de uma história clássica. Neste caso, o que aconteceria se a famosa espada Excalibur, aquela mesma que inspirou tantas bandas de heavy metal e classic rock, aparecesse no meio de Londres nos dias atuais?
Provavelmente isso aconteceria em um momento perigoso para a Bretanha, não é mesmo? Tipo se a Inglaterra quisesse sair da União Europeia ou a clássica vilã Morgana LeFay estivesse planejando atacar o país e escravizar todos seus cidadãos. Pois adivinha só, é exatamente o que acontece por aqui!
Na Távola Redonda, todos são iguais
Obviamente, a espada é encontrada e arrancada da pedra por um moleque meio nerd chamado Alex (Louis Ashbourne Serkis). E agora cabe a ele e a seus aliados escolhidos a dedo (ou no desespero) impedir a invasão da Morganinha e de seus cavaleiros mortos-vivos.
Apesar de ser uma continuação propriamente dita para a história original, ela aproveita o fato de a lenda ser bem conhecida para brincar com as nossas expectativas e surpreender em vários aspectos. O primeiro deles é que este filme é realmente legal, o que para mim foi bastante surpreendente.
O segundo é Merlin (Angus Imrie) que rouba a cena sempre que aparece. O famoso feiticeiro sempre foi, ao mesmo tempo, uma espécie de proto-alívio cômico, e aqui, como alguém fora do seu tempo, rende ótimas piadas.
Muito disso se deve ao ator, que tem uma cara naturalmente engraçada e uma forma de atuação que me lembrou um bocado o gênio Leslie Nielsen. E este talvez seja o maior elogio que já fiz a um jovem ator em papel cômico.
Ele também é estiloso quando precisa ser. Quando usa suas magias, por exemplo, não temos varinhas ou palavras mágicas, mas movimentos rápidos e altamente complexos com as mãos, o que achei muito legal, e deve ter exigido muito treinamento até ficarem legais.
Deturpação de mitos
E lembra que eu falei que ele brinca bastante com o que a gente espera desta história? Isso rende ótimas piadas envolvendo forte deturpação dos mitos, como a Dama do Lago aparecendo em uma banheira, por exemplo. Em outro trecho, Alex questiona o fato de a história do Rei Arthur ser tão parecida com a de outros heróis, como Luke Skywalker e Harry Potter. Espere vários momentos singelos e geniais como estes ao longo do filme.
Tem bons personagens, tem jovens atores com carisma e excelentes piadas. Para completar, temos boas cenas de ação e efeitos especiais dignos de uma grande produção cinematográfica.
Sobra a história, o tradicional bem contra o mal tantas vezes contado e recontado em todas as mídias possíveis. Felizmente, ela entretém bem, embora se arraste um pouco próximo ao final.
E por falar em deturpação de mitos, o principal ponto negativo do filme vai para Patrick Stewart, em seu papel de Merlin velho. Ele aparece muito pouco e, convenhamos, sequer tem um motivo para existir. A impressão que dá é que os produtores do filme quiseram colocar pelo menos uma cara conhecida no elenco, mas a interpretação dele dá muito menos carisma ao personagem do que sua contraparte jovem. Eu limaria completamente sua participação, e o filme ganharia com isso.
I just can’t wait to be king!
O Menino que Queria Ser Rei é um caso bem raro no cinema. É um daqueles filmes em live-action focados em um público infantil que é bom o suficiente para entreter e divertir mesmo os adultos.
Tem potencial para se tornar um futuro clássico da sessão da tarde. E não me surpreenderia se ele vier a ser tão querido pelas crianças de hoje quanto História Sem Fim é para a minha geração.
Curiosidades:
- Leia aqui minha resenha para o filme História Sem Fim, uma das primeiras que escrevi para o Delfos, 15 anos atrás.
- Patrick Stewart também esteve em Excalibur (1981), a adaptação cinematográfica mais fiel da lenda do Rei Arthur. Mas ele não era o Merlin, o que pelo menos renderia uma relação bonitinha entre os dois filmes. Seu personagem no filme clássico é o Leondegrance.