Como ser um alternativo true

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Atenção: O texto abaixo é humorístico. Se você for um alternativo que não sabe brincar, então clique aqui para ler uma resenha do Raconteurs enquanto filosofa se eles são melhores que o White Stripes.

Continuando a série delfiana de “como ser um…”, chega agora o guia definitivo para aqueles que sempre sonharam em ser um alternativo, mas nunca souberam como. Pois bem, as respostas estão aqui. Aplicando as lições abaixo, em pouco tempo você será um clichê ambulante pronto para alienar os outros que não fazem parte do seu grupinho. E até alguns que fazem. Nesta matéria, uma novidade: dicas valiosas não só para o público, mas também para as próprias bandas. Então, à leitura. E mantenha-se delfonado, pois a série continua.

PARTE 1 – O PÚBLICO

VISUAL MASCULINO

– O visual básico de um alternativo na realidade não é tão diferente assim do de uma pessoa normal: jeans e camiseta.

– O jeans tem que ser surrado, descorado e agarrado, mas não tanto, afinal, você não é um emo.

– Calças rasgadas são aceitáveis, mas você corre o risco de ser taxado de “anos 90 demais”.

– As camisetas têm que ter caimento perfeito. Não podem ser largas, mas também não podem ser baby look. De preferência, curtas a ponto de mostrar o umbigo quando você levanta os braços.

– Elas podem ser lisas ou terem estampas, geralmente de bandas. Ou com alguma figura ou citação cool da cultura Pop, mas aí você corre o risco de ser taxado como nerd.

– Nos pés, só entram All Stars. Tenha um de cada modelo e cor.

– Você também pode fazer o gênero “arrumadinho desarrumado”. Nesse caso, compre roupas em brechós, como terninhos, blazers, camisas, gravatas pretas e finas e jaquetas. Use as camisas para fora das calças. Deixe a gravatinha frouxa.

– Você vai torrar uma grana nesses brechós. Não importa se as roupas usadas são mais caras que roupas novinhas frescas da fábrica.

– O cabelo tem que parecer despenteado, como se você acabasse de sair da cama. Mas o processo de deixá-lo assim leva no mínimo uma hora.

– Você precisa ter franjas, mas não estilosas. Lembre-se, você não é emo.

VISUAL FEMININO

– O jeans e camiseta também funciona para as mulheres, nas mesmas especificações citadas acima.

– As camisetas têm de ser agarradinhas, daquelas que deixam o umbigo à mostra. Se tiver um piercing lá, melhor.

Piercings nas orelhas e/ou sobrancelhas também são comuns.

– Os All Stars usados pelas mulheres têm de ter estampas. Se não, as cores precisam ser mais vibrantes do que suas contrapartes masculinas.

– Para os pés, elas têm uma opção a mais: botas, geralmente de cano alto.

– O visual “arrumadinho desarrumado” não cai bem nas mulheres. As roupas podem até ser de brechó, mas não podem parecer tão velhas, e os cabelos têm de estar penteados.

– Os cabelos geralmente são curtos ou na altura dos ombros. Repicados e com franjas.

– Óculos são sempre legais, especialmente aqueles de armação preta.

Bottons de suas bandas favoritas são um ótimo acessório, seja nas camisas ou nas bolsas. Bolsas essas geralmente grandes.

COMPORTAMENTO GERAL

– Você é metido a intelectual e acha que seus gostos (especialmente o musical) são melhores que os dos reles mortais.

– Você gosta de papos cabeça, mesmo que não consiga expor, e menos ainda sustentar, seus argumentos com clareza.

– Você aceita as seguintes denominações: alternativo, indie e cult. São a mesma coisa, mas só para fazer graça você tentará criar significados diferentes para cada termo.

– Moderninho é a mãe!

– Você só gosta de outros aspectos da cultura nerd (gibis, Testosteronas Totais) quando são abalizados pela crítica séria (Watchmen, Tarantino).

– Na realidade você gosta de todos os aspectos, porém tem vergonha de admitir e os consome em segredo.

– Você lê religiosamente as revistas britânicas de música, como a NME, Q e Mojo. Se você não tem grana para comprá-las, acessa suas versões online.

– Os ensinamentos dessas publicações são sua religião.

– Na balada, geralmente você fica encostado em um canto, de preferência, no mais escuro.

– O máximo de dança que você se permite é mexer levemente a cintura para um lado para o outro, como se estivesse bêbado, e bater o pé e balançar a cabeça ao ritmo da música. Mais do que isso já é forçar a barra, e você será impiedosamente julgado por seus pares.

COMPORTAMENTO TECNOLÓGICO

– Mais da metade da memória do seu computador está ocupada pelos seus MP3.

– No entanto, você nunca ouviu metade dessas músicas.

– E mais de 90% desses MP3 têm de ser de bandas que só você e as famílias dos músicos conhecem.

– Você entra religiosamente em mais de 10 blogs sobre música alternativa diariamente.

– Os autores desses blogs são seus guias espirituais.

– Você não compra mais CDs. É tecnologia ultrapassada. E, afinal, quem tem interesse em ouvir uma obra inteira?

– O IPod é a melhor invenção do mundo, seguido de perto pelo IPhone.

SOBRE BANDAS

– Você tem que estar antenado. Para isso, a Internet é essencial. E tem de ser de banda extremamente larga, para baixar umas 50 músicas por dia.

– Você tem uma banda favorita toda semana.

– Você não lembra mais qual sua banda favorita da semana passada.

– Rótulos são legais. New Rave, New Garage, New Bullshit. Experimente, crie o seu!

– Se mais de cinco pessoas conhecem a banda, você automaticamente não gosta mais.

– Se perguntarem o motivo, diga que eles se venderam, mesmo que seus integrantes ainda trabalhem em repartições públicas para se sustentarem.

– Ou então diga que foram cooptados pela máquina do mainstream, acabando com a mágica da criação pura e o contato direto com os fãs. Não importa que não faça sentido, diga exatamente essas palavras. Se alguém pedir para você elaborar melhor… Fuja! Quem perguntou é um deles.

– Bandas dos anos 90 já são Classic Rock, não importa que também já tenham sido chamadas de Alternativas.

– Bandas dos anos 80 você só ouve se forem resgatadas por alguma salvação do Rock. Caso contrário, continuam sendo lixo da pior década musical que já existiu.

– Você não liga para o fato de que todas as salvações do Rock resgatam justamente a sonoridade da pior década musical que já existiu.

– Bandas dos anos 70 para baixo são dinossauros decrépitos e não merecem seu respeito e sua atenção.

– A única banda anciã que merece a sua admiração é o Radiohead.

– No entanto, você pode citar os Beatles como responsáveis por diversas revoluções musicais que levaram à banda nova que hoje você tanto gosta, mesmo que a única música do quarteto de Liverpool que você realmente ouviu seja Twist and Shout.

– Você não sabe que Twist and Shout não é uma música dos Beatles.

EM SHOWS

– Você vai ficar parado o show inteiro no mais completo silêncio. Nada de berros, assobios ou outras manifestações.

– A regra da balada vale aqui também. Nada de dançar.

Air banding é estritamente proibido. Você não é um metaleiro.

– Rodas de pogo? O que é isso?

– No rosto, o olhar blasé é obrigatório. Não importa se você finalmente está vendo ao vivo aquela banda que você esperou anos para que viesse, você tem de ter aquela expressão de quem está na sala de espera do dentista.

– Ao final de cada música, bata palmas educadamente. Se for preciso, comente com seu amigo que faltou tocarem aquele lado B, a cover tal ou a música menos conhecida do disco.

PARTE 2 – AS BANDAS

– Seu som tem de ser obrigatoriamente derivativo. É só escolher de qual período quer chupar.

– Mas se você quer ser uma banda da moda, vai uma dica: concentre-se nos anos 80.

– De preferência, você vai copiar o Garage Rock estadunidense e o Pós-Punk inglês. Por isso, sua maior influência será Stooges no primeiro caso, e Joy Division no segundo.

– Se você conseguir cantar emulando os graves de Ian Curtis, melhor ainda. Mas se alguém perguntar, diga que é só coincidência e na realidade você nem gosta de Joy Division.

– Se quiser pagar de inovador e criativo, copie o Radiohead.

– Se você conseguir cantar emulando os agudos de Thom Yorke, melhor ainda. Mas se alguém perguntar… Ah, você já entendeu!

– No universo alternativo só há dois tipos de vocais. Extremamente graves ou extremamente agudos. Meio termo é para bandas Pop.

– Você não é Pop, mesmo que venda tanto ou mais que esses grupos.

– Aprender a tocar os instrumentos é para os fracos e os metaleiros.

– Exibir as habilidades nos instrumentos é para os fracos metaleiros.

– Aliás, mesmo que você saiba tocar direito, não deixe isso transparecer. Enterre sua técnica em estruturas simplistas e debaixo de uma camada de distorções, feedback e microfonia.

– Se quiser uma lição sobre como fazer isso, vá ouvir os discos do Jesus and Mary Chain.

– Se você for baterista, toque como se fosse um bebê aprendendo a mexer os braços. É só se espelhar em Meg White. Todos vão achar um charme.

– Sintetizadores estão na moda (de novo). Aproveite para expor sua verve “tecladista de churrascaria”.

– Vocalistas não precisam saber cantar. Se você tiver uma voz legal já basta.

– Se nem isso você tem, faça como Julian Casablancas e enterre seus vocais atrás de efeitos.

– O visual é tão importante quanto a música. A menos que você seja Grunge, mas isso já é Classic Rock, então não importa mais.

– O estilo de se vestir é o mesmo do público.

– Você tem que ter uma coleção de ótimas críticas, de preferência em semanários ingleses, mesmo que as únicas músicas que tenha são três demos gravadas em quatro canais postadas na sua página do MySpace.

– Seu primeiro single deve ser recebido com alarde, como se estivesse lançando um álbum inteiro.

– Você mede seu sucesso pela quantidade de downloads da sua música. Mas se alguém perguntar o que você acha dessa prática, você sai pela tangente dizendo que é uma questão complicada.

– Você sabe que sua música não é o bastante para conquistar o público, então crie factóides.

– Mistérios são legais: diga que aquela mina da sua banda (geralmente a baixista) é sua irmã, namorada, mãe, amiga de infância ou noiva russa de encomenda e nunca esclareça qual é de fato.

– Use apenas roupas de determinadas cores e quando alguém perguntar o motivo, dê uma resposta de cunho pseudocientífico.

– Faça eventos, como shows surpresa usando outro nome.

– Ou espalhe na Internet um show em um lugar, mesmo sabendo que vai ser em outro. Quando o público finalmente chegar ao local certo, você os brinda com um espetacular concerto de uma nota só.

– Não importa que você mal consiga criar repertório para uma única banda. Crie projetos paralelos. Mais de um, se possível. E não importa que eles soem exatamente iguais entre si, você nunca admitirá isso.

– Nos shows, nada de movimentação. Você vai ficar parado no seu canto concentrado no seu instrumento. Qualquer movimento brusco e você pode errar o acorde.

– Se você for só vocalista, nunca tire o microfone do pedestal. Passe o show inteiro segurando-se firme nele, enquanto olha para os sapatos.

– Improvisos? Nem pensar, você não tem técnica para isso. Atenha-se a tocar as músicas exatamente como foram gravadas.

– Uma hora e meia de show é o padrão. Mais que isso já é forçar a barra.

– Tocar um cover é obrigatório. Até porque sem ele você não completaria uma hora e meia de show.

– Se quiser pagar ainda mais de descolado, toque o cover de um artista Pop, mas deixe-o com a sua cara, esporrento e beirando o desafinado. Ou semi-acústico e beirando o desafinado.

– Guarde o único hit que você tem para o encerramento do bis.

– Leve três anos para gravar o próximo disco e repita tudo novamente.