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– A Entrevista Coletiva: Então a intenção NÃO era fazer um filme eleitoral?
Devo admitir que eu não sou fã da postura “não vi e não gostei”. Sim, estou ciente de que aqui mesmo no meu site tem uma sub-sub-seção com esse nome, mas repare que não tem nenhum texto meu nela. Ela foi sugerida e preenchida até hoje por meus estimados colegas que tiveram seus motivos para odiar algo com o qual ainda não tiveram contato.
Porém, devo admitir que este filme já estava com a nota 0 antes mesmo de eu assisti-lo. Para virar o jogo, ele precisaria ser inédito e realmente me comover. Isso não aconteceu. Trata-se apenas de mais uma cinebiografia seguindo todos os clichês e fórmulas do gênero.
O problema é que, como já disse antes, uma cinebiografia é basicamente um release a favor do protagonista. Se esse protagonista é nosso presidente e o filme em questão vai entrar em cartaz num ano eleitoral, o terreno se torna espinhoso. E fica realmente enervante quando pensamos que o cinema brasileiro existe sendo basicamente financiado pelo nosso governo através de leis de incentivo escusas que vivem patrocinando filmes sobre nordeste/ditadura/favela e curiosamente nunca lançam nada de zumbis ou envolvendo explosões absurdas.
Ok, em entrevista coletiva divulgando o filme, os produtores deixaram claro que a produção não usou de leis de incentivo e todos os patrocinadores são empresas com histórico anterior de investimentos em cultura. Mas claro, estamos no Brasil e é difícil não questionar a “história oficial”. Até porque uma empresa bancar esse filme vai deixá-la de bem com o presidente e pode trazer benefícios no futuro.
O que deixa tudo mais difícil de engolir é que o longa é absurdamente puxa-saco do cara. O protagonista é um sujeito perfeito, que sofreu muito na vida e mesmo assim conseguiu se dar bem. E a história foca única e exclusivamente no sofrimento. É “tadinho, ele apanhava do pai bêbado”, mas os seus próprios problemas com a bebida não são citados. É “óun, ele perdeu a mulher e o filho ainda não nascido”, mas nem tocam no assunto do filho que realmente nasceu – e foi fora do casamento. E pior, ainda deixam sugerido que o caboclo casou virgem!
É tudo exatamente como deve ser para eleger alguém no Brasil. O sujeito é pobre, f**ido, sofreu pra caramba, mas era uma boa pessoa, se esforçou e chegou lá. E quem se importa com suas propostas políticas? E quem garante que tudo que está no filme realmente aconteceu? Afinal de contas, o próprio Fábio Barreto disse na coletiva que isso se trata de uma ficção.
A parte política só chega mesmo a entrar na história no terceiro ato e, mesmo assim, é bem de leve. Quem se importa com o governo que tinha acabado de implantar o AI-5 se a esposa do sujeito estava grávida, certo? E qual é a importância de citarmos que, alguns anos depois, nosso querido presidente democrata relembrou todos nós do AI-5 ao impedir de trabalhar um jornalista que escreveu uma matéria que lhe era desfavorável?
O foco, como todo o material de divulgação do filme deixa claro, é no homem que nós não conhecemos. E é exatamente assim que se consegue votos no Brasil. Todos nós sabemos que o Lula hoje mora em um palácio e compra aviões com dinheiro público, mas é só mostrarmos que ele veio do nada que todo mundo já se emociona e fica pronto para votar nele (ou no seu sucessor) imediatamente.
Apesar da forma com a qual tudo foi feito, até estou disposto a dar o benefício da dúvida para a produção quando dizem que a intenção não foi conseguir votos ou fazer campanha eleitoral. Ok, essa pode não ter sido a intenção, mas vai sem dúvida ser o resultado. Intencional ou não, o que temos aqui é pura campanha eleitoral. Cada país tem o Fahrenheit que merece – representando a ideologia política do seu próprio povo. Infelizmente, esse é o nosso.