Kamelot – Poetry for the Poisoned

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Meu primeiro contato com o Kamelot aconteceu vários anos atrás, ainda pelo nostálgico mIRC – um programa de chat que te colocava em contato com milhões de pessoas do mundo inteiro, em tempo real (aliás, que saudade dele!).

Na ocasião, uma amiga me enviou a música Karma, e imediatamente me identifiquei com o timbre do vocalista, pois parecia com o meu. Na época, eu cantava numa bandinha de garagem (ou de quartinho dos fundos, no caso) e vivia procurando bandas de metal melódico cujos vocais não fossem compostos por gritinhos e miados. Uma empreitada complicada, de fato, mas finalmente concluída: Kamelot era o nome. Claro, eu nunca tive sequer 1,45% da técnica do norueguês Roy Khan, então minha carreira de vocalista de metal naufragou antes mesmo de começar. Mas o fato é que eu havia encontrado o Kamelot (dramatical mode on).

E fui às ruas buscar seus álbuns. Comprei o Karma, depois o The Fourth Legacy e o Siège Perilous. Estonteantes! Esperei o Epica sair. Avacalhante! Sem dúvida, este foi um CD que me marcou. Eu nunca havia testemunhado uma conceituação musical tão bela antes no mundo do metal; afinal, enfiar a clássica obra Fausto, de Goethe, num prog/power de forma convincente, meu amigo, é uma tarefa para poucos. Pouquíssimos.

Como conseqüência natural, com o álbum The Black Halo a coisa emplacou de vez. Os caras consolidaram seu nome, seu público, seu mercado. Mais que isso, foram elevados ao status de melhor banda de prog/power metal da atualidade por várias revistas especializadas. E eu os vi crescer! É legal quando esse tipo de coisa acontece.

O Ghost Opera, oitavo álbum de estúdio da banda e sexto da chamada Era Khan, veio no tempo previsto e foi muito bem recebido pela maioria de seus fãs. Revelou um Kamelot mais amadurecido, com um som mais pesado e consistente, sem perder nadinha daquele brilho sinfônico característico. Alguns dos fãs mais antigos queriam de volta a velocidade e dinamismo que marcaram o Karma e o The Fourth Legacy. O restante estava adorando as novidades.

Passados três anos desde o Ghost Opera, cá estamos nós, finalmente, com o Poetry for the Poisoned em mãos. Entre as mudanças no grupo, a saída do baixista Glenn Barry, que esteve presente em todos os álbuns a partir de 1997, a entrada de Sean Tibbets (na verdade reintegração) em seu lugar e a afirmação de Oliver Palotai no posto de tecladista. Diga-se de passagem, esse cara toca muito.

Bom, imediatamente o camarada se depara com uma capa matadora. Coisa linda, mesmo. Qual o significado? Adão e Eva com a maçã do pecado? Dois deuses divindo a maçã? Duas mulheres-zumbis? Dois elfos do escuro feridos em combate? Duas medusas-ciborgue? Aquilo é mesmo uma maçã? Muitas perguntas, nenhuma resposta. Mas isso não importa. Arte é arte. E essa está sem dúvida matadora.

Dando uma passada pelo álbum em si vemos que a banda atingiu o ápice de sua sofisticação musical, como se tivesse de fato desenvolvido uma identidade própria, um modus operanti único. As composições estão cadenciadas, muito bem arranjadas, e – o que parece marcar este álbum – transpiram melancolia. O Poetry for the Poisoned em geral é tão sombrio que é impossível não perceber o tom de voz de Khan bem abaixo do normal e a guitarra de Thomas Youngblood na fase mais pesada de sua carreira.

Isso se torna evidente logo na primeira música, The Great Pandemonium, sob a forma de sussurros e um riff pra lá de nebuloso. Temos também a competente participação gutural de Björn “Speed” Strid, do Soilwork, que tem evoluído muito em sua banda, e aqui demonstra isso com precisão.

The Zodiac e sua introdução, Dear Editor, têm um quê de doentio que causa espanto. As músicas contam a historia de um famoso serial killer estadunidense, que em suas desventuras nunca foi capturado, e ainda fazia questão de zombar dos policiais em cartinhas nada românticas. Você provavelmente deve estar se lembrando daquele (bom) filme, com Jake Gyllenhaal e Robert Downey Jr., certo? Pois é esse Zodíaco mesmo.

Em My Train of Thoughts, sentimos um clima depressivo no ar, que só é amenizado pelo belo – e pegajoso – refrão. Já em Seal of Wolven Years, ao mesmo tempo soturna e épica, ouvimos uma das introduções mais lindas já criadas pela banda. Começa tranquila, entra uma vozinha doce, depois um teclado lindão e só então o peso característico. Perfeito.

Once Upon a Time, última música antes da bônus, nos remete ao passado power do Kamelot, sendo mais veloz e direta. É uma daquelas músicas bem objetivas, de refrão bonito, que você vai se pegar cantando qualquer dia desses, sendo metaleiro ou não.

Outras músicas de destaque são Poetry for the Poisoned, que mais parece uma peça teatral em quatro atos, de tão bem composta, e House on a Hill, que traz a deliciosa Simone Simons mais uma vez num dueto impecável e imperdível com Khan. O quanto é boa essa ruiva… OMFG!

Enfim, são muitos os pontos positivos, e aqui não dá para não ser passional ao falar deles. O álbum todo em si é muito bom, e só não leva a nota máxima e o Selo Supremo por não conseguir superar o Epica e o The Black Halo. Esses são, na minha opinião, os mais excepcionais da banda. Mas quem é fã, ou apenas admira um metal maduro, bem feito e que mescle de forma inigualável peso e belas orquestrações, não pode deixar de conferir. Poetry for the Poisoned merece que você, delfonauta, separe um cantinho de prestígio em sua estante para ele.

E quanto ao futuro do Kamelot, fica a dúvida. Roy Khan foi embora, e não sei se existe alguém à sua altura. Sei que ninguém é insubstituível, mas não dá para simplesmente trocar o norueguês por outro e apostar que a qualidade do conjunto permanecerá. Fabio Lione (do Rhapsody of Fire e Vision Divine) que me desculpe, mas apesar de eu gostar muito dele, falta-lhe dramaticidade. Roy Khan não apenas canta, mas interpreta. E isso não é pouco hoje em dia, com o metal em geral adquirindo contornos cada vez mais técnicos e meio que deixando um pouco de lado o feeling, o elemento humano da coisa toda.

É esperar para ver.