Com grandes poderes, vem um grande especial:
– Resenha do terceiro filme: Um homem pode fazer a diferença. ‘Nuff said.
– Os Jogos do Homem-Aranha: Mini-resenhas sobre todos os games já lançados com o amigão da vizinhança.
– Os novos DVDs do Amigão da Vizinhança: Análise detalhada sobre tudo de novo presente nos discos recém-lançados.
– Manifesto Homem-Aranha: graças a esse texto você pode estar lendo esse especial hoje.
E leia também:
– Ultimate Spider-Man: o game baseado no universo Ultimate.
– A Origem Ultimate do Carnificina: o vilão dá as caras no universo Ultimate e mata um personagem importante.
– A Morte de Gwen Stacy: uma das HQs mais famosas da história é analisada pelo DELFOS.
– Adaptação oficial do segundo filme: o gibi de Homem-Aranha 2.
– Spider-Man 2: o game baseado no segundo filme.
– Homem-Aranha 2: confira a empolgação do Corrales ao sair da sessão do filme.
– A origem Ultimate do Venom: um dos vilões do terceiro longa estréia no universo Ultimate.
– Marvel Apresenta 10: Wolverine e Homem-Aranha: o carcaju canadense e o nerd novaiorquino juntos. De novo.
– Homem-Aranha – o Casamento: é, ele casou. Você não foi convidado?
– Guerras Secretas: foi aqui que o simbionte alienígena surgiu nos quadrinhos.
Que nerd nunca sonhou em ter superpoderes? Ou melhor, que pessoa nunca sonhou com isso? Curiosamente, até mesmo no mundo da fantasia, os poderes eram sempre reservados para pessoas fortes, bonitas e ricas. Nunca alguém com quem a gente pudesse se identificar. Até que, em 1962, o velhinho simpático Stan Lee (que na época não era velhinho, mas provavelmente já era simpático) teve a sacada de gênio e decidiu dar superpoderes para os seus leitores, na forma de Peter Parker.
O PERSONAGEM
Peter Parker era (ou é, dependendo da cronologia que você acompanha), um adolescente nerd como qualquer outro leitor de gibi. Inteligente, cheio de trabalhos de escola, problemas com os valentões e grandes dificuldades para descolar um broto (ei, estamos em 1962, lembra?).
Até que um belo dia, o tal nerd, que poderia ser você ou eu, foi picado por uma aranha radiativa. Pronto, tudo mudou: nosso amigo adquiriu as habilidades proporcionais às do bichinho de oito patas. Como qualquer pessoa faria, sua primeira reação foi ganhar dinheiro com seus poderes, mas o destino reservava algo mais para o pequeno Peter.
Sua fama e habilidades recém-adquiridas o tornaram arrogante. Um babaca, para falar a verdade. Justamente por isso, ele não quis segurar um ladrão que passou correndo ao seu lado (no primeiro filme deram uma justificativa para isso que eu, sinceramente, não gostei – acho que a recusa dele em ajudar tem que ser por pura babaquice mesmo, não por ele ter sido sacaneado pela vítima do ladrão). Afinal, não era problema dele. O que ele tinha a ver com isso?
Pois é, só que quando ele chega em casa, descobre que seu tio Ben, que o havia criado junto com a esposa, May, tinha sido assassinado. E adivinha só: pelo mesmo cara que ele deixou escapar. Ou seja, ele teria evitado tudo se não tivesse sido tão manezão. Nesse momento, Pedro Prado (como foi chamado aqui no Brasil em uma série de TV antiga – aliás, tente falar esse nome rápido três vezes) finalmente entendeu a importância da lição que Ben tentou ensinar desde que era criança: “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. E assim nascia um herói. O maior de todos, na minha opinião. E olha que eu normalmente gosto mais dos vilões.
Muitas coisas tornam o Homem-Aranha tão especial. E, na verdade, poucas realmente têm a ver com o vigilante mascarado. Para começar, tem a identificação que o personagem cria com o leitor. Que eu saiba, não existe nenhum leitor de quadrinhos que não consegue se enxergar em Peter Parker. Eu mesmo nunca fui magricelo, nem usei óculos e mesmo assim passei por muitas coisas pelas quais ele passou ou passa. Fala sério, até a tara por ruivas temos em comum. 😉
O legal é que este talvez seja o único herói em que sua identidade humana é mais importante que a “super-heroística”. Clark Kent, Bruce Wayne, Bruce Banner e todos os outros heróis clássicos têm em sua identidade secreta algo completamente secundário. A história só fica legal mesmo quando eles falam coisas como “esse é um trabalho para o Super-Homem” e saem voando para prender algum supervilão que quer dominar o mundo.
Isso não acontece com Peter Parker/Homem-Aranha. Em boa parte das melhores histórias, inclusive, o uniforme sequer aparece, ou aparece por muito pouco tempo. Claro, a ação e a fantasia estão presentes, mas o principal é o sentimento, é saber o que acontece com aquele carinha que tem os mesmos problemas que nós. É ver como ele lida com eles e, quem sabe, tirar daí lições para aplicarmos nas nossas vidas. Nunca foi tão verdade que não é um uniforme que faz um herói. Peter Parker poderia ser um herói para nós mesmo que ele nunca tivesse sido picado por uma aranha. Ou mesmo se viesse a adquirir as habilidades proporcionais às de um escargot. Os poderes dele são o de menos. O que importa é saber se ele vai conseguir alguma coisa com aquela garota linda que não dá bola para ele. E acredito que a maior parte dos delfonautas já sofreu com as paixões adolescentes, onde as garotas preferiam os músculos à inteligência. Aí está o mais legal do personagem e o grande diferencial dele em relação a todos os que vieram antes. Depois, muitos outros heróis, até os mais antigos, vieram a ter identidades civis mais desenvolvidas, mas Peter foi aquele que abriu as portas para que isso acontecesse. Tudo bem, a idéia de “heróis com problemas humanos” foi usada antes em Quarteto Fantástico, mas foi com Homem-Aranha que ela foi levada às últimas conseqüências.
É por causa disso que histórias como a Saga do Clone, criada para tentar deixar Peter novamente solteiro, não funcionaram. Não adianta substituir Peter por Ben Reilly ou qualquer outro nome. Peter Parker tem que ser Peter Parker. Ou, no máximo, Pedro Prado.
Esse diferencial foi inclusive o motivo pelo qual o criador do visual do Aranha não fosse Jack Kirby, o tradicional parceiro de Stan Lee (com quem ele criou personagens como o Hulk e X-Men), mas Steve Ditko. Enquanto Kirby era especializado em personagens heróicos, musculosos e cheios de testosterona, Ditko ilustrava gibis mais leves, com pessoas reais, histórias românticas e coisas do tipo. Jack Kirby tinha dificuldades em criar um herói que não fosse uma montanha de músculos e, por causa disso, Stan chamou Steve (aliás, Stan & Steve parece nome de dupla sertaneja) para seu novo personagem. A parceria não poderia ter dado mais certo. Embora, décadas depois, Peter Parker também viesse a ser eventualmente desenhado como uma montanha de músculos, isso se afasta do conceito original da pessoa comum desenvolvido por Stan. E todos os que respeitaram isso faziam um Peter franzino, como deveria ser sempre. Só que ele nunca teve cara de ser realmente um moleque, até que surgiu a cronologia Ultimate, onde Peter, Mary Jane e todos os demais personagens finalmente aparentavam ter a idade que tinham: por volta de quinze anos. E isso nos leva ao próximo tópico.
A CRONOLOGIA
Existem dois universos Marvel no momento. O normal, que é o que começou principalmente com os personagens de Stan Lee e Jack Kirby, está extremamente bagunçado e é muito enrolado para se acompanhar. A falta de cuidado da editora fez com que muitos personagens morressem, ressuscitassem e coisas do tipo, sem falar que alguns dos seus medalhões, como os X-men e o próprio Homem-Aranha, já tiveram seus momentos sofríveis nas mãos de autores muito pouco indicados para lidar com tamanha responsabilidade.
Felizmente, temos também o universo Ultimate, que tinha como objetivo recriar os personagens para o século XXI. Publicado aqui no Brasil na revista Marvel Millenium, essa é a melhor HQ publicada atualmente, na minha opinião, e traz aventuras do Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, X-men e Supremos (a versão Ultimate dos Vingadores). Até o momento (embora já tenha data para terminar), todas as histórias do Homem-Aranha Ultimate foram criadas pela dupla Brian Michael Bendis e Mark Bagley e os dois realmente respeitaram a idéia original e a evoluíram, tornando Peter Parker e seus coadjuvantes ainda mais carismáticos. Apenas para dar uma idéia, na cronologia oficial, o tio Ben morre na segunda página da primeira edição. Em sua versão Ultimate, ele dura cerca de seis meses, permitindo que nos afeiçoemos muito mais a ele e que fiquemos muito mais tristes com sua morte.
Outros conceitos respeitados são o fato de que as histórias de Peter têm que ser focadas no próprio Peter, não no Aranha e, principalmente, que elas têm que acontecer num ambiente urbano. Nada de sagas cósmicas, viagens no tempo e poderes totêmicos. Essas coisas que fiquem na DC, onde funcionam bem. Na Marvel, os personagens e, sobretudo o Aranha, têm que ter um pezinho maior na nossa realidade e na ficção científica. É só ver que praticamente todos seus grandes heróis tiveram a origem em algum acidente de laboratório.
OS AMORES
Peter Parker teve dois grandes amores (embora tenha tido outros casinhos menos importantes). A primeira, e possivelmente a mais importante, foi a meiga Gwen Stacy, que viria a ser morta pelo Duende Verde em uma ousadíssima decisão da Marvel. Infelizmente, a editora parece ter se arrependido disso e essa mesma história maravilhosa seria a catalisadora de algum dos piores momentos do herói, como A Saga do Clone e a volta de Norman Osborn, mais de 30 anos depois de sua morte. Aliás, foi a partir dessa época que todo mundo começou a tirar sarro da Marvel e de sua postura de “tudo que você leu nos últimos 50 anos era mentira”. E marque minhas palavras, se um dia vierem dizer que o tio Ben não morreu, esse será o dia em que terei comprado meu último gibi de super-heróis.
A segunda é sua atual esposa e possivelmente a mais conhecida entre os que não acompanham os quadrinhos. Trata-se da ruiva festeira Mary Jane, talvez a maior sex symbol dos gibis. Quando Stan Lee foi descrevê-la para o desenhista John Romita, disse para desenhar a mulher mais bonita que ele conseguisse imaginar. Deu na Mary Jane e na cara de bobo de Peter ao conhecê-la, depois de tê-la evitado por meses achando que era uma baranga. A frase proferida pela ruiva nesse encontro, viria a se tornar uma das mais famosas frases dos gibis: “Face it, tiger… You just hit the jackpot!” (alguma coisa tipo “fala a verdade, gatão… você ganhou na loteria!”). O terceiro filme aparentemente fará um triângulo amoroso entre Peter, Gwen e MJ, deixando o personagem ainda mais invejado pelos nerds que gostariam de subir pelas paredes com as duas. Vamos torcer para não estragarem tudo.
O PRIMEIRO GIBI
Eu sempre gostei de gibis, sobretudo da Turma da Mônica e da Disney, mas em 1992, quando eu tinha tenros 12 aninhos, meu pai chega em casa com uma HQ (Homem-Aranha 94) que ele tinha ganhado num posto de gasolina. A história trazia o Homem-Aranha contra o Wolverine em Berlim. Na época eu nunca tinha ouvido falar do Wolverine e até imaginei que o cara fosse um vilão, afinal, por que mais um herói como o Aranha brigaria com ele?
Enfim, li o dito-cujo e adorei a história. No final, inclusive, o Homem-Aranha literalmente mata alguém pela primeira vez (por acidente) e fica se remoendo de culpa. Adorei esse negócio do herói atormentado, enquanto o Wolverine, por outro lado, mata mais de 100 pessoas nessa mesma revista, todas com um sádico sorriso no rosto. Logo percebi que o Homem-Aranha tinha uma tridimensionalidade bem maior do que o brucutu canadense ou do que os perfeitinhos Super-Homem e Capitão América. E foi aí que suas histórias me ganharam e eu decidi comprar todos os gibis que saíam com o herói, hábito que mantenho até hoje.
Infelizmente, a tal garota assassinada pelo Aranha nunca mais foi citada e ele aparentemente se recuperou da culpa no intervalo até a próxima edição (o que, na minha opinião, foi uma tremenda idéia desperdiçada), mas isso não foi o suficiente para me afastar do gibi.
COM GRANDES PODERES VÊM GRANDES RESPONSABILIDADES
Não demorou muito, me deparei com a frase “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” e imediatamente percebi sua profundidade e utilidade, mesmo em um mundo onde as pessoas não têm superpoderes. Afinal, muitas outras profissões e atividades concedem poderes. De políticos a professores, de publicitários a jornalistas ou até mesmo pais, todos exercem grandes poderes sobre a sociedade e, se eles (nós), seguíssemos esse lema, sem dúvida nosso mundo não seria essa porcaria.
Os jornalistas não fingiriam imparcialidade quando publicam matérias para alcançar objetivos escusos, os políticos não aumentariam seus salários enquanto cortam os nossos, os professores não dariam aulas nas coxas, ferrando com o futuro de dezenas de crianças e muito mais. Felizmente, eu me dei conta disso quando ainda era criança/adolescente e pude pautar minha futura carreira nesse equilíbrio e nessas escolhas, mas nem todas as pessoas tiveram essa sorte (ou azar, como você também pode considerar, já que quem mais sofre nesse mundo e, principalmente, nesse país, são os honestos).
Por causa disso, acho que os gibis do Homem-Aranha deveriam ser leitura obrigatória nas escolas ao invés daqueles livros chatos que nada acrescentam. Que mané Mario de Andrade ou Eça de Queiroz o quê, as historinhas de Peter Parker são muito mais importantes para a formação de qualquer pessoa e, veja só, muito mais divertidas, mostrando que é possível aprender sem ter que passar por sessões intermináveis de tédio.
Sem exagero, provavelmente se não tivesse tido esse contato e identificação com o personagem, o DELFOS seria muito diferente hoje. Talvez fosse só mais um veículo que manipula as pessoas de forma escondida. Talvez nossas resenhas fossem jabazentas. Talvez o site nem existisse e eu fosse âncora de algum telejornal. Ou pior, político. Por isso que eu considero essa frase o lema da minha vida profissional. Por causa dela, eu sou quem sou hoje, para o bem ou para o mal. E, por causa disso, eu agradeço a Stan Lee e Steve Ditko por terem tocado a minha vida com a sua criação máxima: Peter Parker.
Momento mais tremendão: O primeiro arco do universo Ultimate, posteriormente republicado no encadernado Poder e Responsabilidade. Pela primeira vez, o tio Ben ganhou o desenvolvimento que merecia sem depender de flashbacks, deixando sua mensagem ainda mais forte, tanto para Peter Parker quanto para os leitores.
Momento menos tremendão: Não, eu não vou dizer a óbvia Saga do Clone. Até porque este é um texto sobre Peter Parker, não sobre o Homem-Aranha. Além disso, quando ela estava sendo publicada por aqui, até me divertia lendo. Claro, hoje lembro da bagunça que ela fez com o personagem e vejo a besteira editorial que foi, mas na época até que foi divertidinho. Sem falar que odeio ser óbvio. Mas o pior momento de Peter Parker para mim é, provavelmente, o mesmo que o próprio personagem escolheria: aquele maldito dia em que deixou o ladrãozinho fugir, dando origem à sua missão, seu dom, sua maldição: o Homem-Aranha. Se coloque no lugar do personagem e discorde de mim, se for capaz. 😉