Valley

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Correndo através de um trilho de trem que me dá energia, eu vou adquirindo cada vez mais velocidade. Velocidade suficiente para atravessar um precipício e chegar ileso ao outro lado. É a terceira vez que tento este pulo e, ao pousar vitorioso do outro lado, começo a pensar na efemeridade da vida e no que ela realmente significa se eu sou capaz de ressuscitar.

Este é Valley, um joguinho simplesmente sensacional, criação da Blue Isle Studios. Antes de começar, pela descrição e releases, imaginava que seria um walking simulator. Ele é isso, de certa forma, mas é também muito mais, trazendo elementos de Bioshock (na atmosfera e na filosofia, embora pegue mais leve neste quesito), Mirror’s Edge (na movimentação) e Portal (na desesperadora solidão que ele causa).

A SEMENTE DA VIDA

Aqui você é uma arqueóloga (ou um arqueólogo, você escolhe o gênero, embora a única diferença seja nos gemidinhos que o personagem faz quando pula) que vai para uma ilha desconhecida em busca de algo mitológico chamado “Lifeseed”.

Ao chegar na ilha e começar a explorá-la, você descobre que militares já estiveram por ali. Não demora para encontrar uma L.E.A.F. Suit, uma espécie de armadura que permite, a princípio, que seu usuário corra a altas velocidades e pule a alturas impressionantes.

Neste início, fiquei com a sensação de que Valley seria um walking simulator mais lúdico, especialmente por causa da divertida música que toca pouco depois de você colocar a armadura. Não dá para negar, jogos como The Vanishing of Ethan Carter, por mais que eu goste deles, se resumem a andar através do cenário.

Em Valley, embora o foco também seja na exploração, você faz isso correndo e pulando alegremente, sem falar de upgrades que vão destravando ao longo do jogo, como um gancho e até a possibilidade de andar pelas paredes (pense nas botas gravitacionais de Ratchet & Clank). Isso torna explorar em Valley algo muito mais divertido e mais brincalhão do que na maioria dos jogos do gênero.

Outra coisa que o diferencia é a habilidade de dar e tirar vida. Você pode absorver a força vital de árvores e de animais para alimentar seus poderes, ou então – o que é muito mais legal – usar a sua energia para revivê-los. Praticamente todos os jogos que existem permitem que a gente tire vidas, e isso pode ser bastante divertido também, mas Valley permite que você dê vida. É muito satisfatório encontrar um veado morto, dar um tiro nele e, segundos depois, vê-lo correndo e pulando todo serelepe em volta de você.

Além disso, sua vida está ligada à do Vale. Sempre que você morre (tipo caindo na água ou em um precipício), parte do Vale morre com você, e você precisa distribuir um pouco de vida e assim permitir que a saúde do Vale se restaure.

Curiosamente, contrariando todas as expectativas, há inimigos no jogo. No começo, são enxames de insetos que devem ser pacificados com a sua energia. Eles aparecem bem pouco e seus ataques diminuem a sua energia (que você usa para os poderes ou para dar vida – pois é, em Valley, a munição e a vida são uma coisa só), mas é realmente muito difícil morrer neles. Eu, pelo menos, não morri nenhuma vez contra inimigos.

Na segunda metade do jogo, outros inimigos mais perigosos aparecem, e estes começam a dar as caras com maior frequência, o que deixa Valley mais movimentado, embora ele nunca chegue a ser de fato um shooter como Halo. O foco aqui é mesmo na exploração e na utilização lúdica dos poderes que a armadura te dá.

Isso faz com que Valley seja simplesmente uma delícia de jogar. É um jogo calmo, muito bonito (embora alguns problemas técnicos no visual sejam perceptíveis) e com uma trilha sonora bastante agradável, ideal para jogar em um dia em que você esteja cansado e só queira relaxar um pouquinho.

Ele tem um problema que realmente incomoda: os saves. Caso você saia do jogo, ele salva seus itens, mas não salva sua localização. Para não perder progresso, você deve jogar até o final da fase antes de parar. E aí entra o problema: é comum suas fases durarem mais de duas horas.

Uma certa manhã, eu estava jogando Valley e terminei uma fase. Tinha mais uma hora até precisar fazer o almoço, e resolvi jogar mais um pouco. O tempo foi passando, deu o horário que eu queria parar de jogar para comer, mas ainda tive que jogar por mais de uma hora até o jogo finalmente permitir que eu parasse. Isso não pode acontecer em um jogo moderno. Caramba, eu já achava ruim quando isso acontecia lá nos anos 90!

Isso realmente prejudica o jogo, pois é algo que contrasta muito forte com o feeling relaxante que ele passa. Você pode ter meia hora para jogar entre compromissos e querer jogar um pouquinho, mas ele não permite isso, a não ser que você aceite perder todo seu progresso e continuar mais tarde. É uma pena, e algo que poderia ter sido facilmente evitado.

Em outro momento, eu tinha que entrar numa instalação chamada Astra e tinha dois caminhos: ou quebrava a janela e entrava, ou seguia explorando pelo lado de fora. Eu entrei. Lá dentro, eu fiquei preso. Não podia mais sair e não conseguia voltar para fora. Acontece que eu tinha que ter seguido o outro caminho primeiro, o que me daria um upgrade que permitiria que eu terminasse a fase lá dentro. Em outras palavras, o jogo não deveria ter deixado que eu entrasse na fábrica sem o upgrade ou então permitir que eu saísse. Juntando isso aos péssimos saves, tive que reiniciar a fase do início e fui obrigado a cortar meio Alfredo da nota final.

Tirando o aspecto de que o jogo exige algumas horas da sua vida cada vez que você queira jogá-lo, essas horas serão um prazer. Valley não é um jogo curto, mas o tempo que passei com ele foi tão aprazível que eu simplesmente não queria que terminasse. Altamente recomendado para qualquer delfonauta que se preze.

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