Conheci Tropas Estelares através do filme de Paul Verhoeven de 1997. Era a época do videocassete e das locadoras e minha versão adolescente (similar à versão atual, apenas mais magra e mais espinhenta) gostava tanto da fita que, imediatamente quando acabava, rebobinava e assistia de novo. E quando não tinha nenhum lançamento interessante disponível, lá ia eu alugá-lo mais uma vez!
Depois descobri que ele era a adaptação de um livro do autor de ficção científica Robert A. Heinlein, e que tanto ele quanto a obra eram considerados polêmicos. E que na realidade o filme de Verhoeven era completamente diferente, indo por um caminho de sátira militar e privilegiando a ação, que na realidade é uma parte pequena e até pouco importante no romance.
Pois bem, muitos anos depois o livro foi republicado aqui no Brasil e resolvi descobrir qual era a dele. Gostei do que li, entendi o motivo de ser considerado uma obra polêmica e porque seus fãs não gostaram muito da adaptação para o cinema (de fato, é completamente diferente).
Narrado do ponto de vista do jovem Juan Rico, que decide se alistar no exército e assim virar um cidadão com direito a voto (o que só pode ser exercido por quem passar pelo serviço militar), o romance na verdade lembra bastante outro longa-metragem, Nascido para Matar, de Stanley Kubrick.
Isso porque grande parte da história foca no treinamento de Rico sendo preparado para se tornar um soldado da chamada Infantaria Móvel, a linha de frente na guerra contra uma raça de insetos alienígenas, e não na guerra em si. E também é a parte mais interessante do livro, bem melhor do que os combates propriamente ditos.
É através dos olhos de recruta de Rico que vemos como é organizada a sociedade onde se passa a história, como é seu treinamento e a organização militar e como ele se prepara e é preparado para o combate, tudo com uma riqueza de detalhes que torna todo este mundo futuro bastante crível.
Contudo, e é aqui que entram as polêmicas, o mundo criado por Heinlein é militarista, por vezes parece fazer apologia descarada às forças armadas e desdenha ferozmente das figuras dos não-combatentes, os civis. Se Verhoeven fez disso uma sátira para não ser levada a sério, o mesmo não se pode ser dito do livro, que usa de um tom sério para passar estes ideais.
Se isso é apenas um panorama criativo traçado pelo autor para o mundo onde se passa a história, ou se ele realmente acreditava nesses conceitos e osdefendia, é difícil saber com certeza apenas com a mera leitura do romance. Mas o fato é que tive a impressão de se tratar de um livro bastante perigoso para o momento pelo qual passa o Brasil.
Se tem maluco saindo em manifestações defendendo a volta da ditadura militar, imagina só se esses figuras lessem isso. Ia acabar virando o livro de cabeceira deles! O detalhe que vale ser lembrado é que isso foi publicado originalmente em 1959, com a Guerra Fria rolando, aquele medo de holocausto nuclear no ar, e o que também explica não haver papéis femininos de destaque na história. Enfim, é preciso saber separar as coisas.
No mais, me surpreendeu que, diferente do filme, aqui os insetos possuem tecnologia avançada, utilizando espaçonaves e armas. Até o próprio exército humano é mais avançado tecnologicamente do que o mostrado na película, visto que no romance os soldados da infantaria usam armaduras que, pela descrição de Heinlein, lembram muito os exoesqueletos de No Limite do Amanhã, por exemplo.
Crítico ou apologético, o fato é que Heinlein constrói muito bem o panorama da guerra e as relações entre os oficiais e o psicológico de quem se encontra no meio de um conflito de proporções gigantescas. E embora também tenha ótimos momentos de ação pura, o melhor e principal é mesmo o lado que antecede o conflito. Tropas Estelares possui qualidades que mais que comprovam seu status como um clássico da ficção científica. Se você gosta do gênero e ainda não leu, vale a pena ir atrás.