Sicko – $.O.$. Saúde

0

Conheci o Michael Moore quando estava terminando meu curso na ESPM, antes de Tiros em Columbine chegar comercialmente em nossa terrinha. Imediatamente, me tornei um grande fã do cara. Depois, quando comecei o DELFOS, vi que até haviam semelhanças em nossos trabalhos, sobretudo no fato de que tanto ele como nós questionamos as coisas que consideramos erradas sem fazer a menor questão de esconder nossa posição.

Contudo, o tempo passou, o senso crítico cresceu e hoje eu começo a achar o trabalho do Mr. M&M deveras apelativo. Já na época achei exagerada a cena de Tiros onde ele coloca a foto da molequinha na mansão de Charlton Heston enquanto toca uma musiquinha triste, mas hoje vejo que o cara é apelativo praticamente o tempo todo. E pior, começo a vê-lo cada vez mais como um Ratinho estadunidense, que lucra e enriquece com a miséria alheia e, ainda assim, consegue ficar com fama de bonzinho. E isso não é legal. Se for enriquecer com a miséria dos outros, pelo menos permita que vejam você como um cara malvado. 😛

Como você já deve saber, o novo filme do irmão perdido do Dudley Moore fala sobre o sistema de saúde estadunidense. Para fazer seu ponto, ele primeiro conta dezenas de histórias de terror de pessoas que morreram ou sofreram muito graças aos médicos estadunidenses que negavam o tratamento. Depois, o gordinho comunista vai para outros países e fica embasbacado com a qualidade de vida que encontra lá. Aliás, o espectador também, principalmente se for brasileiro. É impecável a cena em que um inglês tira sarro dos EUA por causa de suas limitações na área da saúde.

Em uma conversa recente com o Cyrino, ele disse que achava que esse filme teria muito pouco a ver com a nossa realidade. Infelizmente, ele estava errado. Na verdade, a minha opinião é que Sicko é o filme de Michael Moore que mais tem a ver com a gente (e desconsidero aí o fato de eu já ter alguns problemas com a medicina brasileira – confira o último tópico desta resenha). Tudo que Moore aponta de podre nos EUA, nós temos também aqui no Brasil. Aliás, é até pior, e cito um exemplo. No release, o diretor fala que, se alguém nos EUA diz que educação deve dar lucro, vão olhar para ele como se fosse um ET. Ao mesmo tempo, é natural para eles olhar a saúde como negócio. Ora, aqui no Brasil tanto a saúde como a educação são negócios e a maioria que utiliza o serviço público nessas áreas é porque não tem como bancar mesmo, pura falta de opção. Ou seja, nós estamos ainda piores do que eles.

Eu mesmo estudei minha vida inteira em escolas particulares, pago uma grana alta de convênio e um monte de impostos que servem apenas para financiar filhos ilegítimos de políticos. Daí entra Michael Moore conversando com um casal francês e eles dizem que não gastam nem com educação, nem com saúde, e que sua principal despesa é com legumes! Depois disso, a moça começa a falar com que mais eles gastam seu rico dinheirinho, mostrando saquinhos de areia recolhidos em vários países do mundo. E nós, os pobres brasileiros, ficamos chupando o dedo.

Sicko é muito bom para levar o público a questionar e se revoltar com a situação e, claro, se você for brasileiro e souber que a tendência é só piorar, provavelmente vai também causar depressão. Por outro lado, falta a Sicko o humor que tornou seus filmes anteriores um sucesso. Eu, pelo menos, saí bem mal do cinema pensando em quão melhor seria minha vida se eu tivesse nascido na Europa. Maldito seja o dia que a minha família decidiu vir para este continente! 😉

Curiosidade:

– Em determinado momento, Michael fala que os EUA são o único país do mundo ocidental que não tem saúde gratuita para todos. Ele se esqueceu do Brasil, mas, até aí, o Brasil está mais para um país do inferno do que do mundo ocidental.

Historinhas de terror relacionadas ao sistema de saúde brasileiro:

– Há alguns anos, a minha avó começou a passar mal. Preocupados, levamos ela para o hospital aonde ela sempre ia. Chegando lá, fomos informados que a empresa não atendia mais o convênio dela. Detalhe, nem o convênio nem o hospital mandou nada para avisá-la da mudança. Para que diabos eles obrigam você a se cadastrar então? Só para vender seu endereço e telefone para outras empresas? No final das contas, nós ficamos lá, no saguão do hospital, com uma velhinha de quase 90 anos passando mal enquanto médicos e enfermeiras passavam olhando e a recepcionista continuava negando atendimento (juramento não significa nada para algumas pessoas), dizendo que a única coisa que poderiam fazer por nós era cobrar o preço que cobrariam do convênio. Ah, brigadão, hein? Minha avó já pagava mais de 1000 reais por mês para não ter que se preocupar com essas coisas, e vocês nos oferecem um desconto. Legal, valeu mesmo!

– Essa é pesada e não tem a ver com convênio, mas com a qualidade da medicina brasileira. A minha mãe foi operar a perna. Veja bem, é a perna, ou seja, não é nada extremamente arriscado ou complicado. Na operação, ela contraiu uma infecção que demorou para ser detectada pelo “profissional”. A infecção se espalhou e ela morreu. E tudo isso seria facilmente evitado por um médico e um hospital não negligente.

– Você também tem historinhas de terror relacionadas a esse assunto? Conte aí nos comentários.

– Aposto que não vai demorar muito para aparecer alguém que trabalha com saúde dizendo que eu tive azar e que não são todos os profissionais que são assim. 😉

Galeria

REVER GERAL
Nota
Artigo anteriorJogue de graça 100 jogos de Nintendinho
Próximo artigoRambo IV
Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
sicko-o-saudePaís: EUA<br> Ano: 2007<br> Gênero: Documentário<br> Duração: 124 minutos<br> Roteiro: Michael Moore<br> Artista: Livre<br> Diretor: Michael Moore<br> Distribuidor: Europa<br>