Ruídos Delfianos: Iron Maiden – A história de Charlotte, the Harlot

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2014 foi um ano muito prolífico aqui na seção de música do DELFOS. Tivemos muitos shows, muitas entrevistas e principalmente muitas tretas sendo debatidas aqui no site. Mas, à parte de tudo isso, houve uma série que foi crescendo aos poucos ao longo do ano e conquistou o coração dos delfonautas. Responda-me, alguém aqui estava com saudade da saga delfiana mais ruidosa desde as Inquisições do Torquemada?

Pois é exatamente isso, delfonauta: a Ruídos Delfianos entra em 2015 com pé na porta e tapa na cara! A matéria de hoje falará de uma das prostitutas mais famosas do mundo: Charlotte, a protagonista de algumas músicas do Iron Maiden.

Charlotte, protagonista de algumas das músicas mais lascivas de que se tem notícia – pelo menos até o surgimento do Mötley Crüe – é uma prostituta que trabalha na Acacia Avenue, 22. Ela aparece claramente em duas músicas do Iron Maiden, Charlotte the Harlot e 22 Acacia Avenue, além de outras duas músicas em que existem citações referentes a ela, Hooks in You e From Here to Eternity.

Muito se discute a respeito de como essas duas músicas se encaixam na história de Charlotte. Para mim, a única dessas duas que de fato conta a história de Charlotte é a última, enquanto a citação de Hooks in You apenas serve pra a construção da personagem. Eu sei que falando dessa forma tudo fica confuso, mas ao longo do texto eu explicarei melhor como essas duas músicas se encaixam. O importante agora é você me acompanhar e descobrir a história dessa mulher, cuja luxúria faz o Led Zeppelin parecer puritano.

CHARLOTTE THE HARLOT, SHOW ME YOUR LEGS

A história conta com, basicamente, três personagens. Temos Charlotte, a prostituta, um cliente que se apaixona por ela – a quem vou me referir como Cliente – e a Besta itself. Apenas Charlotte e a Besta possuem seus nomes citados, e o Cliente, que corresponde ao terceiro personagem, só é descoberto ao se analisar as letras de Charlotte the Harlot e 22 Acacia Avenue.

O CLIENTE

Nessas duas letras se percebe que há alguém questionando as práticas de Charlotte, ao mesmo tempo que demonstra nutrir sentimentos por ela. O Cliente questiona a prostituta, em Charlotte the Harlot, se ela não sente remorso ao levar tantos homens para o quarto (“Taking so many men to your room, don’t you feel no remorse?”) ou se ela sabe que a atividade é ilegal (“And don’t you know you’re breaking the law with the service you’re giving”), mas ao mesmo tempo implora pelo prazer que Charlotte lhe proporciona, em um refrão um tanto autoexplicativo:

“Charlotte the Harlot show me your legs
Charlotte the Harlot take me to bed
Charlotte the Harlot let me see blood
Charlotte the Harlot let me see love.”

Em tradução livre:
Charlotte, a prostituta, me mostra suas pernas
Charlotte, a prostituta, me leva para a cama
Charlotte, a prostituta, me mostre sangue
Charlotte, a prostituta, me mostre amor.

No entanto, no meio da música vemos o Cliente contando ter sido deixado de lado por Charlotte. O Cliente canta que Charlotte uma vez disse amá-lo, mas o deixou pegando pedaços de amor no chão posteriormente (“Picking up pieces of love off the floor”; ” Picking up pieces of love yesterday”). Mas ora, isso parece o tipo de coisa que qualquer prostituta diria, não é mesmo? Sim. Mas a questão que você deve se perguntar é: Charlotte era uma prostituta qualquer?

CHARLOTTE, A LUXÚRIA EM PESSOA

A resposta você já deve saber que é não. Charlotte é mostrada como uma mulher irresistível, parecendo ser a personificação da lascívia. As músicas mostram Charlotte como uma prostituta inalcançável nesse sentido, sendo uma mulher completamente despudorada, capaz de fazer qualquer coisa que você imaginar. A abertura de 22 Acacia Avenue é a prova-chave de que Charlotte é a prostituta mais devassa possível, e uma boa frase que justifica isso é quando Bruce Dickinson canta que ela vai ensinar a você mais do que você pode saber (“You can take my honest word for it she’ll teach you more than you can know”).

Outra estrofe da mesma música que também descreve bem essa explosão sexual de Charlotte:

“Beat her, mistreat her, do anything that you please
Bite her, excite her, make her get down on her knees
Abuse her, misuse her, she can take all that you’ve got
Caress her, molest her, she always does what you want”

Em tradução livre:

Bata nela, maltrate-a, faça qualquer coisa que quiser
Morda-a, excite-a, faça-a ficar de joelhos
Abuse dela, use-a, ela aguenta tudo que você fizer
Acaricie-a, moleste-a, ela sempre faz o que você quer

Reparou a quantidade de verbos no início dos versos? “Bata”, “maltrate”, “morda”, “abuse”, “moleste”. São verbos que denotam a intensidade dos impulsos sexuais que se tem ao se estar com Charlotte. Esses impulsos, que beiram o animalesco, apenas confirmam ainda mais que a moça é um poço de luxúria.

Essa característica tão peculiar de Charlotte também é comprovada em outra música, que se chama Hooks In You. A letra dela fala sobre um homem tendo prazer sexual com ganchos, sem dar muitos detalhes além do necessário. O fato é que ter prazer sexual com ganchos presos em pessoas – além de remeter a O Albergue – não me parece ser algo tão comum assim, o que explica que só alguém com instintos sexuais extremos como Charlotte toparia.

22, THE AVENUE, THAT’S THE PLACE WHERE WE ALL GO

22 Acacia Avenue, após a abertura, volta aos questionamentos que o Cliente já fazia em Charlotte the Harlot, mostrando à prostituta que a vida que ela levava não precisava ser assim, que poderia ser mais digna. A diferença, contudo, é que, ao final da música, tomado pelo ímpeto de consertar a vida de Charlotte, o Cliente decide levá-la consigo, no clímax da música e da história.

“You’re running away don’t you know what you’re doing
Can’t you see it’ll lead you to ruin
Charlotte you’ve taken your life and you’ve thrown it away
You believe that because what you’re earning
Your life’s good don’t you know that you’re hurting
All the people that love you, don’t cast them aside
All the men that are constantly drooling
It’s no life for you stop all that screwing
You’re packing your bags and you’re coming with me”

Em tradução livre:
Você está fugindo, não percebe o que está fazendo?
Não consegue ver que isto levará você à ruína?
Charlotte você pegou a sua vida e a jogou fora
Você acha que por causa do dinheiro que está ganhando
Sua vida é boa, não sabe que está machucando
Todas as pessoas que te amam, não os deixe de lado
Todos os homens que estão constantemente babando
Não é vida para você, pare com toda essa fodelança
Você vai fazer as malas vem comigo

Mas há algo estranho na história. O Cliente sempre se mostra como alguém centrado, íntegro, que condena a vida de Charlotte, mas ainda assim continua frequentando o prostíbulo da Acacia Avenue. Por quê?

Existe um motivo para eu ter dito que Charlotte seria a luxúria em pessoa. A luxúria é um dos Sete Pecados Capitais, e a forma como a prostituta é retradada, sempre levando o prazer ao extremo, mostra que ou ela é a personificação desse pecado ou, no mínimo, é uma pessoa que o vive intensamente. Eu prefiro a primeira definição, pois explica melhor como ela contagiaria todos os homens ao seu redor (“When you’re walking down the street, everybody stops and turns to stare at you”), como ela corrompeu um homem íntegro como o Cliente a estar sempre em busca de prazer e principalmente a maneira como a história termina.

EVERYBODY’S GOT THEIR VICE

A atitude do Cliente não durou muito. Ele levou Charlotte, sim, mas não ficou com ela por muito tempo, pois assim como ele instantaneamente foi atraído por Charlotte, ela também foi atraída por outro alguém. E é claro que eu estou falando da Besta. A atração de Charlotte pela Besta acontece na música From Here to Eternity, que mostra o primeiro contato dos dois e termina com a Besta levando Charlotte em sua moto para o inferno.

Se pararmos para pensar, A Besta seduzir Charlotte faz todo o sentido. Assim como o Cliente foi atraído pela prostituta, que seria a personificação do pecado da Luxúria, o que mais atrairia ela além do próprio Senhor do Pecado? E o fato do próprio cramunhão vir para buscá-la demonstra que o pecado não era parte de Charlotte como o é de todos nós, mas sim que era provavelmente parte essencial da existência dela.

E assim termina mais um Ruídos Delfianos. Não se esqueça de curtir, mostrar pros seus amigos e fazer sua oração do dia ao Vento Preto. Se tiver mais uma sugestão para um próximo Ruídos, deixe-a nos comentários!

CURIOSIDADES

– Você sabia que foi Dave Murray quem compôs Charlotte the Harlot e 22 Acacia Avenue? Hooks In You foi composta por Bruce Dickinson e Adrian Smith e From Here to Eternity pelo Ditador Maideniano Steve Harris.

– A imagem que ilustra a matéria pertence a um single da Donzela chamado Twilight Zone, e apesar de não ter nenhuma relação com a Charlotte, me pareceu uma imagem bem oportuna.

Acacia Avenue é uma convenção na cultura britânica, que serve de metáfora para uma rua de classe média. Existem pelo menos sessenta Acacia Avenues no Reino Unido e até uma em Ottawa, no Canadá.