Reflexões trabalhosas

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Alfredo, Alfredo de la Mancha, Delfos, Mascote, Alfred%23U00e3o, Delfianos

Na edição anterior desta coluna, deixei bem clara a minha opinião sobre a necessidade de trabalhar e a forma como as pessoas encaram isso, ainda que não percebam. Pois hoje vamos discutir um outro aspecto disso.

Posso me considerar um afortunado por ter conseguido cavar, para a minha vida, um caminho diferente do que ficar preso 44 horas por semana em uma prisão “voluntária”. Porém, antes de encontrar essa opção, tive minhas experiências empresariais, e acredito que talvez a palavra prisão não tenha sido precisa o suficiente para descrevê-las. Estava mais para inferno mesmo.

Como o delfonauta dedicado sabe, em minha vida pré-DELFOS, eu era publicitário. Eu tinha sérios problemas com a área, mas uma coisa que não dava para negar é que as condições de trabalho em qualquer agência decente são ótimas. O MSN e a internet são liberados, você pode trabalhar ouvindo música com fones de ouvido (algumas liberam até sem fone, mas daí eu sou contra, pois já tive um colega que ficava ouvindo Samba o dia inteiro e isso se tornou deveras irritante depois de algumas semanas) e algumas agências maiores têm até videogames e DVDs para a hora do intervalo.

Contudo, na minha vida profissional pós-DELFOS, eu trabalhei em uma revista de videogames, e essa foi uma experiência mais corporativa, mais semelhante à forma que a maioria das empresas brasileiras funciona. E essa forma é terrível e deixa todos os funcionários infelizes. Se você não sabe do que estou falando, eu explico, mas para fazer um charminho, só no próximo parágrafo.

Nessa revista (e lembre-se, pelo menos 85% das empresas brasileiras funcionam da mesma forma), você não pode usar MSN, não pode ouvir música e boa parte dos sites era bloqueado. Se você checasse muito seu e-mail pessoal, além de levar uma bronca, também bloqueavam o acesso ao dito-cujo e, para piorar tudo, até as ligações que você fazia eram descontadas do diminuto salário, que já mal bancava o transporte até o local. Em alguns casos mais extremos, como os do nosso amigo Guilherme Viana, as empresas pode fazer um bloqueio completo da internet, permitindo que o funcionário use a conexão apenas para enviar e receber e-mails de trabalho.

Agora imagina a situação: você trabalha em uma revista de games e faz parte do trabalho pesquisar notícias sobre esse assunto. Você digita o endereço do seu site preferido, www.delfos.jor.br, e ele está bloqueado. Tenta outro site que fala de games, idem. Tenta um internacional, tipo o Gamespot, sem sucesso. O que você faz? Inventa? Eu sinceramente não consigo pensar em outra opção.

Outra mentalidade comum – e isso também se estende às agências em que trabalhei – é que redator/jornalista, não precisa de mais nada além de Word e, por isso, pode ficar com computadores que eram populares quando Albert Einstein estava envolvido com o Projeto Manhattan. Resultado prático? Você é incumbido de escrever uma resenha de um game que não roda no seu computador (ou precisa conferir o texto do folheto na diagramação que o diretor de arte fez e seu cpu não agüenta o Photoshop ou o Illustrator). E aí? Como você vai poder jogar para avaliá-lo? O que acaba acontecendo é que você tem que inventar uma opinião e escrever qualquer coisa na resenha (ou o folheto é aprovado sem ser lido e sai com erros de português). Isso faz com que eu agradeça a Satã pelas matérias dessa revista não serem assinadas, já que fui obrigado a escrever muita coisa que não assino embaixo. Pense nisso quando estiver lendo resenhas de games na grande mídia especializada brasileira e valorize o que o DELFOS faz por você e as verdades que trazemos à tona.

Ok, essas são limitações mais específicas e são quase uma auto-sabotagem que as empresas fazem. Mas por que bloquear coisas como webmail, Orkut ou mesmo sites onde as pessoas entram para se divertir e se informar? “Ora, você está sendo pago para trabalhar, não para se divertir ou para cuidar de assuntos da sua vida pessoal”, é a justificativa padrão e muita gente, inclusive funcionários, acreditam e concordam com isso. E eu entendo esse argumento, realmente entendo. Mas acreditar nisso é viver em um mundo de fantasia habitado por duendes, arco-íris e membros do Manowar.

Fato: a lei brasileira permite que as pessoas trabalhem no máximo 44 horas por semana. Isso já é uma quantidade absurda de tempo, pois dá praticamente nove horas por dia. Ok, então se a empresa escolher se aproveitar da lei para isso, como fazem quase todas, você é obrigado a estar lá, preso, durante todo esse tempo. Mas é fantasioso acreditar que todas essas horas serão usadas única e exclusivamente para trabalho, até porque a maior parte das pessoas tem bastante tempo de ócio no seu horário empresarial, sem nada profissional para fazer, mas mesmo assim não podem ir para casa. Deixe-as fazerem algo mais construtivo do que ficarem paradas na frente do computador, pô!

Se você fica bitolado no que faz, a qualidade vai sofrer. VOCÊ vai sofrer! É necessário fazer alguns intervalos, checar seus e-mails, falar com a namorada, conversar com amigos, ler umas piadas na internet, olhar para o decote da colega gostosa, receber um processo por assédio sexual, enfim… Isso não prejudica a produção. Pelo contrário, isso AJUDA a produção. Funcionários mais felizes trabalham melhor, mais rápido e de forma mais eficiente. Eles podem não trabalhar durante todas as 44 horas que estão na empresa, mas farão um trabalho maior e melhor nas 30 horas em que estiverem realmente trabalhando.

Para ilustrar o meu ponto, cito a Pixar. Há alguns anos, li uma matéria sobre como eles trabalham. Basicamente, eles não têm horários. Eles têm os equipamentos necessários, uma quantidade de trabalho para fazer e um prazo para terminá-los. A partir daí, são livres para sair da empresa às 14:30, pegar um cineminha, namorar um pouco e voltar às 22 horas e trabalhar a noite toda. O lema da empresa é algo como “faça seu trabalho bem-feito e use seu tempo da forma que quiser”. O resultado todos nós conhecemos: grandes clássicos do cinema recente, como Procurando Nemo, Monstros S.A. ou Os Incríveis. A Pixar é a maior prova de que não adianta ficar pressionando, torturando as pessoas ou as impedindo de fazer o que bem entender. Afinal, se você bloquear o Orkut, nada garante que o caboclo vá trabalhar mais, pois se não pode acessar o Orkut, vai ficar mais tempo no café ou no banheiro, ou simplesmente parado na frente do computador olhando para o monitor enquanto arquiteta formas criativas e não-dolorosas de cometer suicídio. Então por que não dar ao coitado que está jogando a vida fora em nome da empresa essa liberdade e garantir, assim, um trabalho melhor e feito por alguém mais feliz?

“Ah, se a internet for liberada, ele vai ficar o tempo todo no Orkut e no DELFOS e não vai trabalhar”, respondem alguns engravatados imbecis e alguns funcionários condicionados e, portanto, mais imbecis ainda. E eu respondo: isso é um problema da internet ser liberada ou dos seus funcionários serem incapazes e irresponsáveis? Eu voto na segunda opção!

Se um ou mais funcionários da sua empresa passam todo o tempo que deveriam estar trabalhando fazendo coisas pessoais, sem dúvida existe um problema. Mas o problema é com esses funcionários específicos. Simplesmente dê um pé na bunda deles (hum… bunda de funcionárias com processo por assédio sexual…) por justa causa e contrate pessoas mais capacitadas. Se todos seus funcionários são irresponsáveis, paciência. Despeça todo mundo e forme uma equipe nova. Gente boa procurando emprego é o que não falta no Brasil. Manter essas pessoas e bloquear a internet para todos é um erro não apenas pelos motivos apresentados acima, mas também pelo fato de que você vai continuar pagando funcionários que não levam o trabalho a sério e nem com a devida responsabilidade. Se fosse o caso, nem precisariam dessa medida, para começar. E nenhum bloqueio vai impedir que eles continuem ociosos, nem que eles simplesmente fiquem parados sem fazer absolutamente nada. Quem não quer trabalhar não vai trabalhar e isso é um problema comportamental, que não cabe ao chefe resolver, mas ao próprio funcionário. O chefe pode apenas despedi-lo.

A melhor prova disso é o DELFOS. Ninguém aqui, até o momento, ganha dinheiro com o site, mas mesmo assim temos prazos e responsabilidades a cumprir. Quantas vezes você se lembra de acessar o portal e encontrar uma resenha atrasada? Isso nunca aconteceu. E você acha que eu bloqueio o MSN do Cyrino ou algo do tipo? A gente combina um prazo e, quando o prazo chegar, as matérias têm que estar prontas e bem-feitas. O resultado dessa mentalidade é o seu site preferido. E quem não é capaz de seguir essas exigências simplesmente não consegue entrar na equipe ou não dura muito dentro dela, como já aconteceu várias vezes.

Se o amigo delfonauta é uma dessas pessoas que sofre com limitações estúpidas (e eu sei que muitos de vocês são mesmo), mesmo sendo completamente responsáveis, por que não mandar o link desse texto para o seu chefe? Quem sabe o sujeito não vê a luz e afrouxa um pouco as algemas ou diminui o ritmo das chicotadas? Na melhor das hipóteses, talvez ele até se torne um delfonauta e, conseqüentemente, uma pessoa melhor. Só espere ele estar completamente doutrinado para dizer que nós sacrificamos bodes, ou ele pode ficar com medo. E, dito isto, encerro aqui a trilogia mais sombria de Pensamentos Delfianos já feita. Espero que ninguém tenha se matado por causa desses textos. ,)