Eu estou jogando Call of Duty Vanguard. A campanha é excelente, como sempre (em breve tem análise). E gamers mais antenados sabem que este jogo traz a série de volta à Segunda Guerra Mundial. Esta é a temática mais comum em Call of Duty, e o jogo mais recente nela foi Call of Duty: WWII, de 2017. Porém, apesar de contarem histórias diferentes, com personagens e batalhas diferentes, todos esses jogos têm uma ENORME semelhança: você sempre joga do lado dos aliados. Este texto é o bom e velho “comida para pensamento”. E se jogássemos o protagonismo para os que sempre são antagonistas? Como ele seria? Como eu, particularmente, contaria esta história? Mais especificamente, como seria um… Call of Duty Japonês?

DO LADO ERRADO DA HISTÓRIA

Vencedores contam a história. E os aliados ganharam a Segunda Guerra. O lado dos “vilões”, que tinha liderança da Alemanha e parcerias com países como Japão e Itália nunca é contado. Afinal, eles fizeram barbaridades, crimes contra a humanidade, coisas que jamais podem ser justificadas. Mas, permita-me contar uma coisa: mesmo os “heróis” estão longe da conduta idealizada de um Superman. Basta lembrar das duas bombas atômicas que jogaram em um país praticamente derrotado.

Falando mais especificamente, esses jogos normalmente contam pequenos recortes. Histórias de soldados que estão seguindo ordens na tentativa de ganhar batalhas, não a guerra. Afinal, homens de terno em mesas de reunião decidem quando uma guerra é vencida. Neste microcosmo, as histórias em si não são tão diferentes. Ambos os lados tiveram missões em que grupos de soldados devem avançar por território inimigo, destruir armas anti-aéreas ou outras coisas parecidas que vemos com tanta frequência nesses jogos de tiro.

Então, ao jogar Call of Duty Vanguard, eu pensei especificamente como eu gostaria de ver um desses jogos no qual os protagonistas fossem os japoneses. E não apenas soldados, mas também civis e o próprio imperador. Particularmente, eu adoraria escrever esse roteiro, mas dificilmente vou ter oportunidade de escrever um jogo AAA desse naipe, então encare o que vem abaixo como uma fanfic. Um pequeno argumento pensado com a proposta de ser um Call of Duty Japonês, mas sem ter necessidade de carregar essa marca. Sem criar desculpas para as barbaridades que esse povo fez durante o conflito, e definitivamente sem revisionismo histórico, mas também sem desculpar o lado dos aliados. Normalmente quando eu escrevo algo, costumo usar bastante a ferramenta do humor. Este seria um caso à parte, uma história pesada na qual humor simplesmente não teria espaço.

UM CALL OF DUTY JAPONÊS

Minha proposta para este jogo talvez tenha menos adrenalina do que a série está acostumada. O capítulo inicial mostraria japoneses civis em seu dia a dia, acompanhando notícias da guerra que vem queimando a Europa ainda como algo distante. Mas o mais importante nesta parte não são as atividades mundanas que você fará como jogador. A ideia é desenvolver a forma como os civis vêm o imperador japonês, como um representante divino na Terra, cujas decisões são infalíveis. Isso será essencial para entender o futuro da história, especialmente os fatos que levaram às duas bombas atômicas.

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Depois desse início, cortamos para as pessoas que realmente têm poder de decisão sobre a guerra. Vemos as discussões dos militares japoneses sobre entrar ou não na guerra. O que os levou a optar por apoiar os nazistas. Finalmente, esta cutscene interativa termina na decisão do ataque a Pearl Harbor, a primeira cena de ação do jogo.

CALL OF DUTY JAPONÊS EM PEARL HARBOR

Aqui, tirando o contexto, a coisa é totalmente Call of Duty. Uma cena de ação explosiva, de alto orçamento, em que o jogador se alterna entre vários pilotos de avião com objetivos diferentes, como soltar bombas ou destruir aviões inimigos.

Tenho uma dificuldade narrativa aqui. Eu adoraria colocar o jogador no papel de um kamikaze, algo que seria feito com alto teor dramático, novamente para martelar o nível de devoção que os soldados japoneses têm pelo imperador. Porém, Pearl Harbor aconteceu em 1941, e os primeiros ataques kamikazes vieram em 1944.

Isso é algo que eu pensaria melhor caso transformasse este pequeno argumento em um roteiro real. Talvez eu pudesse colocar outras cenas de batalha aérea que acontecessem mais para frente, onde os kamikazes teriam seu local para brilhar. Mas penso que seria importante martelar a devoção dos militares japoneses ao imperador já no ataque a Pearl Harbor.

Depois de Pearl Harbor, outro ponto que gostaria de abordar é o Estupro de Nanquim. Isso foi abordado de forma bem marcante no filme de Zhang YimouFlores do Oriente.

CALL OF DUTY JAPONÊS E O MASSACRE DE NANQUIM

Você pode ler sobre este lastimável episódio histórico na Wikipédia. O Estupro de Nanquim é até hoje um ponto dolorido nas histórias do Japão e da China. Foi uma série de crimes de guerra, torturas, estupros, pessoas queimadas vivas e tudo mais de horrível que os seres humanos infelizmente são capazes de fazer. O que é pior é que até hoje não se tem noção de todas as atrocidades cometidas, pois os japoneses deliberadamente destruíram os registros históricos. Muitos japoneses, inclusive, hoje chegam ao ponto de negar que isso sequer tenha acontecido.

Se você convive com pessoas orientais, talvez já tenha percebido que chineses têm um ressentimento forte dos japoneses. Este episódio histórico é o principal motivo disso.

NO RUSSIAN

No meu Call of Duty Japonês, o Massacre de Nanquim seria um ponto narrativo muito forte e chocante. Nele, eu colocaria o jogador diretamente responsável pelas ações que os soldados imperiais tomaram nessa situação. Seria algo equivalente ao que a famosa fase No Russian fez em Call of Duty Modern Warfare II, mas seria ainda mais pesada.

Afinal, aqui a coisa vai além de simplesmente metralhar civis. Seria questão de ver o quanto seria aceitável colocar em nome de fazer um ponto. Ou melhor, o quanto a turma do marketing permitiria. Um minigame sexual estilo os de God of War, mas no contexto de estupro seria demais? Provavelmente seria, mas imagino artisticamente quão chocante e terrível seria ter foco no rosto realista de sofrimento da vítima enquanto o jogo manda você apertar quadrado ou triângulo. Ridley Scott fez uma cena exatamente assim em O Último Duelo e eu não vejo motivos que justifiquem que um jogo de alto orçamento também não possa abordar esse tipo de temática horrível.

É tudo um trabalho de contextualização, já que a ideia é mostrar quão horríveis foram esses atos, não fornecer qualquer tipo de power trip. De qualquer forma, sempre há a opção de possibilitar que o jogador pule o conteúdo mais chocante sem ser penalizado por isso. Mas considero importante que este conteúdo esteja lá.

HIROSHIMA E NAGASAKI

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Obviamente, haveria outras batalhas e fases além das que descrevi acima. O importante é que, ao contrário dos Call of Duty tradicionais, nesta história, a cada missão, você vai perdendo a guerra, não ganhando. Isso vai afetando a moral dos seus soldados. Alguns começam a questionar a divindade e sapiência do imperador e de seus superiores. Outros, consideram estes traidores do grande império japonês. Alguns se matam por desonra, enquanto outros são incapazes de aceitar que a guerra está cada vez mais perdida.

Este contexto demonstra porque o Japão recusou se render quando começou a ser ameaçado pelas bomba atômica. Eles acreditavam que Deus estava do seu lado e era impossível perder uma guerra divina. O filme brasileiro Gaijin tem uma cena bem marcante que mostra a confusão e incredulidade dos japoneses que moravam no Brasil ao receber a notícia do fim da guerra.

ENOLA GAY

Minha ideia na cena das bombas não é mostrar a irredutividade e orgulho do imperador, que colocou essas características acima da segurança e vidas de seu povo. É mostrar os civis. Tanto as vítimas diretas das bombas, de forma extremamente gráfica, quanto aqueles que estavam longe o suficiente para apenas serem chocados pelo que aconteceu. E, claro, as reações aliadas ao ataque. Em especial a desse sujeito aí embaixo.

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Paul Tibbets acenando segundos antes de decolar para cometer genocídio. Olha como ele está feliz!

Talvez este seria o único ponto da campanha em que você controlaria um estadunidense. Em especial o próprio Paul Tibbets, o genocida que pilotou o avião Enola Gay e jogou a primeira bomba atômica. Assim como a parte de Nanquim, a ideia não seria mostrar poder. Tibbets seria representado como o enorme vilão genocida que é. A câmera poderia mostrar sua aproximação de Hiroshima naquele estilo slasher imortalizado por John Carpenter em Halloween, sabe?

CALL OF DUTY JAPONÊS É PRA CHOCAR

Estes seriam os pontos vitais do meu argumento. Não acho que esse jogo seria feito um dia, mas eu adoraria que fosse. E adoraria participar dele como escritor (o que, claro, é um sonho tão distante quanto conseguir um date com a Cleópatra).

Os jogos de Call of Duty se apresentam como realistas, sérios. Porém, suas campanhas cheias de adrenalina os colocam mais próximos de filmes de ação cômicos como O Último Grande Herói. E tudo bem. Eu adoro o gênero. Adoro as campanhas de Call of Duty. Mas vejo muito potencial em uma forma diferente de abordar um conflito mostrado quase sempre do mesmo lado.

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CONSULTORIA HISTÓRICA CORTESIA DO AMIGO BRUNO SANCHEZ.