Os Headbangers não praticantes v. 2.666: o legado

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Atenção: Este texto contém palavrões. Se isso te incomoda, clique aqui e leia a resenha de um desenho da Disney.

Vivemos em uma época onde o Metal está com sua criatividade em baixa e as bandas estão se limitando a lançar continuações de seus maiores sucessos. Assim, enquanto o Helloween lança seu Keeper of the Seven Keys: The Legacy e o Gamma Ray manda ver no seu Land of the Free II, por que não fazer uma continuação para aquele que é o texto delfiano mais cult, Os headbangers não praticantes? Afinal de contas, praticamente toda a reflexão apresentada aqui aconteceu durante e após o show das duas bandas em questão, então nada mais justo do que pegar carona na falta de criatividade delas.

Mas não é para falar sobre as limitações criativas destas bandas que estamos aqui, mas para falar sobre o público do Metal. Faz exatamente três anos que eu escrevi o famoso Headbangers não praticantes (foi em maio de 2005) e um pouco mais de dois anos que ele foi publicado (em fevereiro de 2006). Na crônica em questão, eu discutia o fanatismo do público do Metal, seus argumentos prontos (se você viu qualquer defeito no show X, você deveria ouvir pagode) e sua falta de inteligência no geral. O problema é que no show do Gammaween, tive que encarar uma terrível mudança. Os headbangers não praticantes evoluíram para uma nova versão, ainda mais fanática, mais burra e mais violenta. Esses são os headbangers não praticantes versão 2.666. E, ao contrário do que eu acreditava há três anos, eles não são mais a exceção. São a regra.

Antes de mais nada, vamos contar o que me fez chegar nessa conclusão. No já muitas vezes citado show do Gammaween, durante a faixa Into the Storm, que abriu o set do Gamma Ray, eu estava no chiqueirinho fotografando a banda, quando senti me empurrarem. Olhei para trás e vi que a grade que separa o público dos fotógrafos estava sendo empurrada na nossa direção. Felizmente, alguma coisa, talvez uma interferência divina, fez com que ela parasse. Mas se tivesse andado alguns poucos centímetros a mais, teria machucado gravemente muitas pessoas que estavam ali fazendo seu trabalho, e tornado muito difícil de sair dali. Se tivesse andado coisa de um metro a mais, teria feito com que as tripas de mais de 20 pessoas saíssem pela boca, ao esmagarem impiedosamente fotógrafos e seguranças.

Veja bem, não estou exagerando. Não são simplesmente as pessoas vindo na sua direção. O que tornou isso tão perigoso é a grade. Não seria apenas um impacto que poderia derrubar as pessoas ali presentes, que correriam o risco de serem pisoteadas. Seria algo mais parecido com a cena do compactador de lixo do Star Wars, mas sem nenhum R2 para salvar o dia. Sendo que não haveria tempo de todos saírem dali, pessoas iriam morrer. E isso é muito grave, apesar de ter gente que comenta por aí dizendo que chamar a morte de 20 pessoas de tragédia é um exagero. ¬¬

Diante do medo que os assassinos do Metal (provavelmente eles gostam de ser chamados de alguma coisa tipo Steel Assassins of Thunder) continuassem empurrando, acabei saindo dali pouco depois e nem voltei para fotografar o Helloween. Afinal, não sou um jornalista de guerra. Não dou a minha vida por uma matéria. Ainda mais para registrar algo tão mundano como um simples show de Rock.

No intervalo entre os dois shows, os funcionários da casa tentaram empurrar o negócio de volta. Alguém com o microfone pediu a “gentileza” de as pessoas darem um passo para trás. Ninguém estava nem aí. O cara então disse, com razão, que enquanto não conseguissem resolver isso, o show não começaria. A resposta do público me surpreendeu mais do que o final do Sexto Sentido.

Os imbecis mostraram toda sua ignorância e começaram um corinho de “filho da puta” para o funcionário que estava lá zelando pela segurança de todos. Neste momento, veio à minha cabeça a imagem de um moleque mimado que quer pular da janela para imitar o Superman. Como os pais obviamente não permitiriam isso, ele começa a gritar e a chorar dizendo coisas como “mas eu quero!”, seguido por um “eu te odeio, vai ouvir pagode!”. Esse é o público de Metal atual. Um bando de moleques mimados fazendo manha e apelando para a ignorância porque se acham, em sua paranóia, perseguidos pela sociedade. Falo mais sobre isso em breve.

Se meu texto original foi inspirado pelo fato de o Alexi Laiho ter agido como um homo erectus e o público como seus capangas contratados, que falavam coisas como “se não quer levar cuspe, vá a um show da Sandy e Júnior”, me pergunto o que vão dizer agora? “Se não quer morrer, vá a um show da Sandy e Júnior”? Será que realmente vai aparecer alguém que vai defender a idéia de que, se você vai a um show de Metal tem que estar pronto para a morte? Vai saber, depois que alguém disse neste texto que um engenheiro NÃO precisa ser alfabetizado, acredito que não me surpreendo com mais nada.

Aliás, depois da redação desse texto, o sistema de estatísticas do DELFOS mostrou uma comunidade do Orkut linkando para a notinha original (eu ia linkar o tópico aqui, mas acabei desistindo para que os delfonautas não fossem lá e acabassem entrando em discussões com esses infelizes). E não é que lá teve alguém que falou exatamente isso? “esses kara tem que ir pro show do roberto carlos, edson e hudson….eles tem que achar outro estilo…”. Pior que o cara tem razão. Se eu quero ouvir música, talvez realmente um show de Metal não seja o lugar ideal, pois há muito tempo que esse estilo não se preocupa mais com isso. Outro ainda disse “se eu soubesse que eram do DELFOS ai que eu tinha empurrado mais!!”. Tudo bem o cara não gostar do site, mas querer matar quem faz é um tanto radical, não acha? Claro, ele com certeza está fazendo uma daquelas brincadeiras juvenis, do tipo “olha como eu sou troozão e como o DELFOS é traidor do movimento”, mas isso já demonstra o quociente intelectual do headbanger médio.

Aliás, sempre que rola esse tipo de discussão em fórum, sempre tem um true para fazer alguma reclamação do DELFOS como um todo. O mais engraçado é que essas críticas são sempre feitas por alguém que não entendeu a proposta, que vem exigindo imparcialidade e coisas do tipo. Não raro, percebe-se que o cara nem leu nada no site, e inclusive é comum comentários do tipo: “parei de ler no primeiro parágrafo, mas está uma merda”. Esse tipo de atitude é normal e acaba até contribuindo para a minha argumentação. Afinal, este site sai do padrão esperado pelas pessoas e o que é diferente gera resistência de alguém que não sabe ligar sua massa encefálica. O cara que fala isso acredita que essa é uma forma de protesto contra algo que o incomodou, mas na verdade o que ele está comunicando para as outras pessoas é “eu formo opiniões não embasadas e preconceituosas baseados em pequenos trechos e fatos que não correspondem à totalidade do assunto”.

Agora saca só esse: “A Imprensa burguesa tem mais é que se ferrar, sempre. Eu falo por uma mídia independente, tentei uma credencial pra poder cobrir o show e fui barrado pela imbecil que fala pelo Credicard Hall. Agora, rádiozinha de merda e as meninas bonitinhas podem entrar, ganhando credencial… Uma vergonha, sinceramente. Mas, esse é o Brasil que nós temos, afinal…os caras tão ganhando grana dos seus empregos pra cobrir o show, entram de graça e ainda reclamam dos fãs… Nego tinha que ter matado todos os 20 individuos…isso sim”. O sujeito é a favor de matar todos os jornalistas para que sobrem credenciais para ele e sua mídia independente? Ah, e o DELFOS faz parte da imprensa burguesa. Realmente, DELFOS, Veja, CNN, alguém vê alguma diferença? ¬¬

Além desses imbecis, tem também algumas pessoas mais normais, que são contra esse tipo de violência (teve um que fez um comentário genial, dizendo que quer assistir show, não brincar de WWE) e até algumas pessoas relatando desmaios, pessoas que quase quebraram a perna e reações adversas causadas por essa atitude do público que NÃO, NÃO É NORMAL em shows de Metal! Show é para ser divertido, não traumático! Ninguém tem que se machucar em concertos de nenhum estilo e qualquer pessoa que pensa diferente é um retardado – sem querer ofender os retardados de verdade, é claro.

De quem é a culpa por isso ter acontecido? A primeira coisa que vem à cabeça é, é claro, o público do Metal, que fica a cada dia que passa mais burro e mais fanático. Chegamos ao ponto de esse público estar disposto a MATAR para ficar um metro mais próximo dos seus ídolos. E isso num show do Gammaween, provavelmente as duas bandas com as letras mais fofas e positivas que temos no Metal. E se isso acontece num show de grupos que cantam a alegria e a paz, o que podemos esperar de um concerto mais testosterônico, com uma banda que canta a guerra, tipo o Manowar? Deus me livre do que pode acontecer em um show realmente pesado, principalmente se pensarmos que, até um tempo atrás, a turma do Black Metal era a que ganhava todos os troféus no quesito “agir como um troll norueguês”.

Sinceramente, não me interessa se você estava lá, não teve nada a ver com isso e na verdade é um cara legal. Com certeza vai ter uma galera que vai dizer que estou generalizando. Mas quando se junta um monte de gente no mesmo lugar, ela se torna uma massa e o que estou descrevendo aqui foi como essa massa agiu. Não se engane, meu amigo. O público do Metal não é mais uma galera da paz com um ou outro imbecil que suja o nome de todos. É exatamente o oposto: é um monte de mulas desenfreadas e semi-irracionais, com um ou outro sujeito gente boa infiltrado e que dá o sangue para tentar defender a classe e a causa há muito perdidas.

É pura ilusão negar que cada grupo tem uma forma diferente de agir, mesmo que seja composto de pessoas diferentes. Se formos a um show de música clássica, o público agirá de forma diferente das pessoas que encontraremos na praia que, por sua vez, agirão de forma diferente de quem estiver em um casamento. É esse comportamento grupal do público do Metal que está sendo analisado e criticado aqui.

Se você não é um desses “truegloditas” (e principalmente se for), reflita um pouco: é a mídia que persegue vocês ou são vocês que a alimentam com esse tipo de comportamento? Claro, eu sei (ou pelo menos quero acreditar), que os imbecis que fizeram isso não tinham a intenção de matar ou de causar uma tragédia. Ainda assim, homicídio culposo não deixa de ser homicídio e é disso que estamos falando.

Embora os headbangers gostem de discordar, se dizendo da paz e comprando briga com qualquer um que falar o contrário (note o paradoxo), essa agressividade é reconhecida por eles mesmos. Se não fosse, por que o argumento “se não agüenta, vá em shows de outros estilos” é tão utilizado por eles?

A lógica é mais ou menos assim: “eu sobrevivi ao show do Gamma Ray (ou de qualquer outra banda), portanto sou macho pra caralho, uma verdadeira representação de Odin em Midgard! Se você reclamou das condições ou do comportamento do público, você não é tão macho quanto eu, portanto, é uma bichinha emo pagodeiro preto e cabeça de mamão, portanto, não é digno do deus Metal, nem de assistir aos mesmos shows que eu e muito menos de se depilar, se besuntar com óleo e sair pela rua de cuequinha e carregando uma espada como se fosse um membro do Manowar. Hum… membros do Manowar…”.

Também podemos argumentar que a culpa é do Credicard Hall e da organização do show, e estaríamos certos nisso. É bem provável que eles tenham vendido mais ingressos do que deveriam, a grade do chiqueirinho deveria ser feita de adamantium (eu sei que adamantium não existe, mas você entendeu a idéia) e estar soldada no chão para que esse tipo de coisa não acontecesse. E por que eles foram deixar para resolver isso apenas no intervalo? Se não tinha como ser impedido, esse tipo de coisa merece ação imediata! Deveriam ter interrompido prontamente o show do Gamma Ray e só ter continuado depois que tudo estivesse devidamente controlado – ou então cancelar de vez a noite inteira. É o preço que se paga por não cuidar da segurança ANTES do show. Mas até aí, em um público civilizado não precisaria de tanta segurança. Ou alguém acha que algo assim teria alguma possibilidade de acontecer em um show da Filarmônica de Berlim? De qualquer forma, se a casa aceita receber os cabeludos de preto, devem estar preparados para essa selvageria e garantir a segurança de todos, uma vez que a turma que ouvia Metal e era da paz está visivelmente no passado, como, aliás, parece ficar claro analisando o tópico do Orkut supracitado.

Por fim, a culpa também é da banda. Claro, eles nada poderiam ter feito para evitar isso, mas era obrigação de Kai Hansen e companhia terem interrompido o show assim que perceberam que havia algo errado. E é claro que eles perceberam. Afinal, todo mundo parou de fotografar assim que isso aconteceu, um monte de gente saiu dali, os seguranças começaram a circular visivelmente preocupados. Era óbvio para qualquer um com visão que tinha alguma coisa muito errada acontecendo naquele espaço. Mas os caras continuaram com o show como se nada tivesse acontecido. E pior, com sorrisões enormes no rosto. Sinceramente, me decepcionei muito com a minha banda preferida nesse dia.

Agora vamos supor que o pior acontecesse e realmente cerca de 20 pessoas (ou mais) tivessem batido as botas. Aliás, pior ainda, não seriam simplesmente 20 pessoas, mas 20 jornalistas. Você tem idéia da repercussão que isso causaria? Se não tem, continue lendo.

Assim como alguém que mata um policial pode esperar grande sofrimento na cadeia, a morte de um jornalista em exercício do dever também tem sérias repercussões para todos os envolvidos. Mesmo em zonas de guerra, que são, por definição, perigosas, os jornalistas usufruem de certa imunidade. Convenções de guerra proíbem o assassinato de profissionais do ramo, é algo considerado pior do que matar civis desarmados. Isso não acontece porque somos pessoas especiais ou superiores, nada disso. Acontece porque você (ou se você não se interessa pelo que acontece no mundo, muita gente se interessa) quer ler sobre o que acontece nestas zonas de risco, então quem se dispõe a ir a um lugar assim, simplesmente para registrar, precisa de alguma proteção.

Agora pense comigo e imagine a seguinte manchete: “20 jornalistas são assassinados em um show de Heavy Metal no Credicard Hall”. Sinceramente, você tem alguma dúvida que um dia depois do show, essa manchete (ou até coisas piores) estariam ilustrando as páginas dos principais veículos do mundo? A classe de jornalistas iria se unir completamente contra o Heavy Metal e contra o Credicard Hall e isso provavelmente causaria a falência da casa de shows e o Gamma Ray e o Helloween sofreriam um baque considerável em sua carreira, do qual provavelmente nunca conseguiriam se recuperar. Esse fato seria explorado por meses e sem dúvida entraria nos anais do estilo. Eu mesmo, que sou fã dos caras, provavelmente nunca mais vou dissociar os dois da imagem de protagonistas da noite em que quase morri. Imagine o que a Rede Globo falaria sobre o evento. Ou a Veja. Se você é um dos retardados que empurraram a grade, agradeça a seu Deus, seja ele qual for (mesmo que seja o deus Metal), por nada de mais grave ter acontecido, ou muito provavelmente esse teria sido o último show de Metal que você teria tido a oportunidade de assistir em São Paulo. Tudo porque você, espertão, queria ficar um metro mais próximo do seu ídolo.

Dito tudo isso, vamos voltar muitos anos no tempo. Vamos voltar para os idos de 96/97, quando eu comecei minha extensa carreira de espectador de shows de Rock e Metal. Naquela época, os shows (com exceção às bandas mais mainstream, como o Iron Maiden ou o Ozzy Osbourne), não aconteciam em casas grandes e luxuosas como o Credicard Hall ou o Via Funchal. Aconteciam em casas de forró que mudavam de nome para o evento (como o famoso Teatro dos Vampiros) ou às vezes nem isso (lembro que assisti ao Hammerfall no KVA).

Claro, a casa de shows é o de menos, mas isso denota apenas que o Metal naquela época era muito menos popular, ou seja, tem muita gente que começou a ouvir o estilo nos últimos 10 anos. A coisa mais comum do mundo era ir a um show e sair com novos amigos. Teve um show que eu conheci uma turminha de Pirassununga e um mês depois, eles me convidaram para ir visitá-los. O que aconteceu com esse clima de amizade? Já dizia o próprio Manowar naquela época “if you like Metal, you’re my friend”. Hoje, todo mundo, principalmente os jornalistas da mídia especializada (já que a “burguesa”, como o gênio acima chamou, não se interessa por cobrir esses shows), parece ser inimigo.

Naquela época, lembro que as pessoas ficavam meio assustadas quando eu dizia gostar de Metal e, embora não tivesse dificuldade em fazer eventuais namoradas ou novos amigos gostarem de ouvir o estilo (afinal, que indivíduo de bom gosto não gostaria de uma forma de música tão rica quanto o Heavy Metal?), convencê-los de que ir ao show era uma atividade segura e divertida necessitava de certa persuasão. Mas eu conseguia, e normalmente falavam depois que eram shows muito mais calmos e agradáveis do que os que costumavam ir antes de me conhecer. E naquela época era mesmo! Naquela época, a gente não pensava que para ir a shows de Metal tinha que ser um digno descendente de Odin e agüentar o tranco! Precisava apenas gostar da música e se divertir!

Embora rolassem as famosas rodinhas, era algo opcional, entrava quem quisesse. Se você quisesse ficar na sua, só ouvindo o som, era bem-vindo também. Ei, éramos todos amigos. Shows de Rock eram uma experiência mágica e inesquecível para todos os envolvidos. Até quando alguém esbarrava em você ou algo parecido, a paz prevalecia, pois o sujeito sempre fazia questão de voltar para se desculpar. O que aconteceu com esse clima de paz? Hoje todo mundo passa empurrando, como se estivessem no metrô Sé em horário de pico.

Os únicos inimigos naquela época eram realmente os seguranças, que nos tratavam como marginais, xingavam, faziam revistas muito mais constrangedoras do que as de hoje. Nós não tínhamos direito nem de ir ao banheiro após o show (sim, um segurança veio me confrontar quando estava esperando minha namorada sair – isso aconteceu no Palace/Directv ou sei lá qual é o nome atual da casa, após um concerto do Children of Bodom). Enfim, isso tudo mudou. Hoje eles até dão boa noite, o que seria estranhíssimo há alguns anos. Os seguranças não são mais os inimigos, o próprio público é. Muita gente pode achar barulhento, mas o fato é que você não vai mais ser taxado de marginal ou ser parado por policiais por ter cabelos compridos e se vestir de preto, como acontecia há alguns anos e como aconteceu tantas vezes comigo. Você queira ou não, o Metal hoje é um estilo de música reconhecido e socialmente aceito, mas isso parece tirar a graça para o público, então eles acabam procurando outras formas de serem polêmicos. E encontraram a violência, a idéia de jerico (se fosse um disco do Helloween, se chamaria Ideas of Jericho) de que num show de Metal, você pode tomar qualquer atitude bárbara e se o seu brother of Metal não aceitar, ele não é um brother e deve, portanto, ouvir pagode, já que não deve se enfiar em meios onde não agüenta a pressão.

Hoje, com a exceção de as rodinhas ainda serem opcionais, não vejo mais nada dessas coisas legais do passado. O que vejo são vadias que sobem no ombro dos namorados sem a menor consideração por quem está atrás. O que vejo são sujeitos bêbados e sem noção, que ficam próximos demais para manter o conforto, mesmo quando existe espaço. O que vejo são pessoas mais interessadas em gravar o show no celular do que em assistí-lo. E eu não gosto do que vejo.

Na minha adolescência, eu era aquele cara radical, que praticamente só ouvia Metal, tinha o cabelo até a cintura e só se vestia de preto. Algumas dessas coisas mudam naturalmente com a idade, mas há muitos anos não vou de preto a algum show. Até uma semana atrás, simplesmente não achava importante escolher uma combinação específica de roupas para ir, mas depois do show do Gammaween, me toquei que pode haver uma razão inconsciente. Eu tenho vergonha de fazer parte dessa tribo. Embora eu ainda goste de Heavy Metal e de assistir aos concertos do estilo, não quero ter absolutamente nada a ver com o resto da gentalha que tem gostos semelhantes aos meus atualmente. Simplesmente porque eu mesmo não tenho mais nada a ver com essa turma que hoje lota os shows do gênero.

Simplesmente porque eu nunca levantaria uma namorada nos meus ombros, pois sei que isso atrapalha as pessoas de trás. Simplesmente porque eu nunca fui tão fanático a ponto de xingar alguém só porque o cara não gosta do que eu gosto ou vice-versa, como é comum fazerem hoje. Finalmente, e mais importante: EU NUNCA MATARIA NINGUÉM para ficar um metro mais próximo de um ídolo. Aliás, eu nunca mataria ninguém, PONTO.

Por tudo isso, eu me pergunto se realmente é possível que as coisas tenham mudado tanto em dez anos. Será que o mundo do Metal era tão cor-de-rosa (ou, para se manter na mitologia, cor-de-aço-cromado-Harley-Davidson) quando eu era um adolescente cabeludo ou o romantismo da época não me deixava perceber essas coisas? Essa é uma pergunta que não consigo responder, então a lanço para algum delfonauta que se lembra dos shows em casas de forró. A memória prega peças e talvez na sua cabeça, os shows de Metal sempre foram centros de selvageria e violência e eu estava apenas muito iludido pelas letras positivas e pacifistas do Gamma Ray e do Stratovarius.

Que as coisas mudaram, é óbvio. Já falei antes que não existe mais o Metal por diversão tão comum no passado. Hoje, nenhuma banda vai ter colhões de gravar uma letra como Freetime. É comum alguém responder quando eu digo isso fazendo um comentário dizendo que os músicos estão mais velhos e que esse tipo de temática perde a graça com a idade. Mas pensa comigo: o que é mais juvenil? Sair com a sua namorada para ir ao cinema ou pegar uma espada e sair para salvar a princesa de um dragão malvado que a raptou? Falar de sonhos de paz e de um mundo melhor ou de vampiros e batalhas espaciais?

Ei, não pense que eu sou contra esse tipo de temática fantasiosa, o que sou contra é que existam apenas elas no Heavy Metal. Hoje, todas as letras parecem seguir aquela linha do Judas Priest e Painkiller, sobre alguma criatura super-poderosa, mais rápida que uma bala e que tem rodas mortais. Claro, quando traduzimos a letra e vemos coisas como “Ele é o Analgésico! Anal! Anal! Gésico! Gésico! Rodas! Mortais! Analgésico!”, vemos que nem ela é assim tão séria quanto pensamos – ou como a música poderosa faz parecer.

Não me entenda mal, eu sei quão temíveis os analgésicos podem ser. Se eventualmente a caixinha de remédios que você guarda no armário do banheiro cria vida e pulam todos os Tylenols na sua boca, é bem provável que aconteça algo semelhante ao que houve com o Obelix e os efeitos se tornem permanentes. Imagina quão chata a vida seria sem nenhuma dor de cabeça? Agora talvez essas temáticas afetem o público. O fã de Metal deve gostar de se sentir um analgésico e daí sai por aí causando destruição. Vai saber. Para ele deve ser sinônimo de virilidade. E, na falta de um cérebro mais desenvolvido, sobram apenas as atitudes trogloditas. Um sujeito que não sabe conversar, só consegue namorar batendo com a clava na cabeça da moça, certo?

Talvez o Metal se limite às letras agressivas/fantasiosas/juvenis hoje porque os jovens de hoje só querem saber de agressividade. Outro dia estava mudando de canal e vi o programa Fundão, na MTV. Chamou-me a atenção o fato de o João Gordo dar uma foto para o sujeito que estava participando e falar coisas como “come, seu merda”. E, para meu espanto, o cara comeu! Depois vi que o jovem em questão não sabia quem eram personalidades como o Ghandi, o que realmente denota sua burrice. Outro programa, um tal de Lavanderia, parece um Ratinho focado em jovens, com problemas estúpidos como “todos os meninos querem namorar comigo e eu só quero diversão”. Se o jovem realmente gosta dessas coisas, fico preocupado. Poxa, quando eu assistia ao canal, eles tocavam música. Mas, ei, naquela época a gente também ia a shows para ouvir música, não para descontar as frustrações do dia a dia em atos de violência.

Isso talvez demonstre que o que vemos no Metal é apenas uma gota em um oceano maior. Foi-se a época de Future World e de Fantasia. Fico me perguntando se Arnaldo Jabor não estava certo em sua polêmica declaração quando da morte de Dimebag Darrel. Foi-se a paz, sobrou a porrada. Quando ele disse aquilo, fiquei bravo por ele ter demonstrado não conhecer o estilo, mas atualmente realmente parecemos ter chegado a essa situação. Ele disse isso analisando de fora algo que não compreendia. Eu estou analisando de dentro algo do qual participo há mais de uma década. Não, o Metal, como um estilo, não prega liricamente ou ideologicamente a violência. Longe disso, aliás. Mas o público brasileiro do gênero não está nem aí para as letras. Eles estão dispostos a cantar Future World bem próximos do Kai Hansen, nem que para isso tenham que socar cinco pessoas antes de cantar “one day we’ll live in happiness in a world that’s full of joy”. Todos os fatos apontam mesmo para isso. Os headbangers não praticantes se tornaram a norma. E numa nova versão revista e piorada, agora não são mais apenas burros e fanáticos: são também assassinos. Hoje os não praticantes somos nós, os caras da paz, que só querem saber de ouvir música boa. Será que ainda é possível piorar? Ou será que sempre foi assim e nós é que não éramos capazes de perceber?

Curiosidade:

Façamos uma enquete com o público. O que você acha de o DELFOS não ter mais seção de música? Os mais antenados já perceberam que não fazemos mais entrevistas desde o fiasco bolinha de queijo, e não foi por falta de oportunidade. Foi simplesmente por falta de profissionalismo por parte das bandas e assessoras. A quantidade de músicos que já furaram uma entrevista com a gente depois de estar tudo combinado, a pesquisa feita e as perguntas criadas é imensa e inclui nomes como Arch Enemy (isso depois de eu ter pedido a garantia da assessora que eles não furariam a entrevista, porque já esperava que acontecesse), Annihilator, Andre Matos (na época ainda no Shaman) e tantos outros.

Acontece que, para ser sincero, há muito tempo que a seção de música se tornou um fardo. Dá muito trabalho para manter e todos os imbecis que chegam por aqui são justamente os fãs de Metal. Nunca um fã de Metal me mandou uma mensagem discordando educadamente de algo, é sempre “vai ouvir pagode, seu preto” e argumentos nessa linha. E o DELFOS, por definição, é um site para pessoas capazes de se comunicar (com palavras, não com violência). Depois de alguns anos, esse tipo de coisa cansa, principalmente porque não existe sinal de melhora. Aliás, parece piorar cada vez mais.

Agora, que percebo que cobrir shows é arriscar minha vida, realmente começo a repensar algumas coisas. Talvez seja melhor mesmo deixar o Metal para os Metaleiros e a gente continua com o site falando de pessoas inteligentes para pessoas inteligentes, que podem ou não gostar de Metal, mas que cada vez menos têm a ver com a gentalha que infesta esses shows. O que acha?

PS: Não tenho planos de eliminar a seção de verdade, mas realmente gostaria de saber a opinião dos delfonautas quanto a isso. Não conheço nenhum outro site nerd brasileiro que fale de música, então isso acaba sendo um grande diferencial nosso. Por outro lado, por que não existe nenhum site nerd brasileiro que fala de música? Será que nerds não gostam tanto de música quanto parece?

Atualizada: Como esse texto está atraindo muita gente nova, que não conhecia o site, vale duas explicações que quem acompanha já está cansado de saber. O DELFOS é um site declaradamente parcial e você acha os motivos para isso navegando por outros textos ou nos botõezinhos lá do topo. Segundo: a imprensa não tem uma área reservada e protegida nos shows. Os fotógrafos podem ficar no chiqueirinho para fotografar normalmente durante as três primeiras músicas e depois voltam para a pista, junto com todo mundo. Não temos acesso a camarotes nem a nenhuma área exclusiva, pelo menos não nesses shows normais, de casa de show. Em festivais, é diferente.

Aproveitando, eu não ia colocar isso, mas não resisti, pois é algo que merece ser divulgado, por mostrar de forma bem engraçada como as pessoas vão entender o que quiserem, não importa o que você fale. É um comentário feito na mesma comunidade supracitada, dizendo como esta matéria deveria ter sido: “veja, a materia em nenhum momento disse assim: um pequeno grupo de otarios que comecou a empurrar no show fez com que todos empurrassem a grade pondo em risco a vida dos jornalistas… nao, a materia foi a seguinte: a massa de headbangers imbecis, inspirados pela falta de criatividade das bandas que cultuam, bandas das quais tem letras idiotas, foram ao show com a intencao de matar ou morrer… é essa a minha indignacao! a materia NAO foi nenhum pouco imparcial. foi sim preconceituosa e nao analisou os fatos verdadeiramente…”. Tirando o fato da imparcialidade que, é claro, não foi mesmo, e nem era para ser, essa descrição corrobora com a matéria que você acabou de ler? =)

Aliás, se você conseguir descobrir qual é essa comunidade (eu não vou linkar aqui, mas não é muito difícil fazer isso), vale a pena acompanhar a conversa deles. A postura de “show de Metal é assim mesmo, então não entendi o motivo dessa matéria” me deu uma idéia para outro texto: foi-se a época em que as letras e o público de Metal eram conhecidos por serem questionadores. Hoje, são conformistas (talvez por isso que o estilo hoje é aceito pela sociedade – não é mais perigoso ao status quo). Mesmo a maioria concordando que não deveria ter tanta selvageria em shows, eles não vêem razão para criticar. É assim e pronto. Provavelmente eles gastam muito tempo falando de analgésicos, trovões e passando óleo no corpo depilado para criticar o que acham que está errado (a não ser que o que está errado seja alguém falando mal dos seus ídolos). Lembrou-me até essa outra clássica matéria delfiana que questionava mais ou menos isso, a falta da postura crítica no Metal atual.

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