Ondine

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Contos de fadas são aquelas histórias de terror from hell envolvendo zoofilia e canibalismo num mundo mágico e que sempre terminam em casamento. Um dos maiores mistérios da humanidade para mim é como elas não causam pesadelos nas crianças que são seu público alvo.

Portanto, se eu disser que Ondine é um conto de fadas adulto, o que você pensaria? Não, amigão, não temos aqui nenhuma cena da vovozinha fazendo amor com o Lobo Mau. E muito obrigado por colocar essa cena na minha cabeça. Porém, a história e sua condução, embora não tenham nada impróprio, seriam muito chatas para nossos mini-mes.

A história aqui é a de um pescador que pesca o maior peixe da sua vida. Tão grande que é do tamanho de uma mulher. E parece uma mulher. Tá, é uma mulher. Ou pelo menos é o que o pescador pensa. Sua filha, claro, imagina que ela é uma selkie. Afinal, o que mais ela estaria fazendo na água?

Caso o amigo delfonauta não saiba o que é uma selkie e não queira esperar pelo comentário do LucasViking explicando, trata-se de uma criatura do folclore escocês/irlandês. São focas que podem largar sua pele de foca e, assim, se tornarem humanas.

Muitas histórias foram contadas de homens que se apaixonam por sereias ou coisa parecida. Porém, o diferencial aqui é que durante a maior parte do filme você não sabe se ela é de fato uma selkie. Assim, vai de você encarar a história como quiser. Temos aqui um conto na linha de A Pequena Sereia, cheio de magia e fantasia? Ou é apenas a história da relação entre essas três pessoas (o pescador, a filha e a mulher)? Mais importante, existe algo mais mágico do que as relações humanas?

Eventualmente, o filme aborda a questão que o permeia durante toda a projeção e responde se a moça é mesmo uma selkie ou nada além de uma garota assustada. E este é o único motivo que separou este excelente longa da maior honraria da cultura pop, o Selo Delfiano Supremo.

Acredito que Ondine seria extremamente especial se deixasse essa decisão para o público, mais ou menos como no final do excelente Antes do Amanhecer. Assim, a interpretação da história dependeria da fantasia que o mundo deixou sobreviver em você, o que deixaria o filme muito menos unilateral e, por que não, até interativo. Cada pessoa teria uma visão completamente diferente do seu tema.

Em determinado momento, um dos personagens diz para a moça: “você espera que eu acredite em um conto de fadas?”, ao que ela responde “sim”. Isso é sensacional, pois é como se o público cético perguntasse isso ao diretor, que reafirma o lado mágico do seu filme. É uma pena que ele mesmo não siga seu conselho até o final, nos deixando tomar a decisão de se acreditamos ou não em seu conto de fadas.

Não que a revelação em si seja ruim ou feita nas coxas. Até que o final é bem legal, mas deixa o filme mais óbvio, mais padrão e, por conseguinte, menos especial. O que é realmente ruim, no entanto, é a fotografia. Várias cenas são tão absurdamente escuras que não dá nem para saber quais são os personagens envolvidos.

Muitas vezes já comentei aqui no DELFOS como os traços de criatividade e sentimento no cinema atual estão quase que exclusivamente nos filmes indies. Esse é um deles. Não deixe o pôster de romance mela-cueca enganar você. Ondine tem sentimento, tem criatividade, um belíssimo desenvolvimento de personagens e, principalmente, é mágico. Tudo exatamente como o cinema deve ser, e quase nunca é.