O Declínio do Heavy Metal

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Há nem tanto tempo, publiquei aqui um texto onde dizia que, de uns 10 anos para cá, o Heavy Metal gozou de um aumento considerável de popularidade, que o deixou beirando o mainstream. Fato: não é mais assim.

Isso pode ser facilmente comprovado se considerarmos os locais em que as bandas têm tocado. Grupos que antes tocavam no Via Funchal agora tocam em bares ou casas de shows consideravelmente menores. Por que isso aconteceu? Pensar sobre isso é o objetivo deste artigo. Tenho três teorias, cada uma abrangendo um meio diferente. A meu ver, a culpa pode ser do mercado, dos fãs, ou simplesmente algo natural e inevitável. Comecemos por essa última.

Convenhamos, o Metal é um estilo jovem. Quando se é um adolescente inseguro, com dificuldades de sociabilização, ouvir aquele som poderoso falando de uma época mais romântica (e inexistente) em que guerreiros extremamente machos arrancavam as tripas de dragões com as próprias mãos é exatamente o que a gente precisa para nos ajudar com as inseguranças da adolescência.

Porém, as pessoas crescem, amadurecem, se tornam mais seguras e começam a se preocupar com outras coisas. De repente, lutar pelo rei, pela terra e pelas montanhas parece menos importante e perdemos o interesse na velha batalha entre o bem e o mal. Até porque, com a idade e os compromissos para pagar contas, o mundo vai ficando cada vez menos preto e branco e mais cinza. Maniqueísmo, assim como o Metal, é um fenômeno da juventude.

A ascensão de popularidade do Metal rolou na segunda metade dos anos 90, especificamente por volta de 98, que foi quando assisti aos shows mais marcantes da minha vida e quando decidi que queria trabalhar com algo relacionado ao gênero. Nessa época, as bandas começaram a fazer várias apresentações por aqui em casas pequenas e alguns anos depois, no início dos anos 2000, a maioria delas já estavam tocando em grandes locais, como o Credicard Hall e o Via Funchal e voltando em todas as turnês.

Agora pensa comigo: um sacripanta que, em 98, estava na idade ideal para shows (entre 16 e 19 anos), como eu estava, hoje está beirando ou passou dos 30. O interesse até continua, mas a importância que damos a esses concertos diminui e ficamos cada vez menos dispostos a aguentar os contras relacionados a grandes shows.

Prova dessa ascensão e declínio são as revistas especializadas. Em 2002, tínhamos mais de uma dezena delas. Hoje, a maioria sumiu. As poucas que sobraram diminuíram consideravelmente a tiragem e a qualidade.

Isso fica ainda mais embasado se pensarmos na primeira grande explosão de popularidade do Metal, nos idos de 1985. Os jovens da época eram fanáticos pelo estilo, que provavelmente passava pelo momento mais mágico de sua história. Porém, no início dos anos 90, quando se aproximavam das três décadas de vida, o interesse minguou, e a juventude de então começou a se interessar pelo Grunge. Quando essa juventude se aproximava aos 30, uma nova, da qual eu fazia parte, redescobriu o Metal, causando seu renascimento e a grande popularidade que a maioria de nós presenciamos.

Tudo isso é natural e inevitável. E, bem provável, daqui a alguns anos, jovens do mundo inteiro vão redescobrir o Metal, que novamente vai se aproximar do mainstream até eventualmente voltar a ser música de nicho, como está ocorrendo agora.

Sem drama nenhum, as pessoas crescem e começam a se interessar por outras coisas, outros temas. A agressividade e a testosterona diminuem com a idade e levam o interesse pelo sempre monotemático Metal junto, o que nos leva à minha segunda teoria. O mercado é o vilão da história toda.

Esse tema já foi abordado aqui antes, mas apenas como uma limitação do gênero. Agora, volto a falar sobre isso considerando que pode ter sido o culpado pelo declínio.

O Metal nos anos 80 era mágico. Tinha bandas que falavam de fantasia, outras com temática de terror, outras com assuntos sérios e contemporâneos e, claro, aquelas bem humoradas. O culpado pelo fim deste ciclo, como todos sabemos, foi o Grunge, que atraiu a juventude por ser uma música mais simples, mais do-it-yourself e cujas letras refletiam melhor as crises vividas pelos jovens da época.

No renascimento dos anos 90/2000, no entanto, não foi assim. Não existia mais bom-humor no gênero a não ser que fossem bandas de palhaçadas, como o Massacration (que até são necessárias, especialmente em um estilo tão sisudo quanto o Metal noventista). Mesmo as que primavam pelo humor no passado, como o Anthrax ou o Helloween, traziam pouco ou nada disso na época. No final dos anos 90, o Metal renasceu, mas renasceu como algo sério e qualquer brincadeira ou piadinha perpetrada pelos músicos já automaticamente os classificava como false Metal.

Especialmente os fãs mais true (ou seja, mais idiotas) apressavam-se em classificar qualquer coisa um pouco mais melódica ou alegre como um clone do Helloween. Uma análise isenta, contudo, mostra como isso é falso.

O Helloween da época dos Keepers é único. Admito que eu nunca encontrei nada realmente semelhante a eles – e olha que eu procurei. Bandas como o Stratovarius são constantemente acusadas disso, mas tirando o vocal agudo e alto, não vejo outras semelhanças. O Stratovarius é mais rápido e muito mais sério do que a abóbora germânica era na época que os consagrou. E convenhamos, o Helloween atual carrega apenas resquícios daquela época, normalmente apenas nas duas ou três faixas de cada disco compostas pelo Michael Weikath.

Outra banda constantemente comparada ao Helloween é o Blind Guardian. E esse é ainda mais distante, pois nem o vocal se assemelha. O Blind é épico, forte, cheio de corais. É um som quase imagético e totalmente teatral, muito mais semelhante a grupos como o Savatage. Admito que vejo mais do Helloween dos Keepers no Trem da Alegria do que no Blind Guardian. Isso porque eles (o Helloween) não tinham medo de flertar com o Pop – e foi justamente por isso que criaram um estilo tão único, tão mágico e que, até hoje, ninguém mais teve bolas para fazer.

Mesmo no lado mais pesado do Metal isso aconteceu. O Anthrax, por exemplo, fazia um Thrash Metal único, ao mesmo tempo pesado, melódico e bem-humorado. Assisti a um documentário sobre Thrash em que o ex-vocal do Exodus, Steve “Zetro” Souza dizia que ele se limitava a gritar, mas o cara do Anthrax realmente cantava. Isso, somado a letras divertidas falando sobre quadrinhos e cultura pop no geral realmente diferenciava a banda das outras. E onde estão essas características no Anthrax de hoje?

O mesmo pode ser dito do Exodus. O disco Fabulous Disaster combinava o peso do Thrash com uma veia deliciosamente acessível. Particularmente, considero a Toxic Waltz como a epítome do Thrash Metal. Gosto tanto da desgraçada que até coloco o clipe dela aí embaixo para você poder remediar o erro se ainda não a conhece:

O Exodus atualmente não tem absolutamente nada que remeta a esse estilo. E duvido muito que eles tenham as bolas necessárias para sorrir em um clipe gravado atualmente.

Estou dando exemplos especialmente desse lado mais acessível e comercial não por gostar mais dele – gosto igualmente do Metal mais pesado e from Hell – mas porque é justamente isso que não existe mais.

Hoje em dia, bandas de Metal têm apenas algumas opções de sons. Elas podem usar afinações baixas, fazer um som épico, pesado, com cara de mau e letras falando de fantasia, mistérios, misticismo e violência. Existe quem vá contra essas fórmulas? Sim, existem alguns, mas podemos contá-los nos dedos. E, tirando o Edguy, não me lembro de nenhum outro que tenha alcançado grande popularidade.

E mesmo o Edguy faz músicas mais presepeiras como Lavatory Love Machine, mas os discos como um todo estão bem mais para o estilo do Helloween atual: melódico, porém sério e sisudo. Essas músicas mais divertidas acabam servindo como um alívio cômico em um álbum, no geral, sério. Assim como as supracitadas composições de Michael Weikath.

Até o visual parece ser sempre igual. Compare uma foto do Gamma Ray na época do Heading For Tomorrow e uma na época do Majestic. Caramba, os caras parecem mais maduros em uma foto tirada mais de 10 anos atrás do que recentemente. Sem falar que, visualmente, hoje os caras estão iguais ao Destruction e a praticamente todas as outras bandas de Metal.

Não sei se isso é falta de criatividade das bandas (considerando que Hollywood só faz remakes e adaptações de livros/HQs/games, talvez seja uma crise na criatividade global) ou exigência das gravadoras, mas sei que existe muita gente que gostaria de ouvir – e compraria – algo diferente. É só ver como o que a turma sempre quer ouvir nos shows são as faixas gravadas nos anos 80, quando era possível criar de fato, sem limitações impostas externamente.

O fato é que depois de mais de 10 anos ouvindo o gênero, ainda que você goste desse lado sério, essa mesmice acaba cansando. Claro, quando se acabou de descobrir o Metal, parece que nunca vamos mudar e que é um amor pra toda a vida. Da mesma forma, aliás, como acontece em um início de namoro. Mas acredite, as coisas mudam. As pessoas mudam. E, principalmente, as prioridades mudam.

O Metal, inicialmente conhecido como um gênero sem amarras, que tinha como objetivo forçar os limites, hoje talvez seja o estilo musical mais limitado que existe. Assim, os fãs atuais (especialmente aqueles nossos velhos conhecidos, com cerca de 30 anos), procuram outras opções.

Tudo isso culmina na minha terceira teoria: a que coloca a culpa da diminuição do público no próprio público, mais especificamente em uma parte dele: os trues, talvez a raça mais irritante e mais burra que já surgiu neste planeta.

Não existe ser provido de cérebro que suporte a atitude prepotente desse grupo, que acredita que quem não ouve as mesmas bandas ou tenha as mesmas opiniões são inferiores e portanto não conseguem entender toda a riqueza cultural de suas atitudes.

Provas disso podem ser encontradas em diversos lugares. Em fóruns, vemos um monte de gente dizendo que não vão mais a shows porque não aguentam mais conviver com essas pessoas. E você pode culpá-los? Quando algo assim acontece em um local de diversão, é digno de preocupação. As pessoas são obrigadas a pensar se vale a pena colocar a própria segurança em risco para ouvir música. E qualquer um com bom senso vai responder “não, não vale”. É por causa disso que o DELFOS ficou tanto tempo sem resenhas de shows – repare que isso rolou exatamente depois da resenha do show supralinkado.

Claro, esses problemas não acontecem apenas com jornalistas no exercício da profissão. No show do Iron Maiden, em 2009, durante Wrathchild, um caboclo atrás de mim começou a me empurrar e a colocar a mão no meu ombro. Comecei a olhar feio e, por ele não parar, tirei a mão dele à força. Ele começou a gritar algo tipo “você tá no meio da roda. Se não gosta, sai do meio”. Detalhe: ele era o único nos arredores agindo como se estivesse numa roda. E roda é coisa de Punk, caramba! Desde quando fãs de Iron Maiden fazem isso? E mesmo em shows Punk – e eu já fui a vários – rodas são algo amigável e opcional. Ninguém obriga outra pessoa a entrar na roda. Se os bangers vão copiar algo dos punks, por que deixar o negócio pior e mais agressivo? Será para se sentir mais pintudo? Deve ser, afinal, eles estão sempre dando mostras disso, de você tem que aguentar para poder ir a um show de Metal. Tem que ser macho o suficiente…

Seja como for, depois que você termina o colegial, acha que nunca mais vai entrar numa briga física. Essa foi a primeira vez desde então que eu realmente achei estar perto disso. E o fato é que só não saímos na mão porque o amigo do sujeito o afastou de mim.

Até sites específicos do estilo, como o Whiplash já deram amostras de estarem de saco cheio. No caso desse, eles têm um fórum específico com um título na linha “Sou true e não gosto quando difamam o Deus Metal” para concentrar todos os ogros no mesmo lugar.

Por um lado, como disse aqui, os trues gostam de ser especiais, de gostar de algo à parte da sociedade e que acreditam que ninguém entende. Dessa forma, devem ficar felizes por terem conseguido afastar muita gente do circuito. Por outro, isso é um tiro no próprio pé. Menos público, menos shows. Quanto menos gente comprar, mais caros serão os CDs e DVDs. Até que uma hora os discos param de sair por aqui, e daí a única opção legal para ter as músicas é importar. E quando acontecerem shows, serão em condições bem inferiores.

Essas são minhas teorias. Talvez o declínio do Metal esteja relacionado às três. Talvez, a nenhuma. Não duvido que outros fatores tenham colaborado para essa situação, portanto agora é sua vez. O que você acha? Se tem novas teorias, o espaço para comentários é todo seu. E de repente eu até entro na discussão! ^^

PS: Prometi para mim mesmo que escreveria este texto inteiro sem usar nenhuma vez o termo Vento Preto. Foi difícil, mas com muito esforço eu… ah, droga!

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