A história da arca de Noé é daquelas tão arraigadas no imaginário popular que até mesmo quem não é cristão conhece pelo menos o básico dela. Pois Darren Aronofsky achou que seria interessante contar essa história mais uma vez em filme (porque tramas bíblicas quase nunca vão para o cinema, né?), agora numa produção de grande orçamento e com pretensões épicas.
Ele apresenta o que todo mundo conhece: a humanidade má além da conta, Noé avisado de que vai cair água pra dedéu para exterminar todo mundo e incumbido de construir uma arca e reunir nela um casal de cada espécie animal. E junto do corroteirista Ari Handel, Aronofsky também toma suas liberdades artísticas, empregando elementos mais fantásticos que combinariam mais com um O Senhor dos Anéis do que com uma produção deste tipo. E também não se furta a colocar em determinados momentos o próprio Noé em ação, chutando traseiros em nome do Senhor.
O problema está justamente aí. Essa mistura toda até tinha potencial, mas acabou não dando liga, e o longa resultou em algo bastante irregular. Ele é paradão demais da conta durante grande parte de sua duração. Aí entra uma cena quase ao estilo “you shall not pass” do já citado O Senhor dos Anéis e as coisas melhoram consideravelmente. Mas a cena acaba e voltam as sequências mais modorrentas, com os atores fazendo cara de paisagem.
Os melhores momentos estão todos soterrados pelas partes mais chatas, que são a maioria. Como eu disse, há sequências mais fantásticas e outras de porrada pura, com o próprio Noé no centro da ação. E também tem vários personagens constantemente sofrendo dilemas morais, o que por muitas vezes os aproxima do lado negro da Força, o que sem dúvida é o melhor elemento do enredo e o mais interessante de toda a produção.
Mas para chegar nessas partes, você vai ter de enfrentar uma maratona de outras cenas genéricas extremamente bocejantes. Talvez se ele assumisse de vez a vontade de ser um blockbuster mais sem noção, como várias vezes ameaça de acontecer, mas nunca chega a se concretizar, fosse mais bem sucedido.
Contudo, ao teimar em permanecer num tom sério, acaba por ficar mesmo todo desconjuntado. Parece-me que o diretor Darren Aronofsky (de Cisne Negro e O Lutador), que é um sujeito todo cabeça e artístico, ficou receoso de investir na pura diversão descompromissada e preferiu seguir o tom solene dos épicos, o que foi um baita erro de sua parte.
Visualmente, o filme é bonito (embora ele também já tenha feito trabalhos melhores nesse departamento), principalmente na fotografia e nos efeitos de montagem. A sequência que conta a criação do mundo é de encher os olhos e tem um estilo todo próprio.
Como se pode ver, não é um filme desprovido de qualidades, mas este é um caso onde os defeitos pesam mais. Não chega nem a ser um filme nada, pois estes, apesar de não serem grande coisa, ao menos divertem. Não é o caso de Noé, o qual me deixou com muita vontade de que acabasse rápido e, pra piorar, ainda se estendeu muito além da conta no final.
Temos aqui, no máximo e com muita boa vontade, um filme regular. Por ser um bom espetáculo visual, é daqueles para ser visto no cinema, mas acho difícil recomendá-lo só por causa disso. Mas se você viveu debaixo de uma pedra até hoje e não conhece a história de Noé e sua arca, aí sim, este longa é para você.