Os convites para cabines costumam ser bem tradicionais. Sempre algo na linha: “A distribuidora Black Wind tem o prazer de convidá-lo para a cabine de imprensa do filme Thor – Um Asgardiano Muito Louco. Pressbook anexo”.
Eu nunca pensei que tinha algo de errado com isso. Porém, quando você recebe um convite diferente, que de certa forma tira sarro dos mais comuns, acaba chamando sua atenção. É o caso deste, cujo convite diz coisas como “não vai ter café da manhã, mas o filme vai alimentar sua alma” ou “duração: 76 minutos. Se for ruim, pelo menos passa rápido”.
Tudo bem, por ser um grande fã de música, eu provavelmente já iria assistir a um documentário sobre isso de qualquer jeito. Ainda assim, não dá para negar que Musicagen chamou minha atenção logo de cara, graças ao seu convite irreverente.
Chegando lá, a irreverência continuou, pois um livrinho muito divertido foi distribuído. Dentro dele, tinha um monte de piadas com o mundo do jornalismo cinematográfico. Por exemplo: “Um filme de dois caras”, “um documentário que não pretende explicar nada”, “sinopse curtinha para o editor do roteiro cultural”, “sinopse maiorzinha para quem puder dar um espaço maior pra gente” e até duas críticas, uma negativa e uma positiva para o crítico que não tiver tempo de escrevê-las. Fala sério, esse é um filme simpático! Eu senti que já tinha uma opinião positiva formada sobre ele antes mesmo de entrar na sala.
Curiosamente, ao contrário do que tudo indica, Musicagen não é um filme divertido, ou mesmo engraçado. Para falar a verdade, ele é até bem sério e um tanto chato. Mas é um documentário que eu gostei de ter assistido, pois acredito que ele contribuiu com a minha formação cultural. E muito provavelmente também vai contribuir com a sua se você der uma chance a ele.
Temos aqui um documentário que visa descobrir “o que é música”. Parece óbvio, mas não é. Claro, todo mundo concorda que a Sinfônica de Londres tocando o tema de Star Wars é música da boa, mas e se juntarmos um bando de moleques tocando em bexigas, em violinos de lata ou em material de cozinha?
É fato que os nerds são culturalmente elitistas e os roqueiros idem. A maior parte dos delfonautas é composta justamente de nerds roqueiros, então vai ser difícil encontrar um público mais propenso a responder, de antemão, que esses instrumentos “caseiros” não são capazes de reproduzir boa música.
Eu mesmo estava propenso a isso. Até aceitava que era possível fazer sons de acompanhamento com eles, mas nunca uma música inteira. E daí vejo um cara juntando na mesa alguns copos e panelas e começando a batucar neles com talheres. O resultado foi um Sambinha bem legal. E, quando eu fui perceber, estava não apenas curtindo o som, mas batendo o pé e acompanhando o ritmo. Foi nesse momento que meu conceito “elitista” mudou.
O mesmo cara dos instrumentos de cozinha, que é um músico deveras tremendão, deu uma baita lição de vida, ao dizer que ensina para os alunos dele a “não apagar o erro, mas usá-lo”. Afinal, se você quebrar o copo, o timbre vai ficar diferente. Isso não é de uma profundidade filosófica digna da Grécia antiga?
E o longa é cheio de momentos assim. Por exemplo, tem uma escola que incentiva os alunos a criarem seus próprios instrumentos musicais e depois a ensinarem os amigos a tocar. Taí uma coisa deveras interessante, que todas as escolas deveriam dar – e abandonar de vez os logaritmos e aquele monte de coisa inútil que ninguém sabe para que serve.
Por essas e muitas outras cenas, Musicagen leva quatro Alfredos completos. Não foram 76 minutos especialmente divertidos, mas foi, sem dúvida, um grande aprendizado.