Homens Difíceis

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Que a televisão estadunidense está passando por um momento de excelente qualidade, roubando o posto de mídia mais criativa e corajosa que já foi do cinema, isso você já sabe. Como também deve saber que essa “era de ouro” tem seu princípio comumente apontado com a estreia da série Família Soprano em 1999.

O que talvez você não saiba é como esta e muitas outras séries elogiadas que a seguiram vieram a ser criadas e a ir ao ar. É justamente disso que trata o livro do jornalista Brett Martin. Ou, como bem diz o subtítulo do trabalho, mostrar os bastidores do processo criativo de séries revolucionárias como a já citada Família Soprano, Mad Men, Breaking Bad, The Wire e outras.

Como as séries eram criadas e desenvolvidas, como foram vendidas para as emissoras, como era o ambiente de trabalho durante as gravações e principalmente na sala de roteiristas e, acima de tudo, como funciona o processo criativo de seus showrunners.

Figura mais importante de uma série de TV, o showrunner é o criador da série, e, como diz o seu nome, o cara que a comanda, supervisionando cada aspecto da produção, da escolha do elenco à confecção do roteiro, para que o programa fique com uma estética homogênea, com a cara de seu criador. É um misto de produtor, diretor-geral e roteirista-chefe.

E como mostra o livro, também costumam ser caras temperamentais e extremamente difíceis de se conviver (às vezes, muito parecidos com os próprios protagonistas de seus programas). É essa delicada relação entre essas figuras geniais, com uma visão clara do que querem mostrar na tela, porém muitas vezes desagradáveis no trato com os outros, o grande foco do livro.

Seu esforço para criar programas realmente bons, que prendam o espectador na poltrona e quebre os antigos clichês do gênero, levando a televisão a novos paradigmas em seriados que se tornaram sucesso de público e crítica contrasta com seus temperamentos difíceis, egocentrismo e babaquice em geral.

O único que escapa ileso na avaliação de Brett Martin é Vince Gilligan, o criador de Breaking Bad, visto como uma exceção à regra, um showrunner simpático, educado e democrático com sua equipe de roteiristas. Todos os outros são pintados como prima donnas insuportáveis capazes de demitir subalternos por meros caprichos. O mundo da televisão de qualidade realmente não parece nada bonito para quem está lá dentro.

Entre fofocas de bastidores e a história da televisão moderna sendo feita, coisa que a maioria de nós, acredito, testemunhou em primeira mão, vamos vendo como as emissoras, a partir do sucesso de Família Soprano, foram criando mais coragem para apostar em produtos mais fora dos padrões, até que cada canal queria ter a sua série de ponta, que desafiava conceitos antigos e injetava um novo modelo de qualidade na televisão.

Foi assim que surgiram coisas como The Shield, Deadwood, A Sete Palmos, dentre muitas outras. Todas essas são abordadas no livro, e o autor não se furta a dar muitos spoilers sobre elas, o que torna recomendável que você só leia essa obra se já tiver visto todas as séries que Martin aborda ou não se importar com estragões pesados.

E acaba também que o texto acaba priorizando mais algumas séries do que outras. Por exemplo, Família Soprano, por ser a precursora dessa nova era, acaba ocupando um grande espaço e Martin conta a série praticamente inteira. Ou seja, se você ainda não a assistiu e tem intenção de fazê-lo, vê-la antes de ler o livro acaba por se tornar tarefa obrigatória.

Breaking Bad, seriado que beira a perfeição e talvez seja o ápice desse modelo de televisão, acaba relegado a um mísero capítulo já no final, muito pouco para um trabalho com a intenção de analisar as principais obras do gênero e, pior, ao colocar o nome da série no subtítulo e o próprio Walter White na capa do livro, acaba criando uma baita propaganda enganosa.

No mais, ainda assim é uma leitura extremamente interessante, sobretudo pelas histórias de bastidores, por revelar como tantas de nossas adoradas séries vieram a ganhar a luz do dia. Sem dúvida, não é um livro para um espectador casual de televisão, que só quer se divertir em frente à telinha por algumas horas e não se importa com como os programas foram parar lá. Mas para aqueles que se interessam por como suas séries favoritas são feitas, é uma leitura mais do que recomendada.

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Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
homens-dificeisPaís: EUA<br> Ano: 2013 (EUA) / 2014 (Brasil)<br> Autor: Brett Martin<br> Número de Páginas: 368<br> Editora: Aleph<br>