Uma das coisas mais legais de se trabalhar aqui no Oráculo – além de todas as outras vantagens – é poder fazer entrevistas com seus ídolos. Depois do Bruno com o Andreas e a Tis com a Anneke, eu tive, apesar de ter entrado há pouco tempo, o aval do nosso Ditador Supremo para entrevistar ninguém menos que Hugo Mariutti.
Hugo foi guitarrista da formação de ouro do Shaman e atualmente é guitarrista da banda solo do Andre Matos. Além dessas bandas, Hugo também já tocou na banda Henceforth e também toca no Remove Silence, mas no momento está divulgando o seu álbum-solo, o A Blank Sheet of Paper.
Este disco tem uma história bem interessante. A Blank Sheet of Paper foi um álbum financiado coletivamente no site Catarse – onde os fãs, através do pagamento de valores pré-determinados, financiam a criação do trabalho em questão – de forma extremamente bem sucedida, tendo atingido a meta estipulada muito antes do prazo acabar. E é para contar sobre o disco e também sobre a sua carreira que Hugo concedeu essa entrevista ao seu site nerd de jornalismo parcial-reflexivo preferido. Mas agora chega de enrolação, vamos à entrevista.
DELFOS: Você está lançando o seu disco solo A Blank Sheet of Paper, após uma bem-sucedida campanha no Catarse. Apesar de bastante diferente do estilo de bandas como, por exemplo, Shaman e Andre Matos, este disco é extremamente coeso e sólido. Você poderia falar um pouco do conceito do disco?
Hugo: Este disco foi um disco no qual as composições saíram bem rápidas, acho que em um ou dois meses eu já tinha tudo pronto. É um disco bem pessoal, bem particular – eu até, quando comecei a fazer as músicas, pensei: “putz, será que eu chamo alguém para cantar?”, mas as letras são tão pessoais que eu não me sentiria à vontade com outra pessoa cantando, então eu achei melhor fazer dessa maneira. O que demorou mais mesmo foi o processo de gravação, mixagem, porque na verdade eu fiz praticamente sozinho o disco, então é uma coisa que dá trabalho. E quando é o seu trabalho você começa até a perder a referência se está bom, se não está, porque você começa a entrar em uma de tipo: “putz, mas isso aqui podia mudar, isso aqui podia mudar”, e no fim às vezes você acaba voltando pro negócio que já estava, é um negócio meio esquisito. Mas também é um disco que eu consegui fazer praticamente sozinho, com ajuda dos amigos – e também foi uma coisa que eu aprendi muito, muita coisa legal, e depois que eu acabei o disco eu saio com o sentimento de dever cumprido, sabe? Uma coisa bem legal… Mas já sabendo que pro futuro ou outro CD tem muitas coisas que ainda podem melhorar.
DELFOS: Você falou de como esse CD tinha letras muito pessoais e realmente quando se ouve o CD dá pra perceber que ele é bastante intimista…
Hugo: É, é um CD que, como eu falei, ficaria muito estranho outra pessoa cantar essas letras e tal, um negócio tão pessoal, talvez soasse estranho. Eu sei até que eu não sou vocalista… Meu instrumento é guitarra e tal, mas eu me senti mais confortável dessa maneira.
DELFOS: Como se deu o processo de criação do disco em si e das músicas?
Hugo: Então, como eu te falei, foi muito rápido. Eu fiz tudo em um mês e algumas músicas, pela primeira vez na minha vida, da minha carreira toda, eu escrevi primeiro a letra e depois a música – eu fiz o inverso do que eu sempre fiz. E muita coisa eu fiz tocando um violão e cantando algumas melodias, algumas outras que eu fiz tem alguns de loops de bateria – eu montava um loop e começava a experimentar, coisas assim -, então é algo meio variado. Não tem uma regra, entendeu? Teve uma, Erase Me, que eu comecei tocando piano, tocando os acordes, e foi muito rápido, em quinze minutos eu já tinha toda a harmonia, praticamente a música pronta. Mas não dá pra dizer que teve uma regra e tal… O que eu valorizei muito nesse disco foram as melodias de voz. Foi a coisa que eu mais trabalhei no disco, mais do que guitarra e outras coisas, foi realmente as melodias de voz e as letras, uma preocupação grande minha nesse trabalho.
DELFOS: Fica evidente, quando a gente ouve o disco, que ele não tem muitas influências do Heavy Metal e do Power Metal. Mas ao mesmo tempo, a sua base de fãs é composta principalmente por fãs desses estilos, e nas redes sociais a gente vê que eles gostaram bastante do disco. Como você vê essa situação?
Hugo: Foi uma surpresa, eu vou ser sincero, porque esse CD eu queria lançar mesmo como satisfação pessoal, e eu não esperava que muita gente fosse gostar por essa diferença de estilos e tal… O CD, pra falar a verdade, não tem nada de Heavy Metal, é um CD bem diferente mesmo, só que é uma coisa que eu tinha muita vontade de fazer e eu acho que é importante, né? Eu vou continuar fazendo os discos com o Andre, é importante e tal, mas como músico esse CD foi bem importante para testar coisas diferentes, fazer coisas que eu gosto que eu não tenho oportunidade. Não porque o Andre fale “não, não, isso não”, é porque não combina mesmo com o estilo, então não adianta sair colocando um monte de coisa que eu goste em uma música, vai virar um monstro todo remendado e que não tem nada a ver. Assim, eu sou um cara que gosta de fazer bastante trabalho diferente, com o Henceforth – que era minha banda antiga – era um trabalho diferente, com o Remove Silence era outro trabalho diferente, então eu sou um cara que gosta sempre de estar fazendo música e estar fazendo projetos diferentes – porque não teria pra quê fazer um projeto de Power Metal solo porque eu já faço isso com o Andre. Então é bem por aí… E realmente me deixou surpreso a receptividade por se tratar de um estilo tão diferente, mas eu acho que o público entende. Quando o trabalho é feito de uma maneira verdadeira, eu acho que o pessoal entende e acaba gostando, comprando a ideia, e isso é bem legal.
DELFOS: Você falou dessas influências, que você não pode colocar nas músicas do Andre, mas não tem nenhuma música do Andre que você já tenha colocado essas influências, de uma maneira ou de outra?
Hugo: Sim, com certeza, várias, só que tem um limite, né? Na verdade, eu acho que desde o Shaman isso acontece, como por exemplo a música Over Your Head já tem algumas coisas nessa onda, só que é de uma maneira discreta e de uma maneira que encaixe no som, né? Mas tem, consciente ou inconscientemente vai sempre aparecer alguma coisa assim, porque são coisas que você escuta, que estão no seu cérebro, enraizadas lá – e vêm de uma forma ou outra. Às vezes no Andre acontece de ter coisas assim, pode ser até inconsciente, mas a gente tenta fazer de uma forma natural para não parecer uma coisa caricata e bizarra.
DELFOS: Ou às vezes é bem consciente, como a Fake Plastic Trees (música do Radiohead que a banda Andre Matos regravou)…
Hugo: Sim, que é uma música que tem uma arranjo mais neutro, poderia ter sido feita por uma banda assim… Na verdade muda um pouco o jeito de cantar e tal, mas é uma música que poderia ser feita por uma banda de rock mais pesado.
DELFOS: E inclusive encaixou muito bem na voz do Andre…
Hugo: É, eu acho essa música bem legal. É uma música que ficou bem legal mesmo, acho que a gente acertou.
DELFOS: Se um fã seu te pedisse sugestões de bandas que influenciaram a criação do A Blank Sheet of Paper, quais bandas você citaria?
Hugo: Putz… Ah, muita coisa do rock inglês eu gosto. Radiohead, eu sou um cara que gosta bastante… Tem influências de Depeche Mode, de Arctic Monkeys, de Oasis, de várias coisas assim. Tem influências de coisa de música eletrônica, Chemical Brothers, e por aí vai. Tem muitas coisas assim, bem diferentes do universo Heavy Metal, mas essas fazem parte do meu universo, do que eu ouço no dia-a-dia. Eu acho que é bom eu falar esse tipo de coisa pra muita gente que acha que a gente só ouve Heavy Metal, só respira Heavy Metal. Lógico, a gente gosta de Heavy Metal – não tenha dúvida disso – a gente cresceu ouvindo isso, mas um músico, um artista, não pode ficar preso a um estilo só, então eu procuro ouvir de tudo, de tudo mesmo, e mesmo que eu não goste do estilo eu vou pesquisar o que está acontecendo, ver o que tem de bom naquele determinado estilo – porque às vezes você não gosta da música, mas a produção é boa e por aí vai… Acho que tem vários estilos que você pode arrancar coisas boas para você.
DELFOS: Você pretende fazer shows de divulgação do álbum?
Hugo: Sim, é uma coisa que eu já estou estudando – eu já tive algumas propostas, inclusive. Eu só estou vendo um jeito de organizar a agenda do Andre com a agenda dos shows que eu posso fazer com o CD, mas a minha intenção é fazer sim, pelo menos nas capitais eu acharia interessante fazer.
DELFOS: Você tem trabalhado com Andre Matos há muitos anos, desde os tempos do Shaman, e acabou entrando no Viper para a turnê de reunião da banda. Como foi a entrada no Viper? Você chegou a fazer teste para entrar ou foi só convidado?
Hugo: Não, na verdade eles me convidaram, quando rolou a reunião. O Yves (n.e.: Yves Passarell, ex-guitarrista do Viper e atualmente no Capital Inicial) é um cara que não poderia fazer essa turnê e o Andre sugeriu meu nome. Eles só me convidaram e já começou a ensaiar. Assim, foi uma coisa muito legal porque eu sempre fui fã de Viper – quando eu era moleque o Theatre of Fate eu ouvi milhões de vezes – e foi muito legal porque desde o primeiro ensaio parecia que eu tocava com eles há muito tempo, que já conhecia eles. Eu conhecia eles, mas não era tão próximo… E foi muito legal, mandei muito bem, e hoje eles viraram meus grandes amigos. Então foi uma coisa muito legal mesmo, uma turnê inesquecível – e quem sabe aí a gente não vai fazer mais shows aí pela frente.
DELFOS: Você sentiu muita diferença ao trabalhar com músicos de uma geração anterior à sua?
Hugo: Oh, eu aprendi muito com eles. Eu acho que eu peguei a transição de algumas coisas, e isso foi muito bom para mim. Por exemplo, os discos do Shaman foram gravados em fita de rolo, e hoje em dia as gravações são praticamente todas digitais, já direto no software do computador, e tem uma diferença muito grande, de você ter que estar tocando melhor mesmo – quando você grava numa fita você tem que estar tocando melhor, porque não tem tanto meio de edição quanto tem no computador. Então eu acho que eu aprendi muita coisa com eles e também acho que eu trouxe algumas coisas novas, que, como eu sou de uma geração um pouco mais nova, eu acho que eu pude contribuir com algumas coisas também. Eu acho que isso que é o legal… Com certeza eu aprendi muito mais do que eu levei coisas – eles já tinham uma experiência muito maior de gravações, etc. -, então para mim foi um aprendizado bem maior, mas eu acho que eu pude colaborar com algumas coisas.
DELFOS: Você também foi responsável pela remasterização dos primeiros álbuns do Viper, e atualmente trabalha na produtora LOUD. Você sempre se interessou pelos bastidores das gravações?
Hugo: Muito. Todos os discos que eu gravei eu provavelmente devo ter ido em todos os dias de gravação, mesmo de bateria, baixo, tudo… Sempre tive muito interesse, já fiz cursos nessa área e tal, e aprendi muito – com o Sascha (Paeth), que produziu os discos do Shaman, o produtor brasileiro Guilherme Canaes, que é um ótimo produtor também, me ensinou muita coisa, o Roy Z, que trabalhou com a gente… E agora, no ano passado, que eu comecei a trabalhar na LOUD – que é uma produtora de áudio – eu aprendi muito. E tem dois grandes profissionais lá que são produtores, Felipe Vassão e Filipe Derado, que me ensinaram muita coisa mesmo, eu aprendi bastante coisa com eles também. Acho que ao longo da carreira eu sempre tive muito interesse em participar de gravação, da parte técnica, da microfonação, da mixagem, produção… Eu sempre queria estar ao lado de gente que já tinha uma experiência grande porque o curso é muito legal, mas na prática você aprende muita coisa mesmo, você aprende muito mais do que no curso ali na hora em que você vê o cara fazendo e ouve o que o cara está fazendo… Então eu acho que isso me ajudou muito.
DELFOS: E você acha que trabalhar nos bastidores mudou a sua visão de música?
Hugo: Eu acho que não só nos bastidores, mas ao longo da vida… Você começa a perceber, tem coisas que vão clareando as ideias, sabe? Quinze anos atrás, que eu tava começando o Shaman, a minha visão de compor, de fazer, de produzir uma música… Hoje em dia é muito diferente do que eu tinha naquela época. Assim, as suas prioridades numa música são outras… Vai mudando, mas isso eu acho que não é só você estar nos bastidores, mas é muita coisa, muita coisa externa que você passa na vida… Acho que é uma mistura de tudo isso – e é um bom sinal esse lance de você estar tendo essas mudanças, porque se você fica sempre na mesma coisa, você fica numa zona de conforto em que você não quer melhorar, você não quer evoluir. Então eu acho que é importante, quando você acaba um trabalho, falar assim: “putz, tá legal, mas eu já sei o que eu poderia ter feito para ficar melhor”. Isso é um sinal de que você realmente está evoluindo num todo. Não seria fácil, mas, por exemplo, a gente poderia ficar fazendo Ritual I, Ritual II, Ritual III, Ritual IV… Seria financeiramente muito mais cômodo, mas eu sempre gostei de trabalhar com gente que não pensa dessa maneira, mas que pensa “ah, vamos fazer o que a gente está a fim agora”… O trabalho primeiro tem que agradar a gente, porque só assim que as pessoas vão gostar ou não vão gostar – assim, se gostar ou não, é outra coisa, é uma coisa meio subjetiva. Então você pode pensar “ah, eu vou fazer uma fórmula assim e assim”, mas não funciona, ou pegar cinco músicos que você olha e diz “nossa, montaram uma seleção”, mas aí você vê as músicas e não funciona… Então eu prefiro fazer algo que seja verdadeiro e que agrade primeiro a gente – e se o público gostar, ótimo, e se não gostar, tudo bem também, sem problema nenhum.
DELFOS: É, porque existem muitas bandas que fazem isso e repetem uma fórmula, como Iron Maiden, Kiss…
Hugo: É, e eu não recrimino quem faz isso, entendeu? Eu, como artista e como músico, não gostaria de estar fazendo isso. Eu gosto sempre de estar não mudando, mas fazendo o que eu estou com vontade de fazer. Eu até entendo, eles devem gostar realmente do que eles estão fazendo, e no caso deles provavelmente eles estão felizes fazendo isso, e é algo que é válido. Cada um tem que fazer o que acha que é o certo, o que está com vontade de fazer, eu não recrimino ninguém por fazer. O AC/DC tem muitas coisas parecidas, mas são coisas muito legais, e o próprio Iron Maiden, em uma certa época eu achava muito legal, mesmo eles fazendo coisas parecidas. Isso é normal, faz parte, e música eu acho que você tem que estar livre para fazer o que você estiver a fim, eu acho que o mais importante é isso.
DELFOS: No Shaman você era o único guitarrista da banda, e portanto único responsável pelas guitarras dos discos. Já no Andre Matos você tem como companheiro o Andre Hernandes. Quais as diferenças entre trabalhar como guitarrista único e dividir o posto com alguém?
Hugo: É bem diferente, para falar a verdade… No Shaman eu tinha uma responsabilidade de preencher muito mais coisas por se tratar de uma guitarra só. Por exemplo, nos arranjos, eu tinha que já pensar em uma guitarra, então você acaba fazendo arranjos diferentes, porque por mais que você grave nos discos, você tem que pensar mais ou menos em como você vai reproduzir aquilo ao vivo, então é uma maneira de pensar bem diferente. E com duas guitarras a gente já pode trabalhar mais. A gente tem muita coisa de linha diferente, cada um faz uma coisa, cada um em uma região… É bem diferente mesmo, tem que pensar muito diferente um do outro, e é legal porque você acaba aprendendo a trabalhar dessa maneira. Antes de trabalhar no Andre Matos com essa formação, todas as bandas que eu tinha eram com uma guitarra só, então eu tive que me adaptar para tocar com esse tipo de formação – mais uma coisa que eu tive que aprender aí.
DELFOS: Mas talvez já tenha sido mais fácil, já que o Andre (Hernandes) foi seu professor também… (n.e.: Andre Hernandes foi professor de guitarra do Hugo)
Hugo: Ah, é. Não, o entrosamento foi muito mais fácil, a gente se dá super bem. Quando é assim é tranquilo, não tem tanto problema.
DELFOS: Quando você entrou para o Shaman, obviamente você estava lidando com músicos consagrados, como o Ricardo Confessori, o Andre Matos, até o seu irmão Luis Mariutti. E, comparando com as suas experiências de bandas anteriores, você sentiu uma diferença muito grande ao trabalhar com eles?
Hugo: Ah, sim, tem uma diferença sim. A gente costuma falar que essa diferença você só percebe quando faz uma turnê. É muito diferente quando você já tem uma bagagem de turnês nas costas do que só ensaiar ou tocar poucos shows, entendeu? Com a minha outra banda não tinha essa rotina de shows que eu acabei tendo com o Shaman, então sem dúvida tem uma diferença grande. Quando você pega três caras que já estavam na estrada fazia pelo menos dez anos, tocando bastante e fazendo shows e turnês pelo mundo todo, tem uma diferença de bagagem, no jeito de tocar e tal – e eu também notei uma diferença muito grande em mim depois que eu fiz a primeira turnê, uma turnê grande. Realmente você muda, parece que dá um upgrade. É, essa bagagem você só vai pegar tocando na estrada, esse ritmo. É igual jogador de futebol, quando fala que precisa de ritmo de jogo, é isso. Treinar, treinar, treinar, beleza, ensaiar, ensaiar, ensaiar, é uma coisa, mas na hora de fazer show toda hora é outra coisa, muito diferente.
DELFOS: O Shaman foi uma banda que já nasceu grande. Na turnê do disco Ritual, a banda já lotava casas como o Credicard Hall. Como foi lidar com essa mudança repentina, indo do anonimato para o estrelato quase instantaneamente?
Hugo: É, eu sempre fui muito pé-no-chão com esse tipo de coisa – eu não me empolgo muito com as coisas e também não me decepciono muito com as coisas. É claro que você sente uma responsabilidade muito maior, você está na frente de muita gente, mas eu sempre fui muito tranquilo com isso. Eu acho que por ter convivido bastante com o Luis eu aprendi esse tipo de coisa, sabe? O negócio é você ter o pé no chão mesmo, fazer o que você sabe fazer direito e não ficar iludido, porque é uma montanha-russa esse negócio, entende? Então uma hora você está lá, uma hora você não está… E realmente eu vejo muito isso em vários artistas, que na hora em que não está do mesmo jeito que foi um dia a pessoa perde mesmo o chão e acaba surtando. A gente tem exemplos aí recentes no Brasil de músicos assim, o Chorão, por exemplo. Eu acho que tem muito disso, sabe? A pessoa sente falta daquilo. Então você tem que estar bem preparado mesmo, sua cabeça bem preparada. É isso, quando você está no auge todo mundo é seu amigo, todo mundo é legal, e quando você não está some muita gente, e se você não estiver preparado para esse tipo de coisa você acaba se perdendo, entrando em depressão, e assim vai. É triste, porque você vê que as pessoas acabam ficando muito mal mesmo. Em casa, com o Luis, eu acho que eu aprendi bastante disso, de ser pé-no-chão. Nunca me empolguei muito – lógico que eu acho ótimo você estar fazendo seu trabalho, o que você gosta, na frente de um monte de gente, mas se você tocar em um lugar menor vai ser legal do mesmo jeito, o que importa é você fazer o que você está com vontade, fazer suas músicas e o resto é consequência disso.
DELFOS: O Angra e o Andre possuem alguns fãs bastante fervorosos desde o início da carreira, e nos extras do DVD Ritualive algumas cenas mostram o fanatismo daquela época de ouro do Heavy Metal aqui no Brasil. Isso existe ainda hoje?
Hugo: Existe. Em menor escala mas existe. Muita gente tem esse fanatismo, isso existe sim. Acontece que o Heavy Metal tem ciclos mesmo. Eu lembro que nos anos 80 tinha muitas bandas de Thrash Metal que estouraram e tal, e que nos anos 90 meio que ficaram no anonimato, um tempão, e depois voltaram. Então são ciclos, né? Vai passando o tempo, algumas pessoas vão tendo interesse por outras coisas, de repente voltam, aí uma geração nova começa a curtir. Então são fases mesmo. Mas tem muita gente que gosta bastante do trabalho. Não é na escala que era, mas eu tenho notado que ultimamente cresceu isso de novo, principalmente depois da turnê do Viper – que foi uma coisa que movimentou um pouco o mercado principalmente aqui no Brasil -, e tanto é que a turnê tanto do Viper quanto do Andre Matos – que a gente até teve que estender este ano – foram muito bem-sucedidas. Então eu acredito que deu uma mexida no mercado.
DELFOS: Você, desde aquela época, nunca fez o papel de guitar hero, pelo menos não da forma usual. Como você vê o equilíbrio entre impor o seu próprio estilo na música e ter que se adequar ao gênero?
Hugo: Ah, quando eles me chamaram para tocar no Shaman eles já sabiam qual era o meu estilo, e eles queriam isso mesmo, uma coisa diferente do que era. E eu não me vejo como guitar hero porque eu não sou guitar hero, de verdade (risos). Eu acho que a minha maior virtude é tocar para a banda, encaixar bem em uma banda, acho que isso que é importante – e é uma coisa que eles queriam também na época do Shaman. Eu levei um estilo um pouco mais pesado, menos virtuoso, mas sempre pensei em função da banda… Não é a minha linguagem, nunca toquei isso, não sei e nem saberia tocar e compor músicas nesse estilo de guitar hero. Eu na verdade sempre quis ter o meu estilo e sei lá se eu consegui ou não, mas o que importa é que eu sempre quis funcionar para uma banda, sempre quis estar envolvido na banda, nas composições, etc.
DELFOS: Você lidou com o sucesso, mas também já lidou com alguns momentos ruins, como por exemplo o Reason e o Mentalize, que na época em que foram lançados não foram consenso entre os fãs. Como você avalia esses trabalhos hoje e a influência deles para a sua carreira?
Hugo: Cara, o Reason apenas falam que ele não foi bem-sucedido, na verdade. Ele foi um álbum que vendeu muito e eu sou extremamente feliz em ter feito este disco. Eu acho que é, no gênero das coisas que eu fiz no Metal, o melhor álbum que eu já gravei. Eu acho que tem uma produção impecável, o disco soa bem até hoje – e tem quase dez anos que foi lançado. Eu me orgulho muito desse CD, não tenho queixas. O Mentalize é um CD que tem muitas músicas legais, que eu gosto bastante, e tem algumas músicas que poderiam ser melhor acabadas, na minha opinião – mas tem muitas músicas legais também. É que assim, eu não vejo muito críticas, o que falam ou o que não falam, eu não fico lendo – e também toda vez que você lançar um álbum vai ter gente que vai gostar e gente que não vai gostar, isso é comum. Então, por exemplo, eu lembro que o Reason deu polêmica porque era um estilo muito diferente na época, mas o Mentalize eu nem sabia se foi bem recebido ou não. Eu sei que tem músicas bem legais nele. I Will Return, por exemplo, se ela tivesse saído na época do Ritual, poderia ter vendido o triplo. A questão é o momento. Eu acho que são bons discos. O Reason principalmente, eu acho ele muito bom mesmo, e o Mentalize eu acho que tem músicas muito boas, tem algumas músicas que poderiam ser melhor acabadas, mas a gente teve problema de tempo – porque o cronograma de uma gravadora no Japão antecipou em três meses o lançamento do disco, então algumas coisas a gente não teve aquele 100%, foi meio “putz, é isso mesmo?”. Não teve tempo de analisar e ver se era aquilo mesmo ou não, foi uma coisa que aconteceu mais de surpresa pra gente.
DELFOS: Após todos esses anos, como você definiria a sua evolução musical?
Hugo: Cara, eu acho que hoje em dia é mais fácil eu escrever músicas e que essa foi a principal evolução. Talvez tenha sido a coisa que eu mais busquei, conseguir fazer músicas de uma maneira mais fácil, mais efetiva… Muitas vezes antigamente eu fazia músicas em que não dava nem para cantar em cima, eram coisas complexas, e hoje eu ouço e falo “meu Deus” (risos). Eu acho que a maior evolução é essa, sabe, de eu principalmente conseguir fazer coisas de estilos variados. Isso é uma coisa que me deixou bastante feliz.
DELFOS: Agora falamos o nome de uma banda e você, em uma frase, diz o seu sentimento por ela:
Slayer – Animal.
Radiohead – Brilhante.
Remove Silence – Diferente, mas é muito boa (risos).
Metallica – Metallica… Em uma palavra é difícil.
DELFOS: Pode ser uma frase.
Hugo: Ah, o Metallica tem uma fase que eu adoro, acho sensacional, e uma outra fase que eu acho mais ou menos.
Shaman – Bom, Shaman pra mim foi até 2005, então Shaman até 2005 foi uma banda que inovou no Metal.
Sepultura – Um ícone, não tem o que falar mal.
Depeche Mode – Essa é difícil… Não tem o que falar. É um clássico, uma banda clássica.
Angra – Até o Fireworks foi uma banda que revolucionou. Depois disso eu não conheço, não acompanho.
Henceforth – Uma banda diferente também (risos).
Black Sabbath – Ah, o Papa do Metal, o Deus do Metal.
Korzus – Também é uma banda que influenciou toda uma geração. Banda que vem desde o começo dos anos 80, então é um ícone também.
Viper – Outro ícone, e com um compositor genial: Pit Passarell. Sem brincadeira, é um cara muito acima da média, de verdade.
Virgo – Eu gosto bastante, acho um projeto bastante interessante. Podia ter lançado mais um disco.
Andre Matos – A banda?
DELFOS: A banda, claro.
Hugo: A banda é ótima! (risos).
DELFOS: Quais as bandas que você mais gosta e as que você mais odeia?
Hugo: Cara, o que eu mais gosto… Radiohead é uma banda que eu gosto muito mesmo… Vou falar ao longo da minha vida, bandas que eu mais gostei. Tipo, pra mim o Metallica até o …And Justice For All é alucinado, a carreira solo do Ozzy, nos dois primeiros discos, Black Sabbath… Essas bandas tradicionais todas. Radiohead eu já falei. Marillion é uma banda que eu gostei muito na minha vida também. Hoje em dia tem algumas coisas que eu gosto bastante. O Arctic Monkeys é uma banda nova – “nova” entre aspas -, mas que todos ali eu acho que têm muito talento… Enfim, acho uma banda muito legal. Putz, mas tem muitas bandas, é difícil, eu sou um cara que gosta de muitas bandas. E que eu odeio… É difícil eu odiar alguma coisa, mas uma coisa assim, deixa eu ver… Dentro do metal, alguma coisa que eu não gosto… Não sei, eu sou um cara que não gosta muito de bandas de Hard Rock, mas não odeio. Não sei. Ah, eu odeio, por exemplo, Michael Angelo, eu odeio, eu acho pentelhação aquilo. Mas não odeio também, eu não gosto, mas odiar assim, eu não odeio. Eu não odeio nada, na verdade (risos). Na verdade eu não gosto desse estilo, eu não vejo muita graça, mas respeito quem faz, quem gosta, não tenho nada contra.
DELFOS: Qual a música que você mais gosta?
Hugo: A música que eu mais gosto? Da minha vida ou da minha carreira?
DELFOS: Uma de cada.
Hugo: Putz… Eu acho que A Day in the Life, dos Beatles, é uma música que tem tudo dentro dela, eu acho que é uma música muito forte, de cara assim uma que eu consigo te responder é essa daí. E uma minha… Eu acho que uma das músicas minhas que eu mais gosto é Reason, é a primeira que vem na cabeça, da época do Shaman. Mas tem uma, a música que eu escrevi para o meu filho, do A Blank Sheet of Paper…
DELFOS: Thanks For Your Existence.
Hugo: Isso. Essa música eu gosto bastante, eu sempre fico meio emocionado quando eu ouço esse refrão.
DELFOS: E a música que você mais odeia?
Hugo: Música que eu mais odeio? Olha, eu não sei te dizer, tem tanta música ruim (risos). Eu não sei mesmo, difícil.
DELFOS: Qualquer uma do Michael Angelo?
Hugo: Ah, não, coitado do Michael Angelo, eu não tenho nada contra o Michael Angelo (risos), só não gosto desse tipo de música. Mas ele é super bem-sucedido, ele faz o que ele gosta, e com certeza se ele ouvir a minha música ele vai achar uma merda. (risos). Putz, eu não sei, é difícil saber uma música assim. Uma coisa que eu aprendi – eu já pensava mais ou menos dessa maneira, mas depois que eu comecei a trabalhar com essas coisas de jingles, de publicidade, você acaba ouvindo muitas coisas diferentes, coisas que não necessariamente você goste – e muita coisa que eu achava muito ruim eu acabei achando coisas dentro daquilo, coisas muito legais, entendeu? Eu não sei te dizer, não consigo lembrar de nada do tipo “putz, eu detesto isso.”
DELFOS: E agora, a pergunta mais importante de todas: qual a sua relação com a Adidas?
Hugo: Cara, eu tenho um patrocínio com eles. Assim, eu sempre gostei de roupa da Adidas e comecei usando mesmo sem ter patrocínio nem nada, e ao longo do tempo eu acho que eles foram vendo que eu usava bastante e aí hoje em dia eu tenho uma parceria com eles. Essa pergunta bastante gente me faz.
DELFOS: Caraca, revelador.
Hugo: É, eu até gosto de falar assim dessas marcas que apoiam, porque é tão difícil a gente ter… Para falar a verdade, são poucas pessoas que estão a fim de colaborar, de ajudar, ou até de fazer parcerias, então eu tenho uma coisa: primeiro eu sou muito fiel a essas pessoas que um dia colaboraram. Eu uso a mesma corda (n.e.: o Hugo usa cordas Elixir) desde 2003, tenho essa coisa com a Adidas, tenho coisas com a Gibson, Epiphone. Porque quando eu pego alguma coisa de patrocínio realmente eu tenho que gostar. Essa é uma filosofia que eu tenho, eu não pego nada por dinheiro ou por promoção minha. “Ah, eu vou sair na revista”? Não. Primeiro de tudo, eu quero que o cara que olha a propaganda ali tenha a certeza de que se eu estou usando aquilo lá eu acho bom. Até pode ter gente que pode olhar e falar “ah, eu não acho legal isso que ele está usando”, mas eu, com certeza acho. A pessoa pode olhar que se eu sair em uma foto de algum produto é porque eu realmente acho que vale a pena. Então é uma filosofia que eu sempre tive, e eu já deixei passar muita coisa justamente por isso: proposta do tipo “ah, você quer usar guitarra tal?”, “não, obrigado”. Pode até ser que outras pessoas achem boa essa guitarra, mas eu não acho, então eu vou usar só o que realmente eu acho bom mesmo.
DELFOS: Hugo, obrigado pela entrevista e gostaríamos que você deixasse uma mensagem para o seleto público do DELFOS.