Exclusiva: Harppia – Ricardo Ravache

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Falar da história do Harppia é falar do Heavy Metal brasileiro, sendo que este, pode ser dividido em dois períodos distintos: antes e depois do primeiro Rock in Rio em 1985. Todos sabem que o megafestival carioca, que trouxe Iron Maiden, Ozzy Osbourne, AC/DC e Queen ao Brasil, foi um grande divisor nas águas do Metal nacional, e impulsionou o surgimento de centenas de novas bandas, como por exemplo o Viper e o Sepultura, consagrando a cena brasileira tanto aqui quanto lá fora.

Mas existiram também os precursores, aqueles que começaram alguns anos antes do Rock in Rio e que, na verdade, abriram as portas para o surgimento dos bangers brazucas. O Harppia se encaixa exatamente nesta segunda descrição. Os Paulistanos começaram suas atividades ainda em 1982 com o nome de Via-Láctea. No ano seguinte, eles adotam o nome Harppia e o símbolo com a ave metalizada que se tornaria o seu mascote oficial.

O Metal daquela época era bem diferente do praticado hoje, e o Harppia tinha uma característica interessante, porém comum aos companheiros de época: todas as suas letras eram cantadas em português. Logo, a banda começou a chamar a atenção dos principais meios de comunicação especializados e ganhou um bom destaque entre os fãs do gênero. Infelizmente, alguns problemas internos fizeram com que o grupo encerrasse suas atividades ainda nos anos 80 e passasse a década seguinte apenas na nossa memória .

Em 2002, no entanto, os membros fundadores Jack Santiago (vocais) e Ricardo Ravache (baixo) anunciam a volta do grande pioneiro do Heavy nacional e o Harppia volta com tudo fazendo shows cada vez mais marcantes.

Entrevistamos o Harppia em duas frontes. Por e-mail, com o baixista Ricardo Ravache, membro da formação original, focando principalmente o início da banda e sua volta e pessoalmente, com o baterista Fabrício Ravelli focando o atual momento vivido pela banda.

A primeira parte, com Ricardo Ravache, você confere abaixo, a segunda parte, com Fabrício Ravelli, você confere amanhã. Divirta-se!

Como era a cena rockeira em São Paulo no final dos anos 70 e início dos 80? O que vocês ouviam e como conseguiam as gravações?
Ricardo: Vivíamos sob o regime militar e, conseqüentemente, o País era submetido à censura. Sendo direto, alguns álbuns eram impressos no Brasil, porém a qualidade era péssima (o tipo de vinil usado era ruim e as capas eram “mutiladas”) e dificilmente havia um encarte com letras. A gente tinha que “ser macho” para tirar uma música.

A banda surgiu com o nome de Via-Láctea e, um ano depois, mudou o nome para Harppia. Por que a mudança do nome e por que a escolha do nome Harppia (incluindo a grafia e a pronúncia diferentes)?
Ricardo: A idéia do nome veio do (vocalista) Jack Santiago, um estudioso do ocultismo. Isso pode explicar a grafia. Quanto à pronúncia, creio que fique mais bonita dessa maneira.

No início dos anos 80, era muito comum na cena rockeira as letras em português. Por que essa escolha? Vocês nunca ficaram com medo de não
alcançar um mercado internacional?

Ricardo: Antes do fenômeno Sepultura, não se cogitava atingir o mercado internacional. Logo, era natural compor em português. Não levantamos bandeiras nem contra nem a favor da nossa língua. Gostamos dela. Gosto muito das letras do Jack. É um verdadeiro poeta e quem teve oportunidade de vê-lo compondo sabe que ele é sincero em suas colocações.

Qual a diferença entre o público Headbanger de 20 anos atrás e o público atual?
Ricardo: A essência é a mesma. O que mudou foi a maior facilidade de acesso a informações e uma proliferação de bandas, o que tornou o público mais exigente. Porém, quando o headbanger vai a um show e sente a porrada do Metal, a reação é e será sempre a mesma, em qualquer época e em qualquer lugar do Mundo.

Vocês acham que a Internet consegue divulgar mais os trabalhos das bandas? Qual a opinião de vocês sobre P2P e MP3?
Ricardo: Como no Brasil você pode contar nos dedos os artistas que sobrevivem graças a direitos autorais, para o músico acho muito interessante essa divulgação. Acho que muita gente também pensa desta maneira: se você gosta muito de um artista, vai querer comprar o CD, vinil, DVD, com capa, encartes e etc., mesmo que esteja disponível no Kazaa. Traz mais satisfação. É gostoso gastar dinheiro com o que a gente gosta.

A música Salém foi escolhida como um dos símbolos da revista Bizz da década de 80. Como vocês vêem a atuação da mídia com as bandas brasileiras? A imprensa dava o suporte necessário às bandas nos anos 80? E atualmente?
Ricardo: A escolha da Salém para compor o “compacto” que acompanhava o número um da revista foi, com certeza uma das coisas mais gratificantes para nós. A grande mídia brasileira não dá maior apoio para o cenário devido à natureza comercial dos veículos. Na verdade, eles refletem (e formam) o gosto da grande multidão de consumidores. Por isso devemos valorizar cada vez mais os verdadeiros radialistas, apresentadores, jornalistas, editores, em suma, os verdadeiros abnegados que ainda divulgam o Metal, sem esquecer dos bares e casas que ainda apostam no estilo por um verdadeiro amor à causa.

O Harppia acabou no final dos anos 80 e cada um seguiu um caminho. Por quê? Vocês, de certa forma, se desiludiram com a música? Quais foram as dificuldades encontradas pelo Harppia?
Ricardo: O estoque de dificuldades é inesgotável para qualquer banda. Certamente alguns de nós acabaram se desiludindo temporariamente não com a música e sim com pessoas, o que é natural em qualquer empreendimento. Mas nós do Harppia voltamos mais maduros e com maior capacidade e força para ceifar os obstáculos que se interpôem em nosso caminho, com nossas espadas e lanças impiedosas (risos).

Como foi a idéia do retorno da banda? A princípio, vocês pensaram em uma volta apenas para alguns shows ou uma volta definitiva do Harppia?
Ricardo: A princípio houveram dúvidas mas, logo após o primeiro show, na Led Slay em 2002, ficou claro que o Harppia se trata de um patrimônio que não pode ser jamais abandonado.

Como surgiu a idéia de trazer o Kleber Fabiani e o Fabrício Ravelli para a banda? Vocês ainda mantêm contato com os ex-integrantes? Eles não quiseram participar ou não foram convidados?
Ricardo: O Kleber, já estava ligado ao Jack desde os primórdios da nova formação, sempre investiu muito para o sucesso da banda. Além de ser um excelente músico, um grande amigo, é parte inseparável do Harppia. Quanto ao Fabrício, poucas pessoas demonstram um profissionalismo e carisma como ele. Não é à toa que os músicos do Destruction (banda de Thrash Metal alemã), quando estiveram aqui recentemente, o apelidaram de “Killer Drummer”. Não precisa falar mais nada!

As músicas antigas do Harppia estão soando mais pesadas e com mais pegada nos shows com a nova formação. Com o Judas Priest aconteceu a mesma coisa, e os antigos clássicos acabaram ganhando uma sonoridade mais moderna também. Algumas pessoas aprovam essa revitalização, outras preferem as versões originais. Como vocês vêem essa modernização dos clássicos?
Ricardo: Reputo essa nova sonoridade à presença do Fabrício. Na época da fundação da banda, o baterista era o Zé Henrique, pessoa por quem temos um carinho muito grande, e sua pegada atendia mais para o psicodélico (hoje compõe a banda Nihilo). Quando entrei para o Harppia, a opção natural foi trazer o Tibério Correia para a bateria, uma vez que já tocávamos juntos desde o final dos anos 70 numa banda de Rock’n’Roll e sem dúvida era o melhor fabricante de baterias do Brasil. A sua pegada era mais leve.
Na volta, em 2002, o Jack teve a feliz idéia de convidar o Paulão Batera, com quem tive a satisfação de tocar na última formação do Centurias, o que deu muito mais peso e vigor às músicas. O curioso é que antes da entrada do Tibério, nos anos 80, havíamos convidado o Paulão, o que não rolou. Devido aos compromissos com sua atual banda, o Baranga, fomos favorecidos pelos deuses e convidamos o Fabrício Ravelli, que consegue reunir todas as qualidades que um baterista deve ter: precisão, força, carisma, bom humor e acima de tudo, sinceridade de propósito.

As grandes bandas de Metal brasileiras gravaram músicas em português recentemente, o Sepultura gravou Ratamahatta e Polícia (versão dos Titãs) e o Angra gravou Caça e Caçador, apenas para citar dois exemplos. Como vocês vêem essa volta das bandas ao idioma nacional? Vocês acham que as bandas que cantam em português têm mais espaço hoje?
Ricardo: Não creio que as bandas que cantem em português tenham mais espaço. O brasileiro ainda tende a ter o posicionamento servil de achar a língua inglesa mais importante. Sinceramente, não dou muita importância ao idioma. Falo por mim. Quando vou a um show, acho que as letras da músicas são só uma pequena parte do espetáculo.

O que vocês aprenderam nesses 22 anos de estrada?
Ricardo: Dentre um milhão de experiências, uma coisa eu acho a mais importante: banda e público são uma coisa só. E quando você junta os dois, a troca de energia que ocorre é gigantesca. Um precisa do outro, senão todo o esforço não faz sentido.

Que bandas vocês ouvem atualmente?
Ricardo: Falando sério: devido à absurda agitação da minha vida atual, a banda que eu tenho mais ouvido e curtido é o Harppia. Nos ensaios e nos shows…

Perguntas e introdução por Carlos Eduardo Corrales e Bruno Sanchez.

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