Algumas pessoas fizeram tanto mal ao mundo que estão além de qualquer tipo de pena, compreensão ou perdão. Entre elas, temos Bolsonaro, Hitler, Zuckerberg. E, claro, o protagonista desta crítica Oppenheimer, novo filme de Christopher Nolan, onde o anticristo é interpretado por Cillian Murphy.
QUEM FOI J. ROBERT OPPENHEIMER?
J. Robert Oppenheimer é normalmente creditado como o pai da bomba atômica, e foi exatamente isso que ele fez. Se este carinha não tivesse existido, muito provavelmente no mínimo 220 mil famílias teriam uma vida mais completa hoje. A desculpa dele, constantemente apresentada no filme, é que, se ele e seus cientistas não criassem a bomba atômica, os nazistas criariam. Em outras palavras, se “eu não for o mal, alguém vai ser, então é melhor ser eu mesmo”.
Isso não muda o fato de que hoje, em 2023, vários países têm a bomba atômica, mas apenas um a usou. Não uma vez, mas duas. E com alvos escolhidos pelo próprio Oppenheimer. Gente como Charles Manson e Jeffrey Dahmer resolvem saciar seus instintos assassinos matando algumas dezenas de pessoas. Oppenheimer matou, DIRETAMENTE, no mínimo 220 mil. Ele não é o único culpado por essas mortes, mas é tão responsável quanto Charles Manson foi pelas vítimas de sua “família”. Outros monstros relacionados são o presidente dos EUA na época, Harry S. Truman, e todos os cientistas que trabalharam sob ordens dos dois.
CRÍTICA OPPENHEIMER, A PESSOA
É importante entender os grandes vilões da história, e os fatos que levaram a seus atos horrendos, não tenho dúvidas disso. Mas um filme autobiográfico sobre um genocida feito no país que investiu dois bilhões de dólares no genocídio em questão não é exatamente uma fonte confiável de informação. Eu gostaria, sinceramente, de ver um filme sobre Oppenheimer desenvolvido no Japão. Afinal, neste Oppenheimer de Christopher Nolan, o país é apenas citado como um inimigo de guerra que se recusava a se render, sem mostrar as vítimas, as repercussões ou mesmo a explosão das bombas.
Muitíssimo pelo contrário, o uso da bomba atômica é justificado como algo que vai salvar vidas estadunidenses e japonesas, pois a única outra forma de encerrar a guerra seria invadindo o país, o que, segundo Christopher Nolan, custaria mais do que 220 mil vidas de ambos os lados. Você acredita na envergadura moral dos EUA nesse caso? Ou você sabe que os EUA queriam encerrar a guerra rapidamente para impedir que a União Soviética invadisse o Japão e os tornasse comunistas? Especialmente quando o próprio filme deixa claro que uma das principais motivações não era fazer a bomba antes dos nazistas, mas antes dos aliados soviéticos, com quem se recusavam a compartilhar informações? Lembremos que a criação desse maldito cogumelo também foi o ponto de partida da Guerra Fria.
MAY THE GOD OF HELL BLESS AMERICA
Este talvez seja o ponto principal. É um filme estadunidense feito no país que contratou o genocida para dar à luz seus instintos mais sombrios. Muita gente vai assistir a Oppenheimer achando que vai conhecer a história por trás da criação da bomba atômica, mas a verdade é que este filme é tão imparcial quanto qualquer review do DELFOS. Ou seja, NÃO é imparcial!
Claro, é uma cinebiografia, não um documentário. E mesmo um documentário normalmente não é imparcial. Mas é importante enfatizar isso, justamente para evitar que Oppenheimer seja visto como um retrato histórico do que aconteceu, e não como o cinemão hollywoodiano em busca de prêmios que de fato é. Este é um filme do Christopher Nolan em sua versão “quero Oscar”, e mesmo sendo baseado em fatos, acredite que ele é tão fantasioso quanto Batman Begins.
Por outro lado, este é um filme do Christopher Nolan, e não dá para negar que esse cara sabe contar histórias de forma estilosa e divertida. Eu não gosto de todos os temas que sua cinebiografia aborda, mas o cara é talentoso o suficiente para que eu também não considere nenhum de seus filmes ruim.
OPPENHEIMER NÃO É EXCEÇÃO
Oppenheimer é um bom filme, culpado dos mesmos defeitos e qualidades da filmografia de Nolan. Do lado negativo, o diretor é um tanto verborrágico e incapaz de usar bem seu tempo. As três horas de duração de Oppenheimer cansam e não são apropriadas para um filme feito para o cinema. Talvez no streaming, quando você pode pausar para fazer um sanduba ou esvaziar a bexiga, funcionasse melhor, mas para o cinema é longo demais.
A boa notícia é que ele também é recipiente de todos os elogios normalmente feitos à obra de Nolan. É um bom filme em todos os sentidos. Bem feito, com uma boa história, excelentes atuações e muito estilo. Em especial, gostei do jeito que as linhas do tempo de sua história não linear são diferenciadas pelas cores. Você vai demorar algum tempo para sacar a ordem cronológica do que está vendo, mas depois que sacar, isso vai ajudar a deixar mais claro.
Também ajuda o fato de que sua história é interessante. Não dá para fugirmos disso, vilões são fascinantes. Vilões da vida real, mais ainda. Não à toa, Dahmer é uma das séries mais populares dos últimos anos. Oppenheimer até se esforça bastante para humanizar o monstro que retrata (é um filme estadunidense, nunca se esqueça).
HUMANIZANDO O DIABO
O filme se esforça bastante em mostrar Oppenheimer como alguém vítima de sua inteligência, não alguém que usou seus enormes poderes sem responsabilidade. Em especial, ele dedica dezenas de minutos a mostrar o cientista sendo usado pelo governo estadunidense, e cuspido fora assim que construiu o que o governo queria. E, claro, não há heróis nessa história. Mesmo o Japão, que engoliu as duas bombas atômicas, não é inocente, e isso só aconteceu por causa de suas ações anteriores, inclusive pela recusa de se render quando a guerra já estava claramente perdida. Como em um filme do Tarantino, aqui todo mundo é vilão.
E sim, está bastante marcado na história que após a guerra, Oppenheimer se dedicou a refletir sobre os problemas que causou. Mas ter consciência da gravidade de seus crimes, e mesmo se arrepender deles, não anula que eles aconteceram, e muito menos as consequências deles. Ele simplesmente fez um mal tão enorme ao mundo que nenhuma boa ação poderia anular. E ele ter tentado não o torna menos um monstro.